- Spoiler:
- Conto introdutório. Não é preciso respondê-lo
PRÓLOGO
Uma Última Ceia antes de Apocalipse
Olhos, narizes e ouvidos... o visco avermelhado escorria pegajoso, mas eles não ligavam. Estavam concentrados na tarefa à qual vinham se dedicando com voracidade já fazia algum tempo: comer.
Mas paravam para respirar, variando entre lamurios – choro de fome, apesar de as bocas mal pararem de mastigar – e vociferações – berros e xingamentos por mais. Sempre mais.
Sobre a mesa do pequeno apartamento, quase nada. De pé, próxima à parede, a mãe dos dois adolescentes torcia as mãos, nervosa.
- Acabou, crianças. Vocês limparam tudo da casa – Estava consternada com a situação, mas não negaria o próprio prato a eles.
Pelo que era visível, não parecia uma família miserável, de modo que aquele não parecia o resultado da pobreza ou de um período prolongado sem alimentos. Os rapazes estavam obviamente doentes e haviam simplesmente “surtado”, devorando tudo o que conseguiam encontrar.
Foi quando um deles começou a passar mal. Muito mal.
Levando as mãos à barriga, começou a rolar pelo tapete, debatendo-se de agonia. Enquanto a senhora tentava desesperadamente ajudar, chamando por socorro, o outro continuava naquela ingestão desenfreada. E não parou nem quando, aos pés dele, o outro começou a botar para fora o que havia ingerido, junto a uma quantidade grande do estranho fluido. Isso pouco antes de parar de se movimentar por completo.
A mulher agora era apenas desespero diante do horror de um filho morto. Ela não fazia ideia nem sobre o que estava por detrás daquele cenário lamentável – sangrar gosma pelos orifícios do corpo não era um sintoma nada bom e aquela fome desproporcional era alarmante –, nem sobre o fato de o garoto ter rompido o próprio estômago de tanta comida. “Mais”, pediu o outro.
Ela virou-se para ele numa expressão indescritível. Era um estado entre incredulidade, desespero, raiva e tristeza.
Mas ele continuou insistindo. Queria mais, e mais, e mais. Mas havia tudo acabado.
Fechando-se na própria dor, passou a ignorar os pedidos, esvaindo-se sobre o cadáver da cria sem vida. Até perceber que finalmente o segundo rebento aproximara-se do irmão. Mas ele não parecia interessado diretamente no defunto. Ao contrário, passou a chapinhar no vômito à procura de pedaços ainda sólidos, começando a remastigá-los.
- Você está louco!?! – gritara ela, jogando-se sobre os braços dele na tentativa de impedir aquela blasfêmia. Por consequência, viu-se no meio de uma disputa física com ele.
Rolando de um lado a outro em meio a toda aquela sujeira, incapaz de se defender daquele que ela própria havia colocado no mundo, a última coisa que viu foi o rosto do que havia partido. Bem ou por mal, o embate grotesco encerrou-se rápido, terminado a golpes de um cinzeiro.
Agora sozinho, o último membro de pé daquela família olhava ao redor, sem parecer compreender a dimensão do que estava acontecendo. Apenas procurava o que pudesse levar à boca para saciar-se daquela ânsia sem fim.
O sangue nas mãos foi a primeira tinta da ideia que surgia na mente dele.
Poucos instantes depois, estava agachado, mastigando a barriga da mãe assassinada.
FIM