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    O diário de Gartran

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    Mensagem por Wordspinner Sex Fev 16, 2024 8:09 am

    Dia 04, mês do sol, ano 507 N.I


    A cidade desafia a compreensão pela sua vastidão. Eu vejo as fazendas que a rodeiam. Gado. Trigo. Pomares. Uma colcha de retalhos que parece seguir até o horizonte. Esse, que a cada passo chega mais perto, um predador silencioso que se move sem a presa ter qualquer chance de perceber. Já a estrada feita de pedras amareladas mostra o desgaste que botas, cascos e rodas causam. Andando do nascer ao do sol ao cair da noite sobre suas pedras e não alcancei meu destino. Andei e sempre tive companhia. Sempre alguém indo ou vindo. Um vendedor de repolhos me disse que as carroças fazem um ótimo tempo, mas que ele nunca vai até os portões da muralha externa, ele vende antes porque é muito longe.

    Eu? Eu precisava seguir em frente. Não podia parar, meus pés que me perdoem. Um passo cansado atrás do outro eu seguia vendo mais e mais casas. Passando por cima dos canais que corriam pro mar e por baixo dos arcos cinzas que levavam água até a cidade. Eu não sentia mais o cheiro do mar, mas sabia que estava perto, o horizonte tinha se esgueirado e tinha devorado a costa que eu sabia logo ali. Perto como as casas ficavam dos canais. Como os galpões ficavam perto das casas. Já era impossível ver algo plenamente natural, exceto pelas ervas daninhas teimosas que brotavam nos cantos da estrada. Todo resto seguia a vontade e os planos de pessoas. A terra plana era assim por trabalho humano. Os canais cavados e arcos esculpidos com alguma técnica que me escapa compreensão. A estrada de pedras que eu não conseguia enxergar onde quer que olhasse. As árvores cresciam onde eram ordenadas e o gado comia e morria seguindo seu pastor. Mais alguns passos.

    Eu finalmente vejo a muralha externa. Vejo também uma estalagem que promete ser barata. Meus pés imploram por descanso, minhas costas clamam pelo conforto de parar. Por paz. Mas eu estou em chamas e não posso parar. Minha alma arde e sua dor não pode ser negada. A tirania feita da última esperança de uma mente sofrida, machucada. Uma mente que sangra como meus pés molham minhas botas. Uma mente que anseia mais forte que os tremores nos joelhos. Ali eu bebi meu ultimo gole de água. Cada gota preciosa para minha garganta seca. Mais valiosa que ouro.

    Os portões de Gaus estão abertos, sempre estão. Lá dentro o mundo encolhe. Apertado dentro dos muros. Ruas estreitas e o fedor de gente. Não na estrada que eu sigo, minhas pedras amareladas continuam direto para o coração pulsante do império. As construções me falam da passagem do tempo, suas linhas contam a história do seu tempo e estilo. Poderia perder dias falando sobre o formato das janelas ou a cor do vidro, mas não é o lugar. Aqui eu falo sobre mim e a minha fé. Sobre o assombro que não cabe em tinta e papel. Sobre as torres apontando para o céu azul. Sobre as pedras escuras do castelo da rainha. sobre a longa jornada que termina sangrenta como começou e me permite seguir o caminho. Esse é o fim da jornada e não quero jamais esquecer esse dia. Lembre-se Gartram. Leia de novo e se lembre.

    Meus pés cansados gritam sua agonia silenciosa. Não importa! Eu vejo as torres de Gaus, a cidade da primeira rainha. Eu vejo os portões abertos para o Campo Dourado de onde saíram às forças que tornaram nossa nação a maior que já existiu. Eu vejo o portão, sempre fechado, frente ao qual o campeão caído sangrou na lâmina do Príncipe Dourado. O fim de uma era gloriosa, o rubi na coroa da rainha Isthar. O flagelo que varreu todos cantos do mundo e nós fez a maior força que já existiu. O campeão caído, amaldiçoado seu nome, fez de nosso povo tiranos e opressores.

    Agora eles, os ingratos pés, me levam sobre as pedras onde uma vingança brutal fez nascer o mártir dourado que adorna vitrais e tapeçarias. Praças e cordões. Escudos e corpos. Athos. Nascido da carne e do osso mais nobre. Testado em chamas de dor e sacrifício. Quebrado por perdas tão profundas quanto se pode imaginar. A chama brilhante que redime nossos pecados e dá sentido à nossas vidas violentas. Admito minha falha. Meu vazio. Minha surdez. Nunca ouvi a voz do guia cheio de virtude que viveu entre nós, entre as ruas da cidade. Nunca vi o caminho. Só tinha olhos para a dor. Para retribuição brutal e tão plena que é a vingança, tão plena que corta fundo naquele que a empunha. Mas aqui? Aqui, onde sinto o calor em pedras frias? Onde vejo a luz até nas sombras? Aqui eu sou pio. Sou um com a minha fé. Sou inteiro na luz que preenche o vazio que cortei em mim procurando reparação. Aqui eu sigo os passos de tantos outros que antes de mim encontraram redenção. Encontraram propósito. Se libertaram da dor que urge em suas almas. Já a dor que lastima o corpo, essa é uma velha companheira e seus lamentos são minha única casa.

    As chamas se apagam na minha alma queimada. Aqui começa a minha cura. Nessa terra sagrada. A dor para e finalmente me sinto vivo. Nunca vou poder descrever a beleza do lugar nessa página. Então volte. Vá e veja. Sinta. lembre do dia em que sua vida começou.

      Data/hora atual: Dom Abr 28, 2024 3:25 am