Maldição (Sakaala)

- Fique à vontade para descansar. Use o quarto no fim do corredor, é para hóspedes e não temos recebido muitos hóspedes ultimamente.

Sentou-se em uma cadeira decorada, de frente para uma mesa grande cheia de documentos e velas grossas que iluminavam esses mesmos documentos. A sala tinha um ar aconchegante e o fogo dava uma iluminação amarelo alaranjado nos cantos onde o sol não chegava. Ele então apontou para um quadro na parede, diretamente atrás de Sakaala. O quadro era grande, assim como outros que adornavam o lugar. A imagem no quadro era bem feita, era possível logo de cara reconhecer o capitão num manto vermelho e armadurado, uma olhada de pé e apoiada em seu ombro, parecendo uma idade próxima a da dele e a frente de ambos, um garoto de uns 16 ou 17 anos com olhos marcantes e cabelos escuros, era quase como olhar para o mesmo capitão um pouco mais jovem. Menos quilos, mais cabelo e sem rugas. O próprio capitão deve ter sido uma força a se temer, não que a idade tivesse arrancado isso dele, mas ver seu filho ali, dava uma idéia do soldado que foi.

- Minha esposa, já falecida. E meu filho - desaparecido no momento, ele estava na última campanha de Emyr. A última informação que eu recebi veio de um witcher. Disse que ele estava num acampamento dos esquilos por vontade própria. O que deve ser mentira, provavelmente.

Teve um sono conturbado - não conseguia formar imagens em sua cabeça para relativizar um sonho ou pesadelo, mas acordava de tempos em tempos e sempre com um incomodo familiar. O que vinha diretamente em sua mente, era o ocorrido com relaçao ao bruxo que lhe prejudicou. Ao mesmo tempo, havia uma preocupação com o filho do capitão e os motivos que podem ter levado o mesmo para morar com os scoia'tel, elfos guerrilheiros. Precisaria voltar para perto de povo para tentar descobrir algum acompamento próximo deles e com isso, perguntar a respeito do rapaz. O capitão não mencionou recompensas e mesmo Sakaala não cobrou algo assim, mas seria bom questionar - era um homem de recursos e todos tinham ambições, mesmo que não fossem monetárias.

Acordou no início do dia, o quarto estava vazio e não havia nenhum sinal de qualquer coisa de seu sonho, a não ser resquícios da dor em suas costas. Talvez fosse importante aproveitar que acordou antes do sol se mostrar no céu e tentar a procura pelos Scoia'tel. Se realmente o filho do capitão estivesse com eles, não teria muito tempo de vida. Humanos geralmnente eram enviados para as missões mais perigosas e não tinham a vida tomada com muito apreço - claro, qualquer novo soldado lhes seria útil - mas preferiam muito mais que esses soldados fossem elfos, ao invés de humanos. Além disso, se soubessem quem o garoto era de fato, poderiam usá-lo de outras formas e colocar a vida dele em risco.

Sakaala tinha sua missão, sabia de algumas regiões onde os Scoia'tel viviam e sendo um membro da raça - conseguiria entrar facilmente no local, talvez não fosse bem recebida - mas a entrada seria fácil. Não haviam mais cidades élficas, Dol Blathanna era a última e ficava bem longe dali, também seria bastante improvável que o filho do capitão tivesse viajado para tão longe ou que seu raptor o tivesse levado para tão longe. Os arredores da pequena cidade do Barão eram bem cuidados e o caminho até o acampamento Scoia'tel foi bastante tranquilo.

Sakaala sabia onde estava. Entrando no acampamento conseguia ver a diferença da floresta - mais densa, mais cuidada e com mais animais. Mesmo sendo guerreiros e guerrilheiros, ainda eram elfos e tinham uma conexão natural e muito forte com a natureza de forma geral. Não demorou muito acampamento a dentro para que fosse recepcionada.

- Aen Sheide... O que faz aqui?

Um elfo com a pele mais queimada de sol, cabelos presos numa bandana vermelha com um arco armado, mas não apontado para Sakaala surgiu do meio da vegetação.

- Garoto?

O elfo baixou o arco e vagarosamente foi soltando a tensão da flecha. Ele deu um sorriso fraco, parecia entender o que ela estava buscando - era claro que soldados não mandariam mais soldados dentro do acampamento dos Scoia'tel. Soldados não conseguiriam nada mais além de morte, já haviam tentando antes, mas as florestas eram territórios de difícil acesso e permanência para humanos em comparação com quem nasceu e se moldou nesse ambiente. Os Aen Seidhe, apesar de aceitarem outras raças sob suas asas nas linhas dos Scoia'tel, não tinham muito apreço por estes, em parte por conta de uma dívida histórica onde já haviam sofrido muito nas mãos dos humanos.

- Você diz o sangue poluído, filho da capitão?

Levou o arco às costas, prendendo-o e colocando a flecha que não usou dentro da aljava. Recostou-se na árvore, não dando qualquer indicação de poderia continuar - mas pelo menos era mais amigável do que os guardas na cidade de onde veio, ali não mostrou mais ameaça - nem para Sakaala e nem para Yuará.

- Ele veio por vontade própria. Quer ajudar a causa. E você, não se sente mal de ajudar esses racistas? Aposto que não teve a melhor das recepções, mas quer fazer parte do mundo deles mesmo assim.

- Você ficou tempo longe de tudo.

Disse com desdém. Não acreditava que um elfo não soubesse do modo como os humanos e até mesmo outras raças os tratavam. Sakaala já tinha ouvido falar a respeito - muitos elfos simplesmente foram queimados vivos por reais cruéis. Tinham uma classificação às vezes até mesmo menor do que magos e feiticeiras. Causavam medo e repulsa nos humanos. Eram poucos os que conseguiam ignorar o fato racial e aceitá-los no meio da sociedade. Talvez por ter vivido mais afastada, Sakaala não fora tão afetada por isso - mas era claro, acontecia - como viu na cidade e tinha uma resposta, como viu o ódio do Scoia'tel com relação ao mundo humano.

- Como eu te disse, o garoto - mesmo sendo do sangue ruim, escolheu seu destino ao lado dos Scoia'tel.

A estadia de Sakaala no acampamento Scoia'tel foi breve. Não conseguiu o que queria, não iria encontrar o filho do capitão ali - por mais que insistisse, os guerrilheiros da floresta já tinha traçado o seu destino e como havia utilidade para o jovem a fim de aumentar suas fileiras, era um caso perdido. Diante da proximidade com os elfos, ficou mais uns dias no local - Yuará também era bem aceito com aquele povo, apesar de ser um animal estranho para o tipo de fauna que estavam acostumados. Tão logo, corvos começavam a chegar no acampamento e traziam mensagens de outros grupos Scoia'tel - falavam sobre uma ameaça de morte, de mortos que caminhavam como se vivos estivessem. Havia um esforço velado para que vários povos se unissem na fortaleza de Havekar e enfrentassem o inimigo ali, seriam liderados pelo Lord Corbray, um Witcher da Escola do Grifo - o mais antigo dos Witchers. Tinha experiência com combate e parecia conhecer bem a ameaça.

O acampamento todo se mobilizou e preparou-se para a partida ao norte do continente, indo diretamente para Havekar - Sakaala foi convidada a se unir. Durante todo o caminho era possível ver outros grupos, soldados, mercenários, até mesmo solitários Witchers caminhavam na mesma direção. Todo o caminho foi relativamente tranquilo, haviam pequenas rusgas que eram resolvidas, mas acabaram por chegar intactos e com o grupo cheio. O clima também mudou bem rápido - apesar do inverno ter tido seu fim, havia um ar gelado retornando.