#Capítulo 02 - Pesadelo

Após adentrarem na escuridão subterrânea, Selene rapidamente toma iniciativa, dessa vez lançando um feitiço em seu próprio pincel, fazendo um intenso brilho se formar em sua extremidade, tornando-o assim, uma espécie de luminária. O brilho intenso é suficiente para deixar uma área a partir do ponto afetado de raio igual a dois metros tão bem iluminada quanto à luz do sol, permitindo que se veja com clareza os degraus da escadaria ciclópica que serpenteava centenas de metros abaixo.

Apesar do recurso, mesmo podendo se ver com clareza os degraus, não tornava a tarefa exatamente fácil, a movimentação era lenta e devia se proceder de forma cuidadosa, pois os degraus eram demasiadamente altos, alguns destes encontravam-se até mesmo com rachaduras e pequenas falhas que dificultavam ainda mais a descida. Além disso, certamente os jovens investigadores não buscavam gerar ruídos desnecessários para não atrair a atenção de criaturas do submundo.

Enquanto circulam pela estrutura rochosa que formava a escadaria, os investigadores notam que a mesma vai se tornando um pouco mais larga, apesar de não ser algo muito expressivo, a cada cem metros aproximadamente, a circunferência ganha algo em torno de um metro de diâmetro. Além disso, os jovens podem notar que existe uma espécie de paredão ao redor de toda a estrutura, bloqueando a visão do que poderia haver externamente à misteriosa torre negra... também não se podia definir ou estimar quanto deviam descer para atingir a base da estrutura, restando apenas prosseguir.

Os investigadores prosseguem em sua descida pela imensa escadaria rochosa mergulhando cada vez mais fundo na escuridão do mundo inferior. Era difícil afirmar quanto tempo se passa enquanto persistem pelos imensos degraus de rocha negra que circundam a imensa estrutura interna da Torre de Koth. Alguns pequenos fragmentos da própria estrutura se soltam com a movimentação dos investigadores, despencando e gerando algum ruído, porém nada alarmante.

Após quase oitocentos degraus após a entrada, estes se unem a estrutura que circundava externamente a escadaria, fazendo com que a descida se torne um pouco mais segura pelo fato haverem paredes rochosas em ambas laterais dos imensos degraus. Em contrapartida, tornava-se mais difícil ver o que podia se encontrar adiante estando em um corredor circular de algo em torno de dois metros de largura.

Selene se vê obrigada a renovar o feitiço lançado em seu pincel pouco antes de avistarem algo perturbador em meio aos degraus negros. Havia um crânio alongado de feições semelhantes às de um ser humano, porém um pouco maior e mais alongado, sem a presença de aberturas características das vias respiratórias e cavidades oculares visivelmente maiores do que as de um ser humano normal. Havia também um grande buraco na lateral do crânio, além de diversas rachaduras, dando a impressão deste ter sofrido um forte impacto.

Além do misterioso crânio, haviam alguns fragmentos de ossos espalhados por vários degraus, mas era difícil reconhecer a quais partes do corpo da criatura pertenciam pelo estado em que estavam. A impressão que dava era a de que haviam sido partidos e esmigalhados de algum modo... tão preocupante quanto isso, não havia qualquer sinal de que estavam próximos do que buscavam ou do final da imensa escadaria.

Apesar de não conseguirem decifrar o tipo de ser a qual pertenciam os restos mortais encontrados, Lanthys e Selene tinham certeza de que sua morte havia sido causada por algo que habita o submundo, buscando redobrar o cuidado ao prosseguir em sua descida em meio aos grandes degraus de pedra.

Entretanto, assim que deixam de observar os restos mortais, preparando-se para descer os próximos degraus, ambos são surpreendidos por um ruído abrupto semelhante a um tossido rouco, quase gutural que aparenta ser emitido muito próximo. O som é acompanhado de uma rápida movimentação que vem dos andares inferiores, saltando em meio à escuridão na direção do cavaleiro que se colocava à frente, surpreendendo-o.

O impacto faz com que Lanthys vá de encontro ao rochoso degrau em que se encontrava, fazendo com que pequenas lascas negras se soltem e sejam arremessadas, permitindo que o cavaleiro só consiga observar a figura sobre ele após o movimento. Em meio a iluminação gerada pelo feitiço de Selene, se destacavam um par de olhos avermelhados, a criatura era algo bem maior que um ser humano, aproximadamente do tamanho de um pequeno cavalo, seu aspecto escabroso e ímpio faz com que os investigadores sejam tomados por uma repulsa imediata à besta, cuja face era curiosamente humana apesar da falta de um nariz, de uma testa e de outros detalhes que a tornavam bastante semelhante ao crânio observado instantes atrás...

Imagem:

Os membros longos e retorcidos que terminavam em longas e curvas garras, somados ao peso da criatura repulsiva, limitavam severamente uma reação de Lanthys que podia sentir em sua face o hálito pútrido da besta que se remexia de forma descompassada enquanto ajeitava-se para abocanhar sua presa com sua mandíbula repleta de dentes afiados...

Mesmo sendo pressionado pela besta, Lanthys consegue reunir suas forças e sobrepujar a força da criatura, empurrando-a para trás, libertando assim seus membros. Selene aproveita-se do momento e se aproxima rapidamente, golpeando o ser grotesco com sua adaga, que deixa uma marca na lateral do rosto da criatura. Apesar de atingir o alvo, o objetivo de Selene não parece ter sido alcançado e a besta logo busca contragolpear.

A criatura horrenda reage com movimentos bruscos e bestiais, virando rapidamente sua face e projetando-a na direção da sacerdotisa enquanto alarga sua mandíbula, buscando abocanhá-la vigorosamente como uma fera faz com sua presa. Selene pode sentir a frieza dos dentes pontiagudos da besta mesmo antes de ser atingida, tendo apenas frações de segundo para tentar reagir... a sacerdotisa tem a nítida impressão de que caso seja abocanhada, ficará no mínimo em situação crítica, correndo inclusive o risco de despertar no mundo real...

No mesmo movimento de propulsão para frente, o ser ainda busca atingir Lanthys com as garras em seu braço esquerdo, movimentando-as em um arco horizontal. No entanto, o cavaleiro logo percebe que não seria atingido, apenas ouvindo o zumbido causado pelo deslocamento de ar gerado pela movimentação irracional da besta diante dele...

Selene se desvia da investida da besta num movimento de puro reflexo, resultado dos anos de treino no CABAL, fosse uma pessoa normal, certamente teria sido abocanhada pela criatura e estaria numa situação crítica. Após a cena, sem hesitar Lanthys desfere um golpe com sua lâmina, visando decapitar a escabrosa fera profana diante dele, entretanto a besta é rápida o suficiente para tentar bloquear a investida com seu braço retorcido. Como resultado, a lâmina de Lanthys decepa o braço esquerdo do alvo que é arremessado no ar, colidindo-se com uma das paredes laterais antes de ir de encontro com os degraus, tingindo a região com um líquido enegrecido e espesso. A criatura emite um pequeno urro gutural, mas não parece se abater com a dor, transparecendo a mesma fúria bestial com a qual iniciara sua investida, enquanto isso o membro amputado ainda se remexia incontrolavelmente junto ao solo rochoso.

Aproveitando-se do momento e de sua nova posição, Selene também golpeia a besta com sua adaga, atingindo-a na parte de trás de suas pernas retorcidas, fazendo com que um corte se abra no local atingido e sangue negro passe a escorrer. A fera imediatamente reage ao sentir o golpe da sacerdotisa, rapidamente flexionando os músculos dos membros inferiores, em seguida executando um pequeno salto, visando atingir Selene com um movimento semelhante a um coice que, caso atinja a sacerdotisa pode arremessá-la escadaria abaixo...

Selene novamente consegue se desviar da investida da fera, fazendo uso de todo seu treinamento acrobático ao realizar um salto mortal para trás. A sacerdotisa retoma sua posição ofensiva logo em seguida e busca novamente golpear o adversário, mas talvez devido a intensa movimentação, acaba não conseguindo conectar o golpe. Já Lanthys busca complementar o movimento anterior, tentando finalizar a criatura de uma vez por todas, buscando atingi-la com sua lâmina do CABAL. Entretanto, o cavaleiro é surpreendido pela besta que habilmente bloqueia o ataque com as garras de seu membro superior restante, complementando com um movimento brusco que arranca a espada das mãos do cavaleiro, arremessando-a dois degraus abaixo. A espada de metal espiritual imediatamente ganha peso e se finca na rocha negra, ficando momentaneamente fora do alcance de Lanthys.

Após o movimento complexo, a besta ainda busca abocanhar o punho do cavaleiro que anteriormente segurava a espada, todavia, o movimento não atinge o cavaleiro, o qual consegue recolher sua mão direita a tempo, fazendo com que a criatura emita um novo rosnado gutural, como uma fera enlouquecida. Todo o som produzido pelo combate parecia ressoar ecoando por vários degraus acima e abaixo de onde tudo ocorria e, caso houvessem outras criaturas nas proximidades, era possível que estas fossem atraídas para o local...

Enquanto Lanthys recupera sua espada que havia se fincado dois degraus abaixo, tentando também distrair a fera diante dos investigadores, Selene salta sobre a mesma, golpeando-a com sua adaga que se finca na lateral do grotesco pescoço, fazendo com que líquido negro e viscoso espirre. A aberração fica desorientada com a investida e começa se mover de forma descontrolada até que inclina seu corpo disforme, escapando do degrau em que se encontrava e se projetando em direção ao cavaleiro que se encontrava logo abaixo enquanto movimenta-se de modo que Selene se colida com o companheiro, pressionando os dois investigadores com o peso de seu grande corpo.

Após o impacto, os três vão de encontro à rocha negra, rolando escadaria abaixo até que se estabilizam em meio aos degraus, ficando desorientados por alguns segundos, ao ponto de perderem momentaneamente a fera profana de vista.