O rugido das lâminas do helicóptero era um som familiar, mas nunca reconfortante. Cortava o céu como um predador em busca de sua presa, abafando qualquer vestígio de serenidade. Sentado próximo à borda da cabine, Luis Felipe Minuzzi observava as luzes da base militar desaparecendo no horizonte, engolidas pela vastidão da floresta amazônica. O vento era cortante, mas não o incomodava. Ele estava aquecido pelo calor de algo que o acompanhava desde a infância: o medo.
Entre os dedos, girava a medalha da cruz de sangue de seu avô, o metal frio contra a pele quente. Era mais do que um hábito, era um escudo contra os pensamentos que tentavam invadi-lo. A cabine tremulava, o rádio chiava, e a voz do Tenente Fernando Pereira irrompia no silêncio mecânico.
— Major Minuzzi, última parada antes do ponto de inserção. Está pronto?
Luis Felipe não respondeu de imediato. Um sorriso breve e vazio curvou seus lábios, quase imperceptível. Preparado? Ele nunca estava. Nem para o silêncio, nem para a escuridão que o espreitava em cada sombra.
Quando o helicóptero pairou sobre uma clareira, Luis prendeu o equipamento de rapel. Com movimentos firmes e precisos, desceu pela corda até o chão coberto pela vegetação úmida. O cheiro terroso da selva o envolveu, misturado ao som incessante da vida que ali pulsava.
O sargento do grupo de reconhecimento o abordou rapidamente, estendendo um mapa amassado.
— Missão simples, Major. Investigação de anomalias na área. Nada demais.
Luis sabia que “simples” era uma palavra perigosa, especialmente ali. A selva parecia carregada de algo além do habitual. Uma vibração estranha reverberava no ar, como se cada folha, pedra e gota de orvalho carregasse um segredo antigo.
Os Jamamadi, moradores daquela região, falavam dos Omahú, os Visitantes Noturnos. Seres envoltos em luz que traziam conhecimento das estrelas. Suas histórias estavam impregnadas no lugar, como a resina luminosa que decorava suas aldeias durante a Festa das Estrelas. O Major nunca fora de acreditar em lendas, mas naquela noite algo parecia diferente.
Mauro
Paula
Enquanto a equipe avançava pela trilha iluminada por luzes montadas pela FANIS, Luis observava cada detalhe. Os passos precisos do cabo Mauro e da Sargento Paula atrás dele, os ruídos quase ritmados da floresta, e, então, a mudança. Uma trilha de pedras escuras surgia, destoando do resto da paisagem. Mais à frente, uma equipe maior trabalhava em um acampamento cercado por tecnologia que parecia fora de lugar naquele ambiente selvagem.
Luis se aproximou com cautela. No centro de um pequeno descampado, uma estrutura circular de pedra o aguardava. Era diferente de tudo que já vira, intocada pelo tempo e marcada por símbolos que brilhavam levemente sob a luz da lua. Ele avançou, o canivete girando entre os dedos em um gesto nervoso, quase hipnótico.
Os símbolos pareciam pulsar, vivos. O silêncio que se seguiu era denso, sufocante. Nenhum som de grilos, pássaros ou vento. Apenas um vazio absoluto. Luis sentiu o calafrio subindo por sua espinha, mas não recuou.
— Major? — A voz de Fernando cortou o transe como uma lâmina.Luis piscou, retomando o controle. Ele sabia que aquela missão não era apenas mais um teste físico. Havia algo naquelas pedras e na vibração do ar que falava diretamente aos seus medos mais profundos.
Quando a equipe começou a montar o acampamento, Luis se afastou, sentando-se em uma pedra próxima. Sob o céu estrelado, retirou a medalha do bolso e olhou para o nome gravado no verso: o da mãe que nunca o deixou esquecer suas raízes. Pensou em Alberto, no irmão que trazia uma paz que ele jamais conhecera. Pensou em Fernando, o único que ousava insistir que seus medos tinham um propósito.
Luis sabia que não podia evitar a escuridão para sempre. O medo sempre estivera ali, como um guia persistente, e talvez fosse isso que ele precisava aceitar. O desconhecido na clareira não era apenas um enigma a ser resolvido. Era um convite.
Naquele instante, ele tomou uma decisão: enfrentaria o que o aguardava, não apenas pela missão, mas por si mesmo. Afinal, o verdadeiro desafio nunca foi a selva ou os riscos das missões. O maior inimigo sempre esteve dentro dele.
De algum lugar do acampamento, os acordes suaves de "O Astronauta de Mármore" flutuavam no ar, como um sussurro nostálgico em meio à vastidão da selva. A melodia parecia tão deslocada quanto ele mesmo, mas, de alguma forma, encontrava um jeito de trazê-lo de volta à realidade. Cada palavra da música era como um lembrete de sua própria pequenez, um eco do desejo humano de transcender as limitações do "planetinha azul" que todos chamavam de lar.
Luis ergueu o olhar para o céu. Acima dele, um véu infinito de estrelas cintilava, silencioso e impassível. Era como encarar algo sagrado, inatingível, tão distante quanto as respostas que ele sempre procurava. A música, com suas notas quase etéreas, parecia se misturar ao brilho das constelações, criando um laço tênue entre o conhecido e o incompreensível.Por um instante, ele sentiu uma pontada de algo próximo à paz, um raro vislumbre de pertencimento. O peso do que estava por vir parecia menos esmagador sob aquela dança de luzes celestiais, embalado pela melodia que flutuava suave no ar.
OFF: Poste no seu tempo, explore o ambiente, aprofunde seu personagem e tenha um bom jogo!