Por trás de sua atitude profissional e fria, a Doutora Leatrice Belcher estava animada. Embora parecesse, medicina não era o único assunto pelo qual a médica se interessava, ela também era uma grande fã de histórias de detetive. Esse fato influenciou a sua decisão de atender o pedido de ajuda do famoso detetive Alexandru e viajar até Bucareste, onde estava agora.
Leatrice era baixa e larga, sempre tinha sido. Seu cabelo era curto, cortado na altura de seus ombros quadrados, e embora Leatrice ainda estivesse na primeira metade da terceira década de sua vida, alguns de seus fios capilares já haviam perdido suas cores, e riscas brancas apareciam entre o mar de preto. Mesmo assim, as mechas estavam sempre penteadas de maneira elegante, um dos poucos sinais de vaidade demonstrados pela mulher.
Vestia roupas mais próximas do que um médico usaria do que uma dama da nobreza, uma camisa branca coberta por um paletó cinza, uma saia na mesma cor e material e botas de couro. Também carregava consigo uma mala de couro onde guardava seus instrumentos médicos e outras coisas úteis.
Mas o que mais chamava atenção em sua aparência eram suas estranhas deformidades físicas, com a mais visível delas afetando um de seus olhos. O olho direito de Leatrice era caído, mais baixo do que o normal, também era maior do que o seu par, dando a impressão de estar perpetuamente aterrorizado. Menos visível, porém mais agravante, era a sua perna direita, uma coisa torta e malformada, que tornava caminhar normalmente uma tarefa difícil para a médica.
Por causa da última condição, a doutora estava sempre acompanhada de sua leal bengala, hoje não era uma exceção, e a usou como suporte assim que o cocheiro a ajudou a descer de sua carruagem quando chegaram na mansão de Alexandru, onde Leatrice foi calorosamente recebida por uma das filhas do detetive, que também a conduziu até onde o mesmo estava.
Alexandru recebeu Leatrice com um abraço, que se sentia desconfortável com tamanha intimidade, pois estava mais acostumada com a sensação da carne exposta de seus pacientes do que com o toque de outros, mas o retribuiu. O detetive não estava sozinho, parecia que um dos outros convidados havia chegado antes de Leatrice, e não demorou muito até que Alexandru o apresentasse a ela.
O convidado se chamava Teodor Cardei, um homem grande e forte que falou com ela em alemão, provavelmente porque não falava inglês. Ele estendeu sua mão para Leatrice, que em resposta estendeu a sua própria, formando um aperto. O homem então convidou a doutora a se sentar ao seu lado, e ela aceitou o convite. Ambos continuaram a conversar em alemão sobre assuntos diversos, nenhum deles sendo medicina ou algum dos outros assuntos pelos quais Leatrice se interessava.
Logo, os dois últimos convidados chegaram. A primeira foi uma mulher loira, aparentava ser uma local. Não falava nada, mas não parecia ser muda, Leatrice não podia dizer qual era sua especialidade, apenas que ela era uma jovem muito peculiar.
O último convidado logo seguiu a mulher misteriosa, dessa vez um homem alto. Já tinha visto outros do tipo, criaturas sombrias que perambulavam pelas ruas de Londres à noite. Homens com os quais uma pessoa de bem não desejaria se envolver, e não só por serem companhias desagradáveis… E se Leatrice podia ver aquilo, ela duvidava que um detetive tão renomado e experiente quanto Alexandru não pudesse, o que deixou a médica ainda mais curiosa.
Com todos os convidados finalmente reunidos, Alexandru começou a dar mais detalhes sobre o motivo daquela reunião. O detetive contou que sua filha caçula tinha desaparecido. Leatrice lamentava o desaparecimento da jovem. Esperava que seu primeiro caso como detetive consultora fosse algo menos sombrio e mundano do que o desaparecimento de uma jovem, mas ainda estava disposta a ajudar na procura.
O detetive então acendeu um charuto e continuou a falar, dessa vez dando mais detalhes sobre porque aquele grupo de pessoas tinha sido reunido, e as especialidades de cada um dos membros. Teodor Cardei era um soldado com experiência em combate, o russo realmente era um criminoso, e a garota misteriosa era uma… Ocultista, talvez? Não esperava que um homem de lógica como o detetive acreditasse naquele tipo de coisa, a doutora certamente não acreditava.
Então Alexandru terminou com uma pergunta dirigida a todos: “Algum de vocês conhece ou já ouviu falar do Circo de Romanov?”. A doutora não tinha ouvido falar sobre aquele circo em particular, mas conhecia outros do tipo, shows itinerantes que exibiam tais chamados “horrores”, nada mais do que pessoas com condições não tão diferentes das que Leatrice possuía. Pessoas que ela trabalha arduamente para ajudar e proteger…
O primeiro a responder foi o russo: “Sim já ouvi falar de grandes apresentações, inclusive aberrações.” Aquela última palavra mexeu com Leatrice, como sempre fazia, e seu olho direito se fechou instintivamente, apenas para se abrir em choque segundos depois quando a estranha ocultista sussurrou as palavras “Preciso de mais dados.”
Leatrice se recompôs assim que pôde, chacoalhando a sensação para fora de seu corpo e se endireitando no assento. Esperava que ninguém tivesse notado suas estranhas reações, mas percebeu que Teodor a encarava com o cenho franzido, aparentemente tão espantado quanto ela mesma.
– Nunca ouvi falar, conte mais… – a doutora respondeu, finalmente. |