Imersa em suas emoções e pensamentos, Agnis decidiu conduzir a situação que ela mesma causara impelindo uma bola de energia para as caixas, tentando afastar os escravos que se somavam cada vez mais em cima dos guardas e da comida.
Talvez fora a lembrança de que aquela comida era da catedral, destinada a alimentar outras pessoas famintas que procuravam um abrigo e alimento depois de muito tempo viajando ou na pobreza, assim como fora com Agnis antes de chegar à cidade. Ou talvez fora um ápice de raiva por ter avistado como o escravo com mãos de osso conseguia escapar tão facilmente daquela confusão que ele próprio incitou. Ou, quem sabe, fora a preocupação com o guarda que até o momento lhe tratara tão bem.
Independentemente do motivo, Agnis agiu de uma forma um pouco mais perigosa. A mesma pessoa que antes estava tentando alimentar os escravos, agora tentava afastá-los da comida eletrecutando as caixas com o resto dos alimentos.
Devido à saúde precária em que estavam os escravos durante meses alguns desmaiaram após tocar as caixas devido a corrente elétrica que estava concentrada nelas. Agnis não conseguiu parar o que fazia para verificar se havia matado algum escravo nesse percurso, porém sua tática funcionou e, após o quinto ou sexto escravo desmaiado, o pavor e o medo voltaram a brilhar nos olhos de todos os condenados que haviam naquele salão.
Foi então que os guardas viram a oportunidade de agirem e colocar a situação novamente sob controle, e foi exatamente o que fizeram. Tomados pela esperança e pela confiança de que conseguiriam domar a situação, os guardas empurraram a multidão assolada pelo medo de volta para o chão, gritando e bradando com todos, fazendo inúmeras ameaças e mostrando os mortos que eles haviam matado naquele período que, infelizmente, eram dezenas.
Por um instante o guarda ruivo olhou para Agnis, procurando verificar se ela estava bem, e para agradecê-la por ter lançado o feitiço... porém a jovem estava pálida, sem forças, como se todas as energias de seu corpo tivessem se exaurido após a magia.
Assim que o homem notou que seu companheiro estava com a situação sob controle novamente, e os escravos não demonstravam mais serem perigosos, ele foi para o lado da mulher que, provavelmente, salvara ele e os outros guardas.
Mas a que preço?
Agnis pretendia apenas alimentar as crianças que sofriam de fome e doença, deixando escapar algumas frutas enquanto realizava a contagem conforme lhe fora designado pelo clérigo da catedral... e agora ela via os corpos de crianças, homens e mulheres inertes no chão, mortos pelas lanças dos soldados que estavam, apenas, impedindo uma chacina ainda maior que aquela.
Deveria haver cerca de 20 corpos caídos, e ainda um número maior de feridos que se afastavam das caixas e se amuavam com suas dores. Agora que a adrenalina se amenizava, podia-se ouvir os gemidos de dor dos feridos.
O guarda a ergueu pelos braços e a carregava para a enfermaria da catedral, indo pela porta dos fundos do grande salão. Dessa forma evitariam os olhares das pessoas do lado de fora da catedral que aguardavam o leilão e poderiam começar a fazer perguntas.
Um pouco mais afastado, estava Acognir com a criança escrava que finalmente teve sua parte da comida. Ela comida com paixão, não com desespero. Era paciente enquanto comia, apesar de sua fome.
Enquanto comia e caminhava, seguindo o estranho homem que estava consigo tagarelando sem parar, Daphnne pôde ver no meio da confusão que se formava ali, o guarda tirando Agnis pálida em seus braços. Por um momento a jovem ficou chocada e ficou observando a mulher ser retirada do salão pelos braços de um dos guardas. Seus olhos ficaram vidrados naquela cena, enquanto ela mantinha a maçã em sua boca, segurando-a com as duas mãos pequenas e sujas.
Acognir tagarelava sem parar e quase não se deu conta da jovem com quem falava durante o tempo que pensava em seu plano de fuga, no entanto foi quando ele disse animado que a criança escolheria asas para sair de lá voando alegremente, que se virou para a pequena e a viu observando estática enquanto o guarda e a mulher saíam por uma das portas.
Parecia tão simples que se sentiu levemente louco por ter considerado pular a janela e cair em cima de um homem gordo instantes atrás.
Dentro da enfermaria, Agnis estava deitada em uma cama de palha, forrada com um grosso tecido claro que era usado para deitar os doentes que chegavam. Uma das clérigas estavam conversando com o guarda que a carregara até ali enquanto outra cozinhava alguma coisa no forno a lenha que havia ali perto.
Agnis ainda estava aturdida e exausta, portanto o pouco que ouvia era confuso demais para saber do que se tratava. Enquanto tentava sentar-se na cama, sua mente rodopiava pelo quarto inteiro e ela sentia muita dor de cabeça.
Nesse momento ela viu o guarda ruivo interromper a conversa com a clériga para entregar um pedaço de pergaminho para um mensageiro da Catedral e ordenou que ele levasse aquele pergaminho direto para o Grande Salão, e o entregasse diretamente nas mãos de BigodeLongo.
Ainda ressaltou a importância do envio imediato e disse ao jovem que, caso não cumprisse a tarefa, não precisaria retornar jamais para lá, pois ele se encarregaria de garantir que seus serviços não fossem mais necessários para a Catedral.
Agnis sabia que ele tinha esse poder, e ficou curiosa para saber o que poderia conter no pergaminho, mas não conseguia juntar as palavras para perguntar à ele o que estava acontecendo.
A tensão no ar dentro do Grande Salão era palpável.
BigodeLongo deu suas ordens, disse algumas palavras para as pessoas que estavam ali e desapareceu detrás de uma das portas que, após serem serradas, 4 guardas pessoais se encostaram ali para garantir que o Seu Senhor não fosse incomodado naquele momento.
Enquanto Brifitz tentava se organizar e encontrar um meio de começar o registro das perdas, passou por sua cabeça todas as pessoas importantes e perigosas que contavam com a aquisição de alguns objetos ali... Pensando sobre isso, sentiu um calafrio percorrer sua espinha quando se deu conta de que, se não encontrasse a mercadoria MARCADA para os Líderes do Conselho da Cidade, não somente nunca mais trabalharia naquela cidade, como possivelmente aquele edifício seria seu túmulo.
Demorou muito tempo para revistar todas as pessoas. Houve a necessidade de ameaças e de usar a força contra alguns comerciantes que acharam que aquilo era um insulto... E estavam certos. O que será do comércio da cidade após esse acontecimento ninguém poderia afirmar por enquanto.
A única coisa certa era de que Brifitz BigodeLongo estava prestes a perder os seus grandes bigodes, caso não achasse uma forma de usar de toda a sorte de Sésio para encontrar as mercadorias, ou pelo menos, os três itens MARCADOS para os líderes do Conselho.
Estava terminando de fazer seus registros quando ele ouve o desespero de alguém batendo nas porta que davam para a cidade. Parecia algo urgente, ou poderia ser alguém desesperado para saber o motivo das portas estarem fechadas...
Ou poderiam ser mais problemas.
Radin decidiu pela alternativa mais sensata, se afastando do local onde os homens estavam minutos atrás e seguindo novamente onde estava a fonte da praça, se acomodando debaixo de uma sombra e passando o restante dos minutos ali observando o local e pensando sobre o as pessoas que vira ali pouco tempo antes.
[off: vou retomar com o Radin quando o leilão começar. Caso queira agir a qualquer momento para fazer qualquer coisa, fique a vontade]