Noris CordunO mestre das correntes saiu de seu esconderijo quando o padre deixou o corredor. Ao passar pela passagem para a Nave, ele retoma um ar natural que não espanta os outros frequentadores da igreja. Ele então se senta lá no fundo, esforçando-se ao máximo para ouvir a conversa e pode ver quando o padre abraça a moça e se despede. No momento em que o padre passa ao seu lado ele estica o braço e alcança o ombro do padre.
Noris escreveu:-Caro amigo, se lembra de mim?
O padre reconheceu a voz. Olhou um lado e outro e pondo um papiro dentro da túnica sentou-se ao seu lado enquanto ouvia toda uma história, quase sem pausa. Quando o jovem começa a falar de seu sonho o padre arregala os olhos, mas não diz mais nada. No fim, quando ele ameaça mostrar algo em suas vestes o padre o pára.
- Aqui não, meu jovem. Vamos a um lugar mais reservado. Havia uma espécie de "casa" construída de madeira nos fundos da Nave à esquerda. Ali, as pessoas entravam quando queriam uma direção espiritual. Geralmente, as fofoqueiras marcavam horário e falavam de tudo ali dentro. O padre Francisco ficou famoso por expulsar uma Dona de nome Dorotéia que não parava de falar da vida dos outros. Quando esta se recusou o padre jogara água nela até que ela foi embora.
Noris entra lá com o padre e abre logo a blusa. Os olhos do padre se estreitaram e ele passou a mão por cima da cicatriz. Era um relevo no lado esquerdo do quadril. Estava quente, mas parecia menor do que hoje mais cedo. O padre coloca o ouvido por um tempo e depois cheira. Três fungadas profundas e Noris enrubesce. Não era de seu feitio, mas todo o esforço que fizera para ocultar seu passatempo noturno caíra quando o padre sentiu o cheiro do sexo...
Depois de algum tempo o padre se levanta e fala devagar.
- Francamente eu não sei o que é isso. Se me permite irei estudar e procurar com a graça de Tehlu, a fonte desta coisa. Diga-me: Você me permite estudar por hoje? Amanhã depois da celebração devo ter respostas...Artemisia GentilieschiA jovem maga sai da igreja em direção à venda de Rutinha. Lá, já havia uma cesta preparada com várias ervas, frutas e hortaliças. Quatro gusas pagaram uma cesta bem cheia e Artemisia deu uma pelo bom trabalho da mocinha. Ela então pede ao pai da moça que lhe deixe levá-la e o homem resistente não permite. Dizia que hoje chegou muita mercadoria e que ela não podia deixá-lo. Precisava dela. No máximo permitiria que ela ajudasse a levar as compras.
A moça então se juntou a Rutinha por todo o caminho até a torre do velho Amadeu. No caminho conversavam muito e a menina, curiosa, perguntara como que aquela torre fora erguida. Ninguém da cidade a havia levantado e sua avó conta que um dia aquele lugar estava vazio e no outro a torre estava lá. As duas riram muito quando a jovem maga falara que a torre havia crescido de um feijão mágico...
As duas se despedem no portão e depois Artemisia caminha solitária com as compras até a entrada da torre. Era uma torre de quatro pisos. No primeiro havia uma espécie de celeiro com um cavalo, duas vacas, uma cabra e muitas galinhas. O segundo era o aposento de Artemisia e contava com uma cozinha com uma boa mesa. Quando a jovem queria dormir, tinha que empurrar a mesa e se deitar num saco de dormir. Era um andar complicado, pois se esquecesse a portinhola aberta acordava com todas as galinhas sobre si. Cheia de excrementos e bicada. Já havia acontecido algumas vezes... No terceiro piso ficava a sala onde Amadeu fazia tudo quanto era coisa de magia. Seus tomos estavam ali e o Grimório onde Artemisia estudava também estava ali. A moça desconfiava que aquele não era o grimório particular do velho. A jovem nada sabia sobre o último piso, já que nunca tivera permissão de ir até lá. Era onde Amadeu dormia e havia chave para entrar.
Ao subir encontrara o segundo lugar pouco diferente. Havia duas poltronas no lugar onde ficava a mesa que desaparecera. Numa estava sentado Amadeu, na outra estava sentada uma mulher negra com os cabelos duros armados, também negros, mas salpicados de branco aqui e ali. Seus olhos eram negros e suas bochechas cheias. Seus lábios eram bastante grossos, mais do que ela podia suportar. O corpo era jovem e ela fumava um cachimbo, assim como Amadeu. Estava envolta numa túnica verde-musgo. À frente deles havia uma das cadeiras da mesa.
- Senta aí, garota. Vamos conversar. Onde foi que você conseguiu isso?Nahir e Adso de MelkÀ entrada de uma nova pessoa na conversa fez com que Nahir se acalmasse um pouco mais. O feiticeiro se esforçava, mas era nítido demais. Sonhara com este homem esta noite. Era uma coincidência enorme. Neste dia, nesta hora, numa biblioteca que nem queria visitar, encontrara uma história interessantíssima sobre Dragões, reveladora até. Até a presente data, Nahir nunca ouvira falar de que os Dragões tivessem a faculdade da fala. Em seus estudos encontrara que os Dragões tinham um apetite voraz e um estômago capaz. Suas mandíbulas tinham a força para destroçar prédios, mas a faculdade da fala era um nível totalmente diferente. A fala envolvia diversos órgãos que não tinham como função principal este aspecto.
Os pulmões que para os seres humanos a função primária era o sistema respiratório, como funcionariam para os Dragões? Afinal estas criaturas também cuspiam fogo pelo que se diz. Logo seus pulmões teriam tripla função? Isso faria das criaturas muito mais evoluídas que a espécie humana. A boca, a língua, a laringe e a glote. Todas tinham funções diferentes e para os Dragões muito mais. Como isto se dava nestas fascinantes criaturas? Todas essas perguntas pululavam na mente do homem das cicatrizes, mas quando aquele sacerdote adentrou o recinto a coincidência, e Nahir não acreditava nisto, era tremenda. As cenas assaltam a mente do jovem de forma violenta.
Demônios, rituais, morte, horror, suicídio. Nahir dedicava sua vida a busca de sua identidade e de suas habilidades, mas ali estava algo maior.
Se este homem é real, as criaturas também podem ser reais. Se este homem é real, eu posso ter cometido suicídio. Se este homem é real, aquele cavaleiro que sussurrou algo para mim também é. O que ele me disse? Se este homem é real, estou perdendo tempo. Preciso conseguir novas respostas! Pensava o jovem, frente aos acontecimentos recentes. Sua mente vibrava com as possibilidades.
Como parara naquele local? Era o mundo dos encantados? Como saíra? Como revivera? Como acordara de volta na casa onde se hospeda? Como conseguira estas cicatrizes, se aquilo não era real? O senhor das perguntas perde controle. Estende a mão após a última frase do padre em sinal de calma. Respira muito fundo e decide. Depois voltará a este rolo!
Adso lembrara da chance perdida com a garota. Era padre e, socialmente, poderia gerar confusão ao se aproximar de uma moça desconhecida com suas intenções. Com Nahir não. Ele tinha a chance perfeita, visto que o homem causava um pequeno incômodo na biblioteca. Sentira que o homem era duro. Não estava afim de fazer amizade, mas a missão que sentia era maior. Assim ele tenta de todas as formas se aproximar do homem. Sabia que a biblioteca não tinha muitos tomos. Era já um milagre que tivesse aqueles. Os seminários guardavam todos a literatura criada por santos homens que vieram antes deles e escreveram sobre revelações, a encarnação, moral, doutrina social e de fé. Mas escritos sobre Dragões pertenciam a outro ramo de literatura, se é que assim se pode chamar.
Os Dragões que Adso conhece, são formas as quais alguns santos homens designam os demônios. Através do tempo a própria palavra demônio tornou-se desgastada e muitas outras foram empregadas em seu lugar. A população num modo geral, chamava-os de encantados. Alguns clérigos os chamavam diabos, outros de inomináveis. Não era difícil ouvir histórias nas noites em volta das fogueiras sobre elfos e fadas, anões malvados e gnomos ladrões. Alguns tinham nome, outros não. Os Dragões eram normalmente associados a espíritos demoníacos que possuíam pessoas que detinham muito poder e que por algum período histórico perseguiram a igreja. Havia um rumor atual sobre um Dragão associado a uma perigosa seita demoníaca. Mas Adso não tinha vocação para estas empreitadas... Até agora!
Enfim, Adso acha que o que Nahir procura é infantil. Dragões são apenas nomes! Mas falar isto para um homem fechado e já chateado não era uma boa forma de fazer amigos. Ele decide que poderia contar as histórias que conhecia para amaciar o possível amigo e talvez entrar no assunto que interessa. Uma coisa chamou a atenção do Peregrino de Ilian: "urgentemente". Este homem tem mais a dizer do que realmente está falando...