Ao terminar sua exposição, Adso ficou refletindo sobre aquele homem e sua busca. Na Revelação, ele havia evocado o fogo, isso se lembrava com muita clareza. Muito do sonho revelador e da própria busca do homem eram demais para o nível de erudição do padre, criado na simplicidade de um monastério. Ao fim, por mais que o Peregrino se divertisse com essas histórias de seres encantados, em sua visão de servo de Deus essas histórias não eram mais do que algo que se contava para se divertir em volta de uma fogueira.
Havia algo estranho em Nahir, e Adso, acreditando que era o momento de tocar no assunto, falou, buscando manter a calma e a serenidade de seu rosto;
- Filho, há mais um motivo em eu estar sentado aqui para conversar contigo - o padre olha para os lados e começa então a sussurrar - Sou um devoto fiel a Tehlu, mas minha fé já foi muito abalada por todas as injustiças e erros que vi dentro da Igreja. Isso foi até essa noite, em que tive a Revelação em um sonho...
Adso aguardou a reação de Nahir a essa palavras. Sabia que soava com um santo homem, o que para alguém como Nahir poderia ser igual a um 'homem louco", por pior que fosse tal blasfêmia. Independente dela, continuou:
- Foi um estranho sonho, tão estranho que só pode ser uma Revelação de Tehlu a esse humilde servo. Vi-me em uma sala escura, cercado por demônios. Outras pessoas estavam lá comigo e lutaram, enquanto minha fé falhava e tudo o que eu podia fazer era correr...
O padre suspirou e tentou falar sem embargar a voz, pois seus olhos já começavam a lacrimejar:
- Você, Nahir, estava lá. Veja bem, tenho certeza que nunca lhe vi antes desse sonho. Também tenho certeza que era você. Sua lança atravessou com força as criaturas, de seus dedos saíram labaredas de chama... No final, os demônios eram muitos e nos subjugaram. Cada um de nós recebeu um castigo terrível... Oh, pelo corpo enegrecido de Deus, foi horrível!
Nesse momento, o padre começou a chorar:
- Cada um foi violentamente morto de um jeito... Você e uma bela moça foram despidos e os monstros lhes encheram de estranhas inscrições nos seus ventres... Você deu fim a sua própria vida, e os monstros partiram seu corpo ao meio...
Quando Adso havia escrito aquelas imagens oníricas, não havia ficado aturdido, nem mesmo depois, enquanto estudava detalhadamente cada passagem. Agora, ele se permitia expressar toda a sensação de horror que sentiu no final da Revelação, antes de do cavaleiro de armadura reluzente e brilhante aparecer.
Enxugando as lagrimas com as mangas de sua veste, o padre se acalmou e continuou:
- Tudo estava perdido... Então o cavaleiro de armadura azul brilhante adentrou naquele cenário de maldade e desesperança. Destruiy todos os demônios e restituiu você e os outros a vida, e em cada em de vocês ele executou o batismo do martelo. No meu ouvido, esse maravilhoso ser, que não poderia ser outra coisa além de uma personificação de Tehlu, disse as palavras que não param de ecoar na minha cabeça: "Levanta, toma esses que te confiei e tenta de novo! O inferno está cheio de almas que precisam de auxílio e não será a tua incredulidade que os salvará. Escuta bem, pois teu martelo é o meu! Eles voltarão e tu os libertarás. Virão tempos difíceis, filho".
Ao terminar de falar, Adso puxa de uma das mangas de suas vestes sacerdotais os pergaminhos onde escreveu a revelação:
- Acordei hoje de manhã escrevi tudo o que eu lembrava e que a minha baixa educação permitia escrever. Nahir, não sou um erudito nem um contador de histórias, não tenho o estudo de um folclorista como você. Fui treinado para acalmar e proteger as pessoas comuns com os dons a mim concedidos por Deus e sei manejar com destreza meu martelo de combate contra a injustiça e a vileza. Ainda assim, eis aí o que eu chamo de "A REVELAÇÃO".
Terminando de falar, Adso espera as reações de Nahir frente a tudo o que disse.