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    Histórias da Meia Lua

    DayenneValerie
    Neófito
    DayenneValerie
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    Histórias da Meia Lua Empty Re: Histórias da Meia Lua

    Mensagem por DayenneValerie Qua Out 03, 2018 1:37 pm

    Solidão


    Bela Noite, 25 de agosto de 1992, 2h da madrugada

    A lua minguante sorria no céu estrelado. A janela aberta deixava aquele parco fio de luz entrar, revelando um contorno corporal em meio às sombras do quarto. A jovem adolescente se debatia na cama, rasgava sua roupa em meio ao sono agitado. Os longos cabelos castanhos suados colavam nas costas, as cobertas e lençóis no chão. Aos poucos, o invejável corpo se mostra e a lua continua sorrindo em seu formato minguante.

    Sou uma loba, estou no Parque da Itatiaia, conheço o local como ninguém. Era como se tivesse nascido ali, era como se fosse parte dali. Sou um animal selvagem, passeio por tudo, sou temida por todos os outros animais. Corro livre à luz da lua, o vento sob meus pêlos. Mas há algo etéreo nesse ambiente, algo translúcido. Os contornos das coisas são mais fortes, o brilho das árvores é mais forte. Eu subo uma colina e uivo com todas as minhas forças. Estou no meio de uma alcateia. Me sinto segura. Mas a terra se abre e dela começam a vir sombras grotescas, dizimando todos os meus companheiros. Uma força voraz se apossa de mim, o mundo se transforma.

    A jovem adolescente acorda. Cada curva do seu corpo está banhada em suor, revelando sua pele morena de menina-mulher. Ela põe as mãos na cabeça, tonta, as roupas semirrasgadas. Era mais um daqueles sonhos que a assombrava. Sempre o mesmo, sempre como uma loba, sempre em um lugar etéreo, sempre no Parque da Itatiaia.

    Levantou-se e cruzou o quarto até o banheiro, onde ligou o chuveiro para uma ducha. Precisava de um banho para relaxar os músculos, ainda tensos de toda aquela cena. Era como se efetivamente toda a sua estrutura corporal tivesse mudado e agora voltasse ao normal. Que sonhos reais...

    Ao sair do banho, olhou-se no espelho. Seus olhos castanhos esverdeados estavam reluzindo um verde mais vívido. Esfregou-os por um momento. Voltaram à cor normal. Precisava marcar um oftamologista, não podia ser normal.

    Toalha vermelha enrolada na cabeça, robe de seda cor vinho cobria seu corpo. Sentou-se na cama e começou a pensar na vida. Acendeu o abajur, ligou o som baixinho, colocou o CD novo do R.E.M, uma banda que gostava muito, escolheu uma música que preencheu sua mente. Puxou uma caixa que estava há muito guardada embaixo da cama, enxotou a poeira, abriu. Ali jazia, entre outros papéis, uma foto feliz, de uma família feliz. A música seguia:

    Nightswimming
    Deserves a quiet night
    The photograph on the dashboard
    Taken years ago
    Turned around, backwards, so the windshield shows
    Every street light reveals a picture in reverse
    Still, it's so much clearer
    I forgot my shirt at the waters edge
    The moon is low tonight

    “Sempre seremos felizes, se essa lembrança sempre estiver no seu coração. Com amor, mamãe.”

    A frase escrita no verso da fotografia transportava a jovem de dezesseis anos para outra época, para suas férias, para a alegria pueril da infância. De mãos dadas com seu pai, ela seguia satisfeita e feliz. Os sorrisos preenchiam aquele agradável dia ensolarado, o marulho das ondas, indo e vindo. Sua mãe, logo ali, tomava sol. Os cabelos dela eram dourados e lindos, sob o corpo moreno e esbelto. A criança amava fazer tranças naquelas madeixas, a mãe ria.

    Nightswimming
    Deserves a quiet night
    I'm not sure all these people understand
    It's not like years ago
    The fear of getting caught
    The recklessness in water
    They cannot see me naked
    These things, they go away
    Replaced by every day

    Mas logo isso se acabava. Todos os momentos felizes eram tragados por uma única imagem. Ela tinha que ir embora. E então, todo o doce frescor das férias ia junto com ela. Todas as lembranças mais pungentes da jovem sempre eram de sua mãe indo embora. Ela trabalhava longe. Seu pai dizia que era algo importante, mas ela simplesmente não conseguia entender o que seria mais importante do que ficar com sua filha. E então começaram os sonhos. Sempre os mesmos.

    Nightswimming
    Remembering that night
    September's coming soon
    I'm pining for the moon
    And what if there were two
    Side by side, in orbit
    Around the fairest sun
    The bright tide that ever drawn
    Could not describe


    Quando ela finalmente veio para ficar, aquela criança já não era criança, aquele lugar já não era o mesmo. Aquele coração já tinha se distanciado dela. Agora, sua mãe voltava para lecionar na faculdade, sob o pretexto de ficar mais próxima da sua família. Mas já não era o bastante.

    Nightswimming
    You, I thought I knew you
    You, I can not judge
    You, I thought you knew me
    This one laughing quietly
    Underneath my breath


    Lágrimas escorrem teimosas por seus olhos. Ela segura aquela foto cheia de riso feliz e alegria velada. O dia de sol na praia é sugado pela lua, que continuava seu sorriso sarcástico pela janela do quarto.

    Nightswimming
    The photograph reflects
    Every street light a reminder
    Nightswimming
    Deserves a quiet night
    Deserves a quiet night

    De repente, leves batidas na porta irrompem sob a música baixa. A maçaneta gira. A jovem enxuga as lágrimas. Uma voz feminina invade o quarto.

    - Daye? Aconteceu alguma coisa?

    - Não, mãe. Estou bem. Me deixe em paz. - em seguida a porta se fechou novamente.


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