Acordes em Troca de um Sorriso

A platéia naquele horário não era das melhores.

Com o sol ainda alto no céu, a maior parte das pessoas da pequena cidade de Bryn ainda estavam nas lavouras ou em suas oficinas e, os que não estavam trabalhando, tinham crianças para cuidar. Era por isso que as mesas da taberna O Barril Cheio estavam praticamente vazias, e a ironia do nome poderia ser algo cruel se o lugar não tivesse sido batizado pelas razões óbvias: os barris de cerveja nunca ficavam vazios. Isso era algo de que Cizar, dono do lugar, se orgulhava. Aposentado da vida de mercador de produtos do continente, ele desistiu da vida sob tempestades no Mar Fomoraig e abriu esta modesta taberna em uma Bryn ainda não tão grande.

Agnus Hasterban estava na cidade há dois dias. Vindo do sul, o meio-elfo passara por muitas cidades desde a capital Lochgarman. Agnus subiu a estrada que margeia o Rio Warston e que cruza praticamente todo o Maighe Ithe e seus belos prados cobertos de relva verde e rebanhos selvagens e dos fazendeiros locais. Apesar da beleza indiscutível do lugar, o bardo viajou durante o outono e os ventos gelados que vinham do mar eram cruéis e não deixaram que Agnus apreciasse Maighe Ithe como talvez quisesse. Visitando as tabernas da cidade, O Barril Cheio foi a que mais deixou o bardo confortável, mas ela não é o melhor lugar para se fazer um bom ouro. Este, com certeza, é o Cabeça de Veado, a taberna da pequena nobreza local. O Cabeça de Veado é um dos poucos prédios de Bryn quase todo construído em pedra e o interior é decorado com madeira de lei escupida em ornamentos suaves e graciosos e iluminado sutilmente por velas aromáticas. O dono do lugar, um elfo chamado Tirÿll, não foi exatamente amistoso com Agnus, mas também não destratou o bardo e permitiu que o meio-elfo tocasse algumas canções em sua taberna. O ouro daquela noite foi o suficiente para pagar pelo melhor quarto da estalagem O Corvo, um estabelecimento muito confortável de uma amável senhora chamada Elena, e também para alimentar o bardo com refeições que não sejam ensopados de legumes maduros demais com carne fibrosa e cheia de gordura.

Terminando a segunda canção, Agnus arranca algumas palmas de público e não vê recompensa imediata em continuar com a apresentação. Mas havia uma garota extremamente bela sentada algumas mesas distante do palco que não tirava os olhos de Agnus. Talvez valesse a pena tocar mais uma canção.

Com ânimo revigorado, Agnus dedilha seu instrumento com mais vontade e paixão. A intensidade da música, a forma como o bardo puxava cada nota com os dedos, os olhares que dava para a garota... Aquilo despertou ainda mais o interesse dela diante do bardo e sempre em que Agnus olhava para ela, recebia um olhar fixo como resposta. A dedicatória que o meio-elfo fez antes de iniciar a música também chamou a atenção das outras pessoas que estavam na taberna, e Agnus não soube se isso era ruim ou não. Bryn não era uma vila do interior, mas também não era uma cidade grande...

Assim que termina a canção, surgem novamente algumas palmas, mas elas tem um pouco mais de vigor dessa vez. A garota, que não desviou o olhar de Agnus por um instante sequer, se levanta, caminha até o meio-elfo e lhe estende uma moeda de prata. Ela vestia um longo vestido de lã verde e se portava de maneira simples.

– Pela canção – Os olhos dela eram castanhos e bem claros, os cabelos eram longos o suficiente para lhe alcançar a cintura e bem mais escuros que os olhos. A boca se abria em um sorriso difícil de se resistir e a voz dela era tão linda quanto todo o resto – Foi muito bonita.

A garota ficou vermelha quando sentiu Agnus envolver sua mãos nas dele e lhe elogiar. Como acontecia quase sempre, as bochechas vermelhas e o sorriso tímido no rosto fizeram a garota ficar ainda mais bonita. Os olhos se apertaram e o castanho claro pareceu refletir ainda mais a luz do sol que entrava pelas janelas.

- Encantada em lhe conhecer, Agnus - A voz dela também refletia a timidez momentânea - Meu nome á Ailis Whelan, sou filha de Johan Whelan, da guarda da cidade.

Neste momento, o meio-elfo entendeu porque sua dedicatória havia chamado tanta atenção das outras pessoas da taberna. Isso poderia gerar muitos problemas, mas Agnus olhou novamente para Ailis...


... e seria muito difícil resistir à tentação, caso ela surgisse. A garota se recompõe e observa Agnus: seu cabelo, seus olhos, as roupas, o bandolim, a boca. Isso tudo muito rápido, como se apenas quisesse ter uma visão completa do meio-elfo antes de dizer mais alguma coisa.

- Eu gostaria de ouvir mais uma canção, a anterior foi tão bela - Ailis sorri timidamente para Agnus - Você tocaria mais uma canção para mim?