A Srta. Garona tinha um quê diferente, isso era fato. A Bárbara era carismática, e sua postura desinibida e corajosa era, de certa forma, algo inspirador. Eu estava, verdadeiramente, feliz em tê-la como companhia nessa jornada. Além disso, ela tinha o talento adicional de acalmar e direcionar o Sr. Nimb, o que era excelente.
Após deixar minha armadura, Juramento do Céu, e meu equipamento com o Sr. Nam, tiro a roupa e, cuidadosamente, dobro e deposito na margem, em algum lugar que pudesse ser vigiado pelos gnomos sem maiores percalços.
Logo em seguida, adentro as águas frias e calmas, deixando que lavassem tanto meu corpo quanto meu espírito. Assim que possível, me aproximo de Garona, dizendo:
- Quer conversar comigo? Vamos nadar juntas e conversaremos de forma mais privada.
E aproveito para nadar para longe da margem. Minhas braçadas eram, evidentemente, mais curtas que as da goliath, mas meu corpo também era atlético. Eu não deixaria que a meio-gigante tomasse muito a frente na natação.
Quando já estávamos longe dos olhos e dos ouvidos do Sr. Nam e do Sr. Nimb, a bárbara fala:
- Minha amiga, quando vi o nosso caminho com os olhos do corvo, vi que adiante teremos vários fortes e cidadelas, carregadas de maldade, porém, pouco antes da cripta, existe um imenso cemitério, uma verdadeira necrópole com uma malignidade palpável, com vários corpos e ossos espalhados por todo o terreno da imensa estrutura. Precisamos nos preparar e ter um plano de enfrentamento. Me preocupa a fragilidade dos nossos companheiros e a variação de temperamento do Sr. Nimb, o que me diz? Tyr pode nos ajudar? Já orei para a poderosa Kavaki nos dar o seu suporte e intervenção.
Antes que eu pudesse responder, ela mergulha, e me deixa alguns segundos absorta em meus pensamentos. Havia então um cemitério que deveríamos cruzar... Um lugar de grande maldade... O lugar de descanso final de almas aflitas ou atormentadas costumava guardar uma
ressonância muito particular. Era como se o lamento dos mortos impregnasse o lugar, mas dificilmente isso se convertia em alguma forma de
alinhamento maligno por si só. Normalmente, mortos vivos malignos eram obra de efeitos mágicos praticados por vilões, fossem eles magos, feiticeiros, clérigos, bruxos ou algozes. Mais uma vez, um cemitério inteiro coberto de mortos-vivos malignos era mais que um desafio imediato... Poderia ser uma barricada contra invasores indesejados, ou uma forma de demonstração de força de algum poder maligno... Era algo a ser avaliado com muito cuidado.
Quando a bárbara emerge das águas, permaneço boiando, apenas a cabeça acima da linha da água, e respondo:
Cemitérios costumam encerrar os lamentos dos mortos que lá descansam e dos vivos que os viram partir deste mundo. Normalmente, são lugares tristes, mas raramente malignos...
Se a Senhorita viu isso e sentiu maldade, é possível que estejamos lidando com algum tipo de vilão que tenha o poder de criar mortos-vivos, ou atraí-los... Isso não é bom.
Faço uma pausa, e olho para a margem, para onde os gnomos estavam nos esperando.
Os dons que Tyr me concede podem manter a maioria dos mortos-vivos inferiores longe. Na verdade, eu poderia lidar com a maioria deles, expulsando ou destruindo o que viesse contra nós... Mas se vamos atravessar toda uma necrópole, talvez os poderes divinos não sejam suficientes para enfrentar tudo o que vier... Vamos precisar estudar um caminho a seguir e adotar uma estratégia... Você tem toda a razão.
E aqui, o Sr. Nimb também me preocupa. Eu sei que ele parece ter algum sentimento por você, Srta. Garona, e sei que, no momento, é isso que nos tem permitido mantê-lo sob controle... Ele não vai participar de planos, ou seguir ordens, ao que tudo indica. Acho, na verdade, que ele parece um arauto do caos, em seu sentido mais clássico... Precisamos ter outra abordagem com ele. Tenho certeza que o Sr. Nam também já percebeu isso.
Eu não tinha deixado passar despercebido que, mesmo com tão pouco tempo juntas, a Srta. Garona já me chamava de
amiga. Eu valorizava isso, e me sentia reconfortada em Tyr por esse tipo de carinho e reconhecimento. Mas, honestamente, não sei se estava preparada para o que viria a seguir...
- Depois você me fala sobre as suas aventuras, pois essas cicatrizes precisam ser compartilhadas, para dividirmos as nossas dores e alegrias, e ficarmos mais amigas e felizes. Eu vi que você é uma elfa muito corajosa e quero você como amiga. Eu de fato, admiro as elfas, pois sou apaixonada por uma elfa que conheci em Mirabor, uma cidade próxima da minha aldeia de origem... Só que ela foi expulsa pelo meu povo, que não aceitou a nossa relação e desde então procuro por ela... Me desculpe se fiquei olhando para você quando nos encontramos pela primeira vez, mas, por causa da sua raça, me lembrou muito ela... Me perdoe a inconveniência da minha pessoa, tudo bem? Vejo você apenas como uma guerreira valente e quero que me tenha como uma irmã bem grande.
E, então, Garona dá um mergulho ruidoso, espalhando muita água, e me encharcando no processo. Aquilo era um alívio, na verdade, e não consigo evitar rir um bocado da postura leve da Bárbara. Ela merecia saber com quem lidava, e eu não sentia vergonha do que tinha passado... No fim, não fosse minha história triste e dolorosa, Tyr não teria me abraçado com seus dons.
Quando a goliath reaparece de sob as águas, começo a contar...
Em primero lugar, Srta. Garona, devo dizer que fico muito feliz que me considere uma amiga. Tenha certeza, e a palavra de uma paladina, de que você tem em mim uma amiga também, de agora até o momento em que a vida deixar este meu corpo, e além!
Faço uma pausa, como se juntasse forças para continuar a falar. Por mais que eu não me envergonhasse da minha origem humilde, as lembranças ainda doíam no meu âmago.
Estas cicatrizes não são, em sua maioria, lembranças de uma vida de aventuras...
Antes de ser ordenada Paladina de Tyr, eu era uma menina comum, filha da elfa protetora de um lindíssimo bosque, e de um bandido... Meu pai é um homem mau. Ele invadiu as terras que minha mãe cultivava e protegia e a agrediu e estuprou. Eu nasci fruto dessa violência, mas nem assim minha mãe me odiou. Ela cuidou de mim tanto quanto pôde, uma filha que não era nem humana como o pai, nem elfa como a mãe.
Quando cresci um pouco mais, ele próprio abusou de mim, e me vendeu como uma meretriz para um prostíbulo...
As lágrimas começam a encher meus olhos, com a lembrança dolorosa, mas nem assim eu paro de contar.
Por anos fui abusada de muitas formas, até que, com a ajuda de um gentil anão paladino de Tyr, consegui defender e libertar a mim mesma e às outras meninas que sofriam o mesmo que eu.
Enxugo as lágrimas em formação com as costas da mão, antes de continuar:
Eu me aventuro para levar a palavra do Deus comigo, e para trazer cura, conforto e justiça a quem quer que precise.
Sorrio para Garona, os olhos ainda marejados, e concluo:
Eu te devo desculpas. Sabe... Por um momento, quando nos conhecemos, eu achei que você tinha interesse em mim... Eu não sei lidar com essas coisas... Por mais que eu seja uma aventureira e uma pessoa muito mais forte hoje, não sei lidar com esse tipo de amor... Eu fico angustiada, perdida dentro de mim...
Admiro você pela sua honestidade e sinceridade, e rezarei a Tyr para que reencontre seu amor o mais breve possível. Farei o que puder para ajudá-la, também, pode ter certeza disso!
Permito-me afundar na água um pouco, o suficiente para lavar as lágrimas do rosto, e deixar que seu sal se dissolva na água doce. Quando volto à superfície, tomo fôlego e deixo o corpo subir, desnudo, mas longe dos olhos de homens e gnomos. Garona estava ali, mas era confiável, era como uma irmã. Não tinha mais vergonha ou dúvida sobre ela e suas intenções.
Passado algum tempo de relaxamento no lago, chamo a bárbara.
Já estamos aqui há bastante tempo... Precisamos voltar... Fico preocupada de que o Sr. Nimb e o Sr. Nam se metam em confusão...
E, assim, aguardo a meio-gigante para que, juntas, nademos de volta à margem.