Briana Rowan
Sor Jax ainda era formalmente o escudo juramentado de Briana, mas sua função era revezada com a de outros cavaleiros desde a viagem a Porto Real e as escapadelas da caçula do lorde Rowan. No entanto, pouco a pouco, Sor Jax vinha recuperando seu prestígio em Bosquedouro, à medida que Briana se mostrava bem mais comportada e digna.
Os treinos matinais de arquearia com Liliana Osgrey testavam os limites de Briana.
Nas clareiras douradas pela alvorada, o som rítmico do vento cortando as folhas era interrompido apenas pelo impacto das flechas contra os alvos. Liliana, com a postura confiante de quem conhecia cada detalhe de seu ofício, segurava o arco com uma destreza natural. Seus olhos brilhavam com entusiasmo enquanto ajustava a posição de Briana.
— Relaxe os ombros, Briana. — Liliana colocou uma mão firme sobre a omoplata da jovem, pressionando levemente para baixo.
— Tensão demais no corpo vai te fazer errar o alvo antes mesmo de disparar.Briana respirava fundo, tentando conter a frustração. Segurar o arco parecia fácil, mas manter a postura correta enquanto mirava era um desafio completamente diferente.
Liliana inclinou a cabeça para o lado, analisando-a como faria com um dos cavalos que adestrava.
— Melhor. Agora, alinhe a flecha com o alvo. Não mire com os olhos, mas com a mente.Briana tentava seguir os conselhos. A ponta da flecha tremia ligeiramente, reflexo da fadiga em seus braços não acostumados ao esforço. Ela soltava a corda. A flecha voava, mas errava o alvo, cravando-se no solo.
— De novo — dizia Liliana sem hesitar, um sorriso encorajador surgindo em seu rosto.
Ao longo das manhãs, Briana disparava flecha após flecha. Algumas raspavam o alvo, outras se perdiam no mato ao redor, mas a cada tentativa, seus movimentos tornavam-se mais precisos. Liliana estava ao seu lado o tempo todo, corrigindo ângulos, ajustando a postura e oferecendo palavras de encorajamento.
— A arqueirista que você será amanhã depende do que você faz hoje. Liliana deu um passo atrás, cruzando os braços enquanto observava Briana com olhos avaliativos.
Finalmente, em um dos últimos disparos de uma manhã, a flecha de Briana acertou o centro do alvo. Não era perfeito, mas era suficiente para arrancar um sorriso genuíno de satisfação.
— Eu sabia que você conseguiria. Liliana riu, dando-lhe um leve tapa nas costas.
— Você tem determinação, Briana. Isso conta mais do que talento inato.Quando terminavam, sentavam-se juntas sob a sombra de uma árvore próxima, compartilhando pedaços de pão e frutas que Liliana havia trazido em uma pequena cesta. As duas permaneciam ali, trocando histórias e risadas, até que o sol começava a subir alto no céu, sinalizando que era hora de Briana retornar às suas outras atividades. Mas agora, com os braços ligeiramente doloridos e o coração leve, ela sentia que havia dado mais um passo na direção de moldar quem desejava ser.
As manhãs de Bosquedouro eram perfumadas pelo frescor da terra úmida, e o céu, azul como uma safira, parecia estender-se infinitamente acima dos campos verdejantes. Briana adorava essas cavalgadas matinais com Anya e Moira. Ceres, sua égua de pelo castanho dourado, era ágil e obediente, como se compreendesse o espírito inquieto de sua dona. Anya aproveitava essas ocasiões para fugir dos inúmeros pretendentes que lhe chegavam aos montes, enquanto Moira conseguia relaxar um pouco e não se preocupar mais tanto com seu próprio destino
Os cascos batiam ritmicamente contra o solo, um som que preenchia o silêncio com energia e vida. Anya cavalgava à frente, sempre ousada, enquanto Moira mantinha um ritmo mais cauteloso.
— Você vai acabar quebrando o pescoço, Anya, se continuar assim! — gritou Moira, embora houvesse um toque de diversão em sua voz.
— Prefiro isso a morrer de tédio! — respondeu Anya com um sorriso atrevido, incentivando sua montaria a galopar mais rápido.
Briana mantinha seu foco em Ceres. Havia algo especial naquele dia, uma conexão quase inexplicável. Enquanto cavalgavam, Briana sentia como se cada movimento da égua fosse uma extensão de seu próprio corpo, como se os dois fossem um único ser, fluindo juntos pelo campo.
Em um momento de tranquilidade, enquanto Anya e Moira cavalgavam um pouco à frente, Briana desacelerou Ceres. Passaram por um pequeno riacho, e o som da água corrente parecia amplificar a sensação de unidade entre elas. Briana fechou os olhos por um instante, deixando-se levar pela brisa que acariciava seu rosto.
De repente, algo mudou. Um calor percorreu seu corpo, como se a energia de Ceres estivesse se fundindo com a sua. Uma onda de exaustão a atingiu, e Briana sentiu o mundo ao seu redor escurecer.
Quando abriu os olhos, não estava mais no campo, mas sim correndo livremente, com o vento chicoteando seu rosto. Não como Briana, mas como algo mais. Algo selvagem. Sentia os músculos da égua trabalhando com força e precisão, o chão sob seus cascos como uma extensão natural de si mesma.
— Briana! — A voz distante de Moira a chamou de volta.
Briana despertou com um sobressalto, percebendo que estava pendurada na sela, sustentada apenas pelos arreios. Suas mãos estavam frouxas, e ela sentia o corpo fraco, como se tivesse acabado de acordar de um sonho intenso e exaustivo.
Moira foi a primeira a alcançá-la, puxando as rédeas de Ceres para pará-la.
— Briana, o que houve? Você está pálida!Anya logo apareceu ao lado delas, seu rosto normalmente cheio de travessura agora carregado de preocupação.
— Está tudo bem? Você parecia... desconectada.As duas ajudaram Briana a desmontar e sentaram-na na grama à sombra de uma árvore próxima. Enquanto Anya foi buscar água no riacho, Moira permaneceu ao lado dela, segurando sua mão com firmeza.
— Talvez você esteja se esforçando demais, Briana. A voz de Moira era suave, mas preocupada.
Briana apenas balançava a cabeça, tentando entender o que havia acontecido. Por mais assustador que fosse, algo dentro dela dizia que aquele momento, aquela conexão com Ceres, era importante. Uma descoberta de algo que ela ainda não compreendia totalmente, mas que sentia ser parte de quem estava destinada a se tornar.
Os estudos com Lady Lana Webber eram um equilíbrio delicado entre disciplina e inspiração. A sala de aula, iluminada pelo brilho suave das velas e perfumada pelo aroma dos pergaminhos antigos, tornava-se um santuário de aprendizado. Lana era metódica, quase implacável em sua busca pela perfeição.
— Postura, Briana. Sempre postura — dizia ela enquanto ajustava os ombros da aluna, com um olhar firme mas sem malícia.
As noites começavam com um breve recital: Briana cantava para refinar sua entonação ou dançava sob os olhos críticos de Lana, que apontava cada erro sutil como se esculpisse uma obra de arte. Após o exercício físico, vinham as aulas teóricas.
— Leia sobre Nymeria novamente — ordenava Lana, apontando para o volume aberto. —
Veja como ela moldou o destino de Dorne. Não foi pela força física, mas pela visão e pela determinação.Ouvindo atentamente, Briana mergulhava nos registros históricos, absorvendo cada detalhe. Para Lana, aprender sobre mulheres que desafiaram as normas era essencial, uma lição em força e propósito.
No final da noite, os estudos se tornavam mais introspectivos. Pinturas eram usadas para expressar sentimentos, e Lana incentivava Briana a refletir sobre como as cores poderiam contar histórias tão profundas quanto palavras.
Apesar da rigidez de Lana, Briana sentia algo a mais em suas aulas: um fio de liberdade. Lana não moldava Briana para ser uma dama perfeita, mas uma mulher que conhecesse sua própria força, capaz de deixar sua marca no mundo.
— Você pode me ensinar isso? — pedia, apontando para um trecho complicado ou para um conceito que ele mencionara casualmente. — Pode me ensinar sobre história? Talvez até heráldica — sugeri, sorrindo suavemente enquanto ele saboreava um cálice de licor preparado por nossa mãe. — Um dia, pode ser útil.
Thomas Rowan era o tipo de irmão que carregava o peso do mundo nos ombros, mas ainda assim, encontrava tempo para gestos pequenos, porém significativos. Seus dias eram preenchidos com responsabilidades inescapáveis: ele treinava com os melhores mestres de armas, ouvia longas lições sobre política com o pai, Lorde Mathis, e mergulhava na correspondência formal, incluindo as delicadas cartas de sua pretendente. Mesmo assim, nunca negava um pedido de Briana.
Na biblioteca, onde o cheiro de madeira encerada e pergaminhos antigos criava uma atmosfera de seriedade, Thomas parecia encontrar um raro momento de paz. Ele organizava os livros meticulosamente, um traço que herdara de sua mãe, mas a voz de Briana sempre cortava o silêncio com um tom que ele simplesmente não conseguia ignorar.
— Você quer aprender sobre os Targaryen hoje? — perguntou ele, colocando de lado um livro sobre estratégia militar.
Thomas sorria, um sorriso pequeno e quase cansado, mas genuíno. Ele se sentava ao lado dela, puxando um volume pesado e abrindo-o com cuidado.
— As rainhas Targaryen não eram simbólicas, pelo menos não todas. Rhaenyra Targaryen, por exemplo. Apesar do que dizem, ela lutou pelo que acreditava ser dela por direito. Talvez não tenha vencido, mas não foi um fantasma na história.Enquanto explicava, Thomas apontava os detalhes nos brasões e os nomes marcantes que moldaram o destino de Westeros. Ele era paciente, traduzindo termos complicados e relacionando eventos históricos com as histórias que Briana já conhecia, transformando conhecimento em algo vivo e fascinante.
Mesmo quando os minutos fugiam e ele sabia que estava atrasado para seu próximo compromisso, nunca deixava Briana sem uma resposta ou um ponto para refletir.
—A heráldica é em grande parte um exercício de memorização. Você fará bem decorar os brasões das grandes casas de Westeros e os das casas da Campina, especialmente as mais próximas de nós. Também é importante saber as regras para se criar um brasão, já que qualquer cavaleiro andante pode criar o seu próprio. A maneira mais fácil de diferenciar um escudo de outro é pela cor, embora haja regras específicas sobre a forma como as cores podem ser usadas. As “cores” em heráldica são chamadas de esmaltes. Há três tipos amplos de esmaltes usados em heráldica: cores, metais e peles. Ao criar seu brasão, basta lembrar de duas regras: você nunca pode colocar uma cor sobre outra cor ou um metal sobre outro metal. Assim, você não pode ter um campo verde com uma barra vermelha, ou um campo prateado com uma barra dourada. Contudo, você poderia ter um campo verde com uma barra dourada, ou um campo prateado com uma barra vermelha. Os Lannister usam vermelho e dourado, os Dondarion usam púrpura e branco (prateado) e os Ashford usam branco (prateado) sobre laranja. Há exceções, mas são raras. A razão desta restrição é simples: esmaltes indistintos confundem a visão no campo de batalha. Cores incluem tudo, do preto ao vermelho. A escolha do esmalte é significativa porque geralmente representaalgo sobre a casa. Em geral, apenas dois metais são usados. As figuras podem incorporar outras cores metálicas, como estanho, bronze, ferro, etc. Por fim, peles são padrões que podem ser incorporados no escudo. Peles ignoram as regras de metais sobre metais e cores sobre cores, e podem ser usadas com qualquer cor ou metal. A presença de peles em um símbolo heráldico significa dignidade. Em geral, peles são usadas apenas por casas que se destacaram de alguma forma.Thomas abria tomos valiosos por serem ilustrados com listas de brasões, apontando para Briana os exemplos do que dizia.
—O fundo, ou campo, pode ser sólido ou dividido. Se você estiver usando um campo sólido, pode atribuir sua cor, metal ou pele a ele e partir para a figura. Escudos divididos ou particionados podem incorporar quaisquer esmaltes que você sorteou ou escolheu, ou podem introduzir novos esmaltes ao escudo. Você pode ter duas cores ou dois metais lado a lado no campo. A restrição se aplica apenas à figura.—Uma figura é o principal símbolo de um brasão. Formas geométricas, padrões, linhas e coisas do gênero são chamadas de peças. Dentro de cada peça existem variações, chamadas de peças de segunda ordem. Além das peças de primeira e segunda ordens, as figuras também podem ser objetos, animais, plantas, pessoas ou partes do corpo humano. Algumas casas incorporam várias figuras. Contudo, por simplicidade, restringe-se a uma figura, ou um pequeno número de figuras iguais.O assunto da heráldica era amplo e vasto, e Thomas explicava cada conceito com exemplos das casas, misturando as histórias delas com seus brasões, tornando o assunto um pouco menos complexo e cada vez mais fascinante
— O mundo nem sempre vai ser gentil com você, Briana — ele dizia, fechando o livro com um gesto cuidadoso. —
Mas se você conhecer sua história, vai entender que há força em saber quem você é e de onde veio.E assim, mesmo sobrecarregado, Thomas se tornava mais do que um irmão; ele era um mentor silencioso, oferecendo a Briana não só conhecimento, mas também a confiança de que ela poderia moldar seu próprio destino.
O sol da manhã iluminava os campos ao redor de Bosquedouro quando Briana, acompanhada por Moira e Anya, deixou os portões do castelo a cavalo. Ceres, sua égua, parecia compartilhar de sua energia, trotando com elegância enquanto Moira e Anya, cada uma em suas montarias, a seguiam em ritmo semelhante. A visita à vila era mais do que uma simples jornada; era um gesto de conexão, um esforço para entender aqueles que sustentavam as terras dos Rowan.
A vila de Bosquedouro ficava logo atrás do castelo e era envolvida pelos bosques circundantes. Havia uma pequena estrada que contornava o castelo e permitia aos aldeões irem ao porto ou chegarem à estrada sem precisar passar por dentro do castelo. As plantações dos plebeus faziam limites diretamente com os pomares e bosques dourados.
Chegando à praça central, onde os plebeus já haviam começado suas tarefas diárias, Briana desmontou com graça. Vestia um traje simples, mas refinado, que a identificava como nobre, mas não inatingível. Moira, sempre prática, fez questão de ajudar a organizar os aldeões, enquanto Anya, com seu ar confiante, mantinha a multidão curiosa à vontade.
Briana começou ouvindo os comerciantes. Uma mulher com mãos calejadas e um sorriso tímido mostrou suas cerâmicas, explicando que o barro das colinas próximas dava resistência e beleza às peças, mas que os impostos sobre o comércio dificultavam o transporte para outras vilas.
Com os agricultores, Briana aprendeu sobre as dificuldades da última colheita. Homens e mulheres explicaram que as chuvas haviam sido escassas e que os estoques estavam no limite. Ela ouviu atentamente, fazendo perguntas sobre as sementes e os métodos de plantio, enquanto Darla, que havia se juntado ao grupo, fazia anotações detalhadas.
Mais tarde, na companhia de Moira e Anya, ela foi até a oficina de um sapateiro. Ele mostrou seus trabalhos, pedindo que os lordes da casa considerassem usar botas feitas em Bosquedouro, ao invés de importar de outras regiões.
Quando o sol começou a baixar, Briana e suas damas de companhia foram convidadas a assistir uma pequena apresentação de dança organizada pelas crianças da vila. Sentada em um banco de madeira, com Moira e Anya ao lado, ela se viu rindo com as travessuras e improvisações dos pequenos, sentindo-se, pela primeira vez em muito tempo, verdadeiramente conectada à terra e às pessoas.
Ao retornar ao castelo, Briana carregava mais do que promessas e ideias. Ela levava histórias e rostos, a certeza de que sua presença poderia fazer a diferença.