PRÓLOGO - FOGO E RAIO

Era ainda fim da madrugada quando Jeremy acordou. Estava ansioso demais e tinha dormido mal. Sentou-se em sua cama do dormitório, este que comportava outros três garotos órfãos, e ficou olhando o nascer do sol pela janela. Esse era o dia que ele deixaria o orfanato e iniciaria uma nova etapa em sua vida. Tudo já estava preparado e combinado com os administradores. Não queria ter que se despedir e aproveitou que acordou cedo para sair antes que a maioria das pessoas ali acordassem. Tomou um banho e se arrumou. Passou na cozinha, apanhando duas bananas e duas maçãs e por fim deixou o orfanato que fora seu lar nos últimos dois anos e meio, esperando que escrevesse uma nova história para sua trágica vida, deixando o passado para trás. Estava de posse de uma mochila nas costas e uma pequena mala na mão, onde estavam suas roupas e calçados.

Era ainda muito cedo quando começou a atravessar a cidade, mas o sol e o calo já estavam de rachar. Aquilo vinha acontecendo havia alguns dias e incomodava sobremaneira a Jeremy que estava o tempo todo buscando uma sombra, bebendo água e, fatalmente, indo ao banheiro várias vezes no dia.

Depois de vários minutos de caminhada chegou até o Centro de Criação Pokemon. Ele já havia ido até o lugar anteriormente, de forma a não se perder ou se atrasar no grande dia, mas ver aquela quantidade de pessoas amontoadas ali em volta o deixaram apreensivo; não gostava de grandes aglomerações de pessoas e sempre preferia estar só, exceto pela companhia de Cheza e Hina, as quais não via havia mais de dois meses. Ficou esperando a abertura dos portões e, quando aconteceu, esperou a multidão entrar primeiro para só então adentrar a mansão.

O jardim era bonito, mas a parte interna o lugar era ainda mais deslumbrante. Apesar de tudo, Jeremy conseguia enxergar a beleza nas coisas e achava muito interessante como as pessoas tinham sonhos e pareciam sempre tão ocupadas e atarefadas para fazer as coisas do dia a dia. Por vezes se imaginava fazendo aquilo e torcia para que esse novo estilo de vida o deixasse mais animado.

Observava toda a movimentação ali dentro quando ouviu uma voz feminina que chamou sua atenção. Ele se aproximou da mulher, ouvindo seu nome. Analisou outros garotos e garotas que estavam ali perto, vendo se alguém ia dizer alguma coisa em resposta à moça, mas decidiu continuar quieto sem dizer nada, apenas prestando atenção ao que a moça tinha a dizer.

Aquela agitação toda continuava deixando Jeremy desconfortável. Mesmo assim ele se esforçou para se manter focado, prestando atenção ao que a senhorita Lyra Anth tinha a dizer. Antes de ela iniciar a explicação, conforme informara, uma cena inusitada teve início. Uma enfermeira adentrou o lugar, chamando a atenção de todos com o barulho da porta sendo escancarada. Os olhos do garoto acompanharam o movimento da mulher até desaparecer na porta da sala de emergência.

Por fim ele se voltou novamente para Anth, ouvindo o que mais ela tinha a dizer. Jeremy não fez nenhum gesto ou expressão à breve explicação dela sobre o ocorrido e logo se pôs a segui-la até o corredor. Ia sempre na parte de trás do grupo sem muita pressa, diferente dos outros. Observou com atenção os quadros, tentando gravar na mente as imagens daquelas pessoas e achou bastante curioso o último quadro, bem criativo.

Finalmente chegaram ao fim, vislumbrando uma bela porta repleta de símbolos gravados nela. Eles representavam os diversos tipos de pokémon e Jeremy notou que não conhecia nem metade. Se realmente fosse se tornar um treinador, teria que começar a estudar sobre o assunto. De qualquer forma, entendeu o discurso de Lyra, era um tanto motivacional... mas não para ele. Esperou a enxurrada de adolescentes adentrar primeiro para só então atravessar a porta e ver o que havia do outro lado.

A criadora foi conduzindo o grupo pelo corredor e todos adentraram ao novo aposento que havia sido revelado. Era um espaço pequeno e aquela aglomeração deixava Jeremy pouco à vontade, além de lhe dar uma sensação de claustrofobia. Tentando afastar a mente desse sentimento, procurou observar os quadros ali dispostos, se demorando no primeiro quadro, imaginando se aquela chama se apagaria ou não. As mensagens nos quadros eram bem marcantes, mas o garoto ainda não estava entendendo o propósito de todas aquelas informações.

A moça continuou as explicações enquanto ativava o elevador ao qual eles estavam, justificando aquela sensação de Jeremy. De fato, a falta de saídas ou janelas era uma indicação daquilo. Mesmo assim, ele respirou fundo, tentando se manter calmo até a parada do elevador. Dessa vez ele teve que se afastar rapidamente para sair da frente dos outros, deixando-os passar.

Seguindo o grupo, ele reparou nos dois quadros que dividiam os caminhos. Leu atentamente as duas mensagens, escutando o que Anth tinha a dizer. Enquanto ainda pensava a respeito dos dois enigmas, reparou que as crianças começavam a se dividir ali. Jeremy não tinha certeza sobre a resposta de qualquer um dos enigmas, mas achava que estava no caminho certo. De qualquer forma se dirigiu pelo caminho da esquerda, novamente sendo o último a avançar.

No fim do corredor, o holograma projetava uma imagem estranha e um teclado. Pouco a pouco os aspirantes a treinadores iam tentando suas respostas, a começar por um garoto ruivo com o olhar determinado. Aquele nome não era estranho, mas Jeremy não conseguia se lembrar de onde o ouvira. De qualquer forma, tentou afastar esses pensamentos, tentado se focar no que ele mesmo tinha que fazer. Enquanto alguns entravam, outros erravam e voltavam tristes pelo corredor. A insegurança começou a tomar conta da mente do garoto, fazendo suas mãos tremerem levemente, até que ele foi o último que sobrou para responder ao enigma daquele lado.

"Se eu... falhar... o que vai sobrar pra mim? Se nem daqui eu passar, quer dizer que realmente não tem nada pra mim nesse mundo."

A tendência da mente de Jeremy era sempre levá-lo para o lado escuro. Já estava quase desistindo de tentar, mas de súbito as imagens de Cheza e Hina vieram em sua mente. Hina provavelmente estaria ameaçando socar-lhe a cara por desistir antes de ao menos tentar; enquanto Cheza estaria tentando exaltar a inteligência e capacidade dele. Cada uma tinha um jeito diferente de animá-lo, e só de pensar nisso, fê-lo sorrir.

"Se não for isso, será outra coisa... Eu acho. Mas não posso esquecer que estou aqui, também, por elas."

Se aproximou do teclado holográfico. Devagar, os dedos alcançaram as teclas, formando a palavra "Charmander". Era a única coisa que podia pensar que juntava aqueles três pontos, isso por que ouvira comentários de garotos no orfanato falando sobre os pokémons iniciais que davam na cidade, e um deles falara muito sobre o Charmander.

"Enfraquecido com a água... como qualquer pokémon de fogo; mas precisa dela para viver... tal como qualquer ser vivo; e com um sopro sua vida se vai... como Charles disse, se a chama da calda do Charmander se apagar, ele morre. Bem, espero que seja isso."

Por fim esperou para ver se a porta se abriria para que ele entrasse ou se, como os outros garotos que fracassaram, voltaria triste pelo corredor de onde viera.

Ao visualizar o retorno do holograma indicando que sua resposta estava correta, Jeremy não pôde evitar o sorriso se formar em seu rosto. Sabia que não era um gênio, mas por ver alguns garotos falhando, teve um certo orgulho de si mesmo por ter passado em seu primeiro teste para aquela nova vida que iniciaria. À abertura da porta de metal, seu estômago se revirou de ansiedade. Sentia um frio na espinha, nervoso por saber o que viria a seguir. A passos lentos, adentrou a câmara simples que se estendeu à frente, observando primeiro a janela e depois a mesa no centro do aposento. Se aproximando, pôde ler o texto que havia na tela do tabblet.

"Fogo e eletricidade. São os dois elementos disponíveis aqui. Talvez se espero que façamos aliados ao sair desse lugar."

Seu olhar logo foi atraído para o reflexo do vidro que cobria a fenda no chão. O garoto se aproximou, notando a maravilhosa pokébola que havia ali dentro. Parecia uma esteira de fábrica que atravessava a porta em arco que havia logo à frente. Logo que se aproximou, a esteira passou a funcionar, carregando a pokébola para mais adiante.

"Será que meu pokémon está ali dentro?"

Uma nova onda de ansiedade atingiu o garoto. Mal notou ter cerrado os punhos e começar um avanço mais rápido pela primeira vez, seguindo a pokébola através do portal no lado oposto de onde entrara.

A nova sala se mostrou um ambiente fechado e com poucas opções. O latido do cachorro vindo do outro lado da sala deixou Jeremy alerta. Olhando para o lado, viu os caixotes e o bilhete com o recado.

"E essa rima?"

Não tinha muito jeito com animais, então tentou não fazer barulho. Iria verificar os caixotes, para ver se conseguia abrir algum deles com facilidade. Talvez houvesse alguma coisa ali dentre que pudesse ajudar. Tendo algo ou não, arrastaria os caixotes para ver se havia algum botão em baixo de algum deles ou mesmo na parede atrás de cada um dos caixotes, tudo o mais rápido possível e de olho nas esquinas, para que, caso o cachorro aparecesse, ele pudesse correr pelo caminho oposto de onde o cachorro vinha.

"Acho que consigo enganar o cão correndo em volta dessa estrutura."

Por onde quer que passasse, procuraria o tão botão, observando o chão, as paredes e até mesmo o teto. Se o cão não tivesse aparecido até então, iria pelo lado esquerdo o mais furtivo que conseguisse para espiar pela beirada da parede, a fim de observar o animal que estivesse ali sem que ele o notasse. Daí decidiria se voltaria para perto dos caixotes para assobiar, a fim de chamar a atenção do cão para um lado enquanto Jeremy se deslocaria pelo lado oposto, fitando o cão sem que ele o visse.