por Mandhros Ter Abr 18, 2023 3:40 pm
Touché!
O pequeno desafio de monomacia visual havia sido quase interessante, mas o resultado era óbvio e previsível. Naquele pequeno jogo, Alícia não passava de uma criança tentando encarar um monstro. Ela tentou, é verdade, mas havia perdido antes mesmo de começar.
Então era isso que os lambedores da Camarilla tanto apreciavam, afinal? Misturar-se às presas, fingir ser uma delas, e emular uma situação de vida para tentar preencher o vazio da morte-viva?
Ah, pura balela.
Em que pese minhas ações, naquele momento, em nada refletissem o que eu efetivamente era, eu tinha a perfeita dimensão de quem era a ferramenta e quem era o operário, e jamais nutriria a ilusão de querer me tornar, eu mesmo, uma ferramenta. Desperdiçar a não vida escondido e preso entre os mortais enquanto prêmios maiores vagavam por aí não era uma escolha que eu estivesse disposto a fazer.
Quase sinto o cheiro de sangue e cinzas, tão típico de um cerco. Uma brincadeira malévola da minha mente me alertando de que havia mais a ser feito.
Mas então, um certo perfume floral, esse sem dúvida real, não fruto da minha própria imaginação, enche minhas narinas.
Com o rosto mais próximo e olhos estreitos, Alícia aguarda - ou quem sabe anseia[i] - pela conclusão daquele ato. Eu sinto o calor de seu corpo, mais próximo... Sua respiração, levemente ofegante, e o coração batendo em um ritmo mais acelerado que o habitual. Havia adrenalina naquele corpo vivo, e isso era excelente.
Com um movimento ágil e fluido, desenlaço o braço ao qual a presa se agarrava, passando suavemente a mão pelas costas da mulher enquanto me viro perfeitamente de frente para ela. O término daquele flerte viria com uma leve pressão contra as costas da moça, trazendo o corpo dela contra o meu, com um dos braços, enquanto a outra mão pousava, na cintura de Alicia, segurando-a com firmeza, mas sem exagero.
E, então, eu a beijo. Não era um beijo que um mortal daria, ou que um homem com a idade que aparento ter soubesse dar. Era um ato significativo, assinado, único. Todo o gestual e linguagem corporal eram deliberados no sentido de fazê-la imaginar-se presa, dominada, mas com uma sutil chance de escapar. Ela poderia, naquele momento, ceder por completo àquela segunda parte do desafio de vontades, entregando-se de boa vontade, ou usar o ímpeto selvagem da alma humana para resistir - talvez não se afastando, mas tentando assumir o controle do ato.
Dependendo de como ela reagisse, quem sabe o Abismo oferecesse [i]alternativas de danação? Terminar como uma refeição, ou uma serva, ou enterrada não-viva... Quem sabe eu decidisse destruir a vida dela toda pelos próximos meses ou anos, apenas para verificar se ela era digna do Dom das Sombras? Aquele, sem dúvida, era o primeiro passo de Alícia em direção ao nada.
Deixo que o beijo dure o quanto tiver que durar, nem mais, nem menos. Assumo inicialmente uma postura mais dominante, mas sem imposição absoluta. Queria analisar a postura da mortal, como se estivesse lendo um livro sentado na lanchonete da qual a tirei.
Sob outro ponto de vista, do meu real interesse naquele lugar e naquele ato, o palco estava armado, e os atores posicionados. O espetáculo estava prestes a começar.