HERMES
Hermes chegou tarde em casa, mas Celeste ainda estava acordada. Como de costume, ela lidava com os assuntos do grupo empresarial, mas assim que ele entrou, colocou tudo de lado para que pudessem aproveitar o tempo juntos, conforme a rotina do casal.
Na manhã seguinte, Hermes a encontrou na cozinha, mexendo calmamente uma xícara de café. Ela escutou atentamente enquanto ele expunha suas ideias sobre o projeto de transformar a Serra do Japi em uma área indígena. Quando ele terminou, seus olhos se encontraram.
Celeste
| Entendo. Mas você acredita que a proteção ambiental será suficiente para manter o caern sob controle dos Uktena? - Ela falou com tranquilidade, como quem debate uma ideia - Não são muitos por lá, certo? E, por mais que estejamos aqui, não podemos nos afastar indefinidamente dos negócios e da cidade. Eu, pelo menos, não posso, nem quero. Quando partirmos, se o caern não estiver devidamente protegido, creio que os feras locais não hesitarão. Fraquezas nunca passam despercebidas. |
Ela fez uma pausa, tocando levemente a xícara com os dedos.
Celeste
| Sei que suas intenções são boas, mas acredito que precisamos estar um passo à frente. |
Celeste se levantou e começou a caminhar pela cozinha. Depois voltou a se sentar, deixando uma xícara de café para Hermes.
Celeste
| O que você propõe pode parecer o melhor caminho, mas não acredito que seja duradouro. O problema não é apenas a preservação do ecossistema, mas quem controla e como o faz. |
Ela se aproximou, com os olhos suaves, mas firmes.
Celeste
| Nós, Andarilhos, sabemos o que é necessário para garantir a segurança do local. Temos visão, estratégia, mídia e, principalmente, recursos. |
O silêncio se instalou entre eles, mas não havia tensão, apenas a delicadeza do assunto. Então ela continuou.
Celeste
| Se o projeto de lei for aprovado, abrimos a oportunidade de agir de maneira mais eficaz para proteger o caern. Podemos criar um grupo empresarial focado na infraestrutura da região, que não apenas desenvolveria a área, mas também participaria das licitações para fiscalizar a Serra. |
Seus olhos estavam fixos nos de Hermes, aguardando que ele percebesse o que estava em jogo.
AISHA, ANAHÍ, ALETO E BRIANA
Embora Moacir “Sombra-da-Castanheira” fosse o alfa da seita, ele era conhecido por sua inacessibilidade. Respeitado e temido, mantinha uma postura reservada, até mesmo mesmo para os que tinham assuntos urgentes. Apenas os membros de sua matilha e outros anciões sabiam a localização exata da base dos "Marcados pela Resistência", e era sabido que ele preferia delegar o contato com recém chegados para outros garous de confiança.
Por isso, procurar Miraci “Pedra-Molhada” era a escolha mais sensata. A anciã Theurge, alfa da matilha "Luas de Sangue", era conhecida por sua postura maternal e ligação profunda com os espíritos da região. Além disso, sua base, localizada numa propriedade rural na divisa com Cajamar, era muito mais acessível, ao menos no sentido físico.
O percurso entre o Bangalô e a base dos "Luas de Sangue" foi mais do que uma simples caminhada e exigiu vigor do pequeno grupo. Guiados por Anahí, que conhecia os caminhos da serra como quem conhecia os próprios passos, os garou avançaram por trilhas irregulares e mata fechada. Embora o local exato da base fosse protegido por segredos e acordos espirituais, Aisha e Anahí foram orientadas pelos sussurros dos espíritos do caern, que já as reconheciam como parte da seita.
As duas theurges seguiam na frente, enquanto Aleto e Brianna mantinham a retaguarda. A posição delas era estratégica, já que os recém chegados ainda não eram conhecidos pelos garou locais. O som abafado dos passos sobre o solo úmido se mesclava ao coro incessante de cigarras, enquanto a vegetação densa formava um túnel natural. A luz do sol, filtrada pelas copas, dava a tudo um tom esverdeado. Por vezes, o caminho se abria, revelando a vastidão de serra coberta pela mata atlântica. De uma dessas elevações, o rio Juquery podia ser visto ao longe.
Quando o grupo finalmente alcançou a clareira, foram recebidos por uma visão que destoava do cenário que estavam. No centro do terreno, erguia-se um casarão, com características que remontavam à época da colonização. Uma varanda ampla se estendia ao redor da construção, sustentada por colunas robustas que haviam resistido ao tempo e à floresta.
Na entrada do casarão, a figura de Miraci "Pedra-Molhada" já os aguardava, segurando uma xícara de chá. Envolta em uma presença serena, mas imponente, ela parecia parte da paisagem. Seus olhos escuros, profundos como poços, estudaram cada um dos recém chegados com uma calma desarmante. Um leve sorriso brotou de seus lábios, e houve uma inclinação sutil de sua cabeça, indicando que ela sabia de antemão da chegada deles.
Miraci
| - Bem vindos - Sua voz era tranquila - Entrem. Vamos conversar. |