Maldição (Sakaala)

Após 10 anos, Yauára já não era um animal jovem. Tinha suas vontades e instintos - era um animal selvagem e raro na maioria das regiões. Um felino grande que impunha medo na maioria das pessoas e o medo era um ponto que trazia outros sentimentos ruins, o que nem sempre deixava a elfa e seu companheiro em condições favoráveis. Adentrar cidades com um caçador natural de mais de 100 quilos, não era a mais fácil das tarefas.

- ... !

Antes mesmo de dizerem qualquer coisa, os guardar na entrada do vilarejo - um empunhou sua espada, e o outro sacou a besta das costas, claramente direcionados à Sakaala e Yauára.

- Afaste-se dos muros! É o único aviso!

Estavam imóveis, mas as palavras saíram altas e firmes - com certeza chamaria a atenção de mais pessoas caso qualquer coisa se desenrolasse de forma vivolenta no local. Yauára rosnou baixo, esperando uma reação de Sakaala, como sempre, embora fosse um animal selvagem - agia com as condições que lhe eram repassadas, então estaria atento para quaisquer que fossem os próximos comandos.

- Malditas aberrações, agora andam com monstros!

Sussurrado, mas o ouvido treinado de Sakaala pode ouvir sem muitos problemas. A primeira ofensa, voltada à elfa e a segunda, à onça. Como sabia, longe de sua terra natal e do coração da floresta, Yauára era um animal raro, muitos nem se quer sonhavam com a existência de um gato desse tamanho.

O homem que estava com a espada a abaixou por um instante, o que estava com a besta, continuou com a mesma apontada para os dois - trocando as direções, ora para Sakaala, ora para Yauára. O primeiro, virou-se para o segundo e sussurrou algo, ainda mais baixo que as últimas palavras. Poucos momentos depois, o segundo deu um exaspero de insatisfação e então concordo, balançando a cabeça.

- Veja, não queremos confusão com os velhos do forte por impedir alguém de entrar por ser um… elfo.

Claramente, a antiguidade da raça de Sakaala não era um ponto de interesse para o homem, ele não fazia muita questão de esconder, assim como muitas pessoas no continente tinham o mesmo pensamento, Sakaala sabia que isso ia piorando de uns tempos para cá.

- Mas esse monstro… Esse gato gigante. Ele não pode andar no meio das pessoas e sua palavra não vale de nada pra mim. Se você realmente tiver que entrar, você pode deixar ele dentro do celeiro ao lado, está vazio.

Logo após a entrada, havia uma casa grande de madeira sem pintura e telhas de palha - devia ser o celeiro que o homem indicava.

Os guardas abriram a passagem assim que Sakaala aceitou as condições. O animal assentiu, apenas baixando levemente a cabeça e entrou na casa indicada - mais calmo e vendo que sua companheira estava fora de perigo, ainda apreensivo, pois instintivamente sabia que não poderia acompanhá-la por algum momento. Sakaala sabia também que, o que quer que fosse fazer na cidade, não poderia demorar muito, Yauára poderia chamar a atenção ou simplesmente derrubar a grande daquela pequena casa de madeira para ir encontrá-a. Dentro do pequeno estábulo e trancado, os guardas voltaram a atenção para a entrada da cidade, deixando Sakaala em paz.

Sabia que não era uma cidade muito grande, mas poderia ganhar alguma coisa ali - não pareciam ter ninguém com nenhum tipo de arte - seja um grupo de performance ou bardos - e em tempos de guerra, um prefeito ou barão pagaria bem para que a população tirasse os olhos da situação ruim em que estavam, para que tivesse um pouco de entretenimento. Bastava achar quem poderia ser responsável por isso e o melhor lugar para isso, deveria ser a única taverna do local.

- Hhm.

Estava organizando os copos em uma prateleira e de imediato, não deu muita atenção. Terminou de colocar mais dois, um ao lado do outro e então, baixou um pouco a cabeça, para que pudesse ver por baixo dessa mesma prateleira, mediu a elfa de cima a baixo e coçou a cabeça, como se estivesse resolvendo o maior problema do mundo ali naquele momento.

- Veja... Eu não sou como esses ignorantes, mas.. Bem. Você sabe que estamos em guerra, certo? Podemos tentar alguma coisa, se gostarem - eu posso te pagar até 5 moedas, não mais. Se não gostarem, não posso te pagar nada.

Trouxe as mãos de volta e cruzou os braços.

- E outra... Não espere simpatia, você sabe...

Fez um gesto rápido em suas próprias orelhas, puxando-as para cima - indicando o fato de que, num local como aquele, era mais fácil que sofresse algum tipo de preconceito.

A música se misturava com os sons da estalagem e era difícil de ouvir qualquer coisa, as conversas, as garrafas e copos batendo, os passos que faziam a madeira ranger e os ocasionais golpes que davam nas mesas, animados com as discussões. Passados alguns segundos da música, os sons começaram a diminuir, dando cada vez mais um espaço maior para que o som se ampliasse no local e tomasse os ouvidos dos ocupantes, estes, entretidos com os sons voltaram os olhos para a origem do mesmo. Sakaala podia ver alguns sorrisos, outros mais curiosos que pareciam estudar a elfa enquanto tocava. Parecia ter dado certo, ela sabia que não era tão complicado cativar aquele público - eles tinham pouco acesso a qualquer coisa ligada as artes, então o mínimo era mais que o suficiente e com o conhecimento que ela possuía para este tipo de arte, o suficiente era bastante extrapolado. É uma boa forma de se viver em meio a todo tipo de adversidade que elfos enfrentam.

O estalajadeiro sorriu, num misto de felicidade por conta da canção ter agradado e também um pouco insatisfeito, pois, obviamente estava 5 moedas mais pobre agora.

- Hm. Certo.

Achou estranho inicialmente. Não estava acostumado com ninguém recusando qualquer tipo de moeda, ainda mais por um trabalho que, por mais que envolvesse talento, foi consideravalmente rápido e não era tão pouco, para o que foi realizado - embora tenha cativado o público.

- Bem, quando estiver com fome, minhas portas estarão abertas.

Deu um sorriso e guardou as moedas novamente, dentro uma uma pequena bolsa que carregava amarrada em sua cintura, tão logo voltou para seus afazeres e como se nada tivesse acontecido, todos os demais retornaram as suas conversas, bebidas e discussões. A atenção era fácil de conseguir e igualmente fácil de perder.

-

Retornando para onde Yauára estava preso, viu algumas pessoas ao redor do pequeno celeiro e o animal arranhando as portas, talvez um pouco desesperado para sair dali. Ao mesmo tempo, um homem mais corpulento gesticulava e parecia brigar com os dois guardas que permitiram a entrada do animal. Aproximando-se, Sakaala pode ouvir.

- ... vocês são retardados?! Essa é a minha cidade! Meu povo tá aqui! Como é que deixam um monstro entrar?! Tranquem esse bicho aí e chamem uma porcaria de um witcher pra dar um jeito nele!

Todos perceberam que o animal se acalmou um pouco com a chegada de Sakaala. O som do alaúde em si, não fazia muita diferença - era muito barulho ao redor, haviam muitos soldados e o homem corpulento, que parecia ser o líder deles, assim como chefe daquela aldeia, continuava falando e gesticulando, até perceber a chegada de Sakaala, ele tinha diversas facas em sua cintura

- Mas que porra! Foi você que trouxe isso pra dentro da minha cidade?! Cadê os dois merdas que estavam no portão?

Dois guardas traziam os dois que estavam na entrada quando Sakaala entrou. Estavam sem suas armas e partes da armadura, usando apenas as partes inferiores e com menor proteção. Tinham as cabeças baixas e não erguiam o olhar para encarar o líder, que parecia extremamente irritado com a situação.

- Foi ela?

Ele parou um um minuto, esfregando os olhos.

- Para com esse troço!

Referindo-se ao alaúde. Após alguns segundos, um deles respondeu.

- Sim, capitão. Achamos que não teria problema se ficasse preso no celeiro.

- Espera aí um minuto! Fechem os portões!

E os guardas os fizeram, impedindo a saída de Sakaala com seu companheiro felino. O corpulento capitão se aproximou com cautela de Sakaala e manteve uma das mãos sobre uma das várias facas que levava na cintura, tinha receio de enfrentar a criatura, mas estava bem amparado pelo número de soldados, assim como - e isso era possível perceber a medida que se aproximava da elfa - a coragem etílica.

- O que você queria aqui na minha cidade? Entrou e vai sair assim? Ainda mais depois de arriscar o meu povo com esse bicho do inferno?

Yauara não era comum naquelas regiões. Seu habitat natural era mais ao sul do continente, em florestas mais densas e molhadas. O clima frio não trazia nenhum de sua espécia e era comum ou poderia ser comum, que fosse confundido com um monstro qualquer. Como qualquer coisa que não fosse conhecida, seria monstro.

- HAHA!

O capitão soltou uma sonora risada ao ouvir o término das palavras da Sakaala. Não parecia deboche, ele realmente parecia entretido com o que ela havia acabado de falar, assim como o modo que o encarou e ficou firme diante de todas as ameaças que fez, até então. Mostrava um brio diferente de seus próprios homens, que vieram lhe responder de cabeça baixa. Talvez isso fosse importante para mostrar seriedade e talvez lembrar ao capitão que nem todos eram covardes ou lhe deviam total devoção.

- Você é corajosa!

Fez um rápido movimento com a mão e os guardas que fechavam o portão, abriram espaço. Tirando as lanças da frente e deixando o caminho completamente livre para a passagem.

- Você pode ir. Ou pode me ajudar. De qualquer forma, pode entrar e sair da cidade como preferir. Desde que sua besta não coma ninguém, heh. Se quiser ouvir como pode me ajudar, vamos até o alto da colina, onde fica minha casa.

Não esperou um retorno imediato, mas já começou a caminhar - seguindo para o local indicado.

- Certo. Eu vou arrumar alguém pra ele machucar logo, então.

A casa, apesar de ser a maior da pequena cidade - era relativamente simples. Não era um castelo, mas uma cada de madeira bem construída e aconchegante. Haviam pessoas indo e voltando por todos os lados, que provavelmente seria empregados do capitão. No resto do caminho, passou por um pequeno corredor e chegando a uma sala no final, que parecia ser um tipo de escritório do homem. Haviam alguns pássaros pequenos presos em gaiolas na parte mais iluminada, onde o sol batia. Pareciam bem cuidados, apesar de presos.

- Meu nome é Yarron, bem vinda a minha cidade.

Deu um largo sorriso antes de continuar, entendendo bem a contradição de tudo aquilo, visto que já tinha ameaçado o animal que a acompanhava um pouco antes e isso não poderia configurar muito bem um bom pedido de boas vindas.

- Vamos o que importa... Estamos em guerra. Todo o continente está em guerra. Rodovid, Emyr e todos esses bastardos estão usando o país como bem entendem e isso me mantém ocupado. Se eu estou ocupado com a guerra, não consigo cuidar de outras coisas. Imagino que não tenha dificuldades para entrar em regiões mais... étnicas.

Terminou a palavra apontando para as próprias orelhas, enquanto indicava a notoriedade de Sakaala como elfa. Tão logo seu tom mudou, perdendo um pouco do bom humor e até da energia que matinha até então, mesmo quando estava mostrando descontentamento antes.

- Preciso encontrar meu filho.