Capítulo 3 - Pistas sobre Pistas

... toda a tripulação era de pessoas que já estavam mortas, porque diabos o Sinistro matou todo mundo? Será que ele tá tão paranóico assim?

Lyed caminhava até a Cauda do Tritão pensando e ponderando sobre as últimas coisas que ouviu sobre Sinistro e o Desmorto. De fato foram muito raras as informações úteis e muitos os delírios de mentes bêbadas, mas parece que agora o malandro estava no rastro de Sinistro. O esguio investigador desvia com graça das duas poças de água e dos fanfarrões em seu caminho e passa uma das mãos nas folhas da árvore antes de entrar na taverna, deixando que o orvalho molhasse a sua mão e passando esta no rosto. A verdade era que Lyed vinha dormindo mal a algumas noites e, para uma pessoa que necessita de noites de 10 horas de sono, estava sendo difícil lidar com isso.

Lyed hesita por um momento diando da Cauda do Tritão, verifica se sua adaga está bem escondida na manga de sua camisa, respira fundo e entra sem cerimônia, indo direto para o balcão e procurando por um canto de onde ele conseguisse observar toda a taverna, ou pelo menos a maior parte dela. Lyn tenta entrar sem chamar atenção para si e faz seu pedido para a pessoa atrás do balcão.

- Boa noite! Gostaria de uma taça de vinho, um pão e um assado, se vocês tiverem algum.

Lyed se vira para a taverna e a observa com calma, procurando primeiro por rostos conhecidos e então por rostos que pareçam mais suspeito que os outros.

Spoiler:

Lyed não precisou fazer força para entrar despercebido na Cauda do Tritão. A estalagem estava abarrotada de piratas, corsários e ladrões, e garçonetes indevidamente vestidas tinham trabalho para atender seus clientes. Não havia mesas e cadeiras para todos, de forma que muitos ficavam de pé, andando para lá e para cá com as suas canecas de cerveja na mão. Lyed Hyn teve que se espremer entre os corpos das pessoas para alcançar o balcão, onde um desdentado taverneiro estava indo à loucura com tantos pedidos.

Mesmo assim chegou o pedido de Lyed: Uma taça de vinho, um pão e um assado. O pirata se virou para olhar o salão apinhado de gente, e pouco conseguiu ver. Mas se ele procurava por rostos suspeitos, encontrou em quase todos os presentes um rosto suspeito. Uns pareciam ser capazes de vender a própria mãe a troco de algumas moedas de ouro, enquanto outros podiam ser capazes de sequestrar crianças e oferecê-las aos deuses do mar. Um era mais suspeito que o outro, e Lyed não chegou a nenhuma conclusão em sua busca a não ser que Sinistro não estava presente.

Quando Lyed se voltou par ao balcão, percebeu que seu pão e seu assado haviam sumido. Pelo menos a taça continuava em sua mão.

- Por Valkur! Ninguém mais respeita a refeição de um homem?!

Lyed estava cansado, estava de mau-humor, numa caçada por sua própria vida e com fome. Por mais que a comida daquele lugar fosse pior do que aquilo que o Caolho chama de almoço, no momento Hyn preferia levar uma cusparada na cara ao ter seu jantar roubado por piratas! O malandro toma o vinho num gole só e se apoia novamente no balcão.

- Mais vinho e outro pão!

Lyed não conseguia mais pensar com muita clareza mas, se Sinistro realmente está nesta ilha, era melhor o malandro mudar sua tática e não abordar as pessoas fazendo perguntas abertamente. Lyed precisava encontrar uma forma de ser levado até o maldito defunto. Sem tirar os olhos de suas coisas, Hyn come seu pão e bebe o seu vinho com calma, e depois se vira para um pirata qualquer que estivesse do seu lado.

- Amigo, você já ouviu falar do tesouro do Capitão Haddock, O Lobo? Me disseram que o capitão de um navio está recrutando homens para partir com ele em busca do tesouro e eu gostaria muito de ter uma parte deste ouro!

Spoiler:

A taça de Lyed foi enchida novamente com vinho, e como era bom àquele vinho! Era de se surpreender como os piratas conseguiam fazer as coisas da maneira boa quando lhes convinham. Outro pão foi depositado no balcão à sua frente, e desta vez Lyed estava de olho nele para que não fosse injustamente furtado por um larápio qualquer. Hyn olhou para os dois piratas que estavam sentados ao seu lado. Um deles parecia uma porca bêbada, incapaz no momento de pensar por conta própria. O outro tinha um rosto astuto e olhos espertos, quase o espelho de Lyed, o que não era nenhuma raridade em locais como àquele. Foi para o segundo homem que Lyed dirigiu sua pergunta camuflada.

- Recrutamento? Não ouvi falar de nenhum recrutamento, mas sabe como é, nada que uma bela visão dourada não possa refrescar minha memória - responde o homem, não escondendo o seu sorriso malicioso por trás da caneca de cerveja que levava à boca.

Lyed tira duas moedas de ouro da algibeira com um suspiro e as arremessa com o dedão ao pirata.

- Espero que a informação valha a pena. Não tenho muitas outras como essas duas. - Lyed se volta para o taverneiro mais uma vez - Me traga uma cerveja. E mais vinho! Pode trazer uma jarra inteira.

Hyn entrega a cerveja para o pirata assim que ela chega como um incentivo à uma resposta pelo menos um pouco honesta.

O pirata pega ligeiramente as duas moedas de ouro, e para conferir, dá uma mordida de leve em cada uma delas. Depois as guarda em um dos muitos bolsos de seu sobretudo.
- Bem, vou ser sincero com você. Nunca ouvi falar no tesouro do Capitão Haddock, e não sei se há alguém fazendo um recrutamento para este fim. Mas os recrutamentos de tripulação normalmente são feitos no mercado de escravos, quem sabe você não encontra o que procura lá. - O pirata pega a cerveja que Hyn pagou e dá um gole nela. - Obrigado pela cerveja e pelas moedas. - E ergue a caneca como se fosse fazer um brinde, e a seguir sai rindo da vista de Hyn, se enfiando rapidamente no meio da multidão que se acotovelava na taverna.

- Não acredito nisso...

Lyed estava duas moedas de ouro e uma cerveja mais irritado consigo mesmo. Primeiro sua comida roubada e agora ser feito de idiota não eram, nem de longe, uma boa forma de começar a noite. Pelo menos ele teve a certeza de que se Sinistro estiver na ilha, ele estará no mercado de escravos.

- Amigo, mais um vinho!

Hyn apenas terminará o vinho e irá procurar por este mercado de escravos. Aparentemente o lugar não é nenhum segredo na ilha, então deverá ser fácil encontrá-lo.

Lyed toma sua taça de vinho, pergunta pro taverneiro onde ficava o mercado de escravos e parte rumo à direção apontada. Por sorte o mercado ficava próximo da Cauda do Tritão, o que poupou esforços de Hyn que tinha tido uma longa e cansativa viagem marítima para chegar a ilha Esporão do Dragão. O local chegava a ser quase tão fedorento quanto às docas. Á luz do luar podia-se ver palanques de madeira onde escravos eram expostos a seus possíveis futuros compradores. Mesmo sendo noite, o lugar tinha um bom número de pessoas transitando de um lado para o outro, mas os mais interessados no comércio eram os ricos capitães dos navios piratas. Eles gostavam de esbanjar ouro, ouro este obtido a dura pena em suas incursões pelo Mar das Estrelas Cadentes, e um gritava mais alto do que o outro para fazer um lance nos leilões. Alguns deles, deduziu Lyed, não deviam estar interessados em angariar novos tripulantes ou servos, mas queriam apenas mostrar o seu poder econômico perante os outros capitães. Afinal, quanto mais ouro um capitão pirata tinha, mais bem sucedido em sua profissão ele mostrava ser, o que elevava o seu status social e a sua fama.

Até o presente momento, Lyed não avistara Sinistro em lugar algum.

Lyed caminha com a calma possível de ser ter nestes momentos. Hyn observa a tudo e todos com atenção e sente cada rosto desconhecido pesar mais sobre seu corpo cansado. O que Lyed pensou? Que Sinistro viria até aqui pessoalmente comprar escravos? Que idéia idiota e sem cabimento... Hyn procura algum lugar com boa visão do mercado e se senta lá, procurando por rostos familiares enquanto busca na memória por rostos que ele se lembre do dia em que o Esperança foi atacado pelo Desmorto.

Lyed ignorará todos os capitães e seus grandes lances, mas prestará atenção em como o leilão funciona e quem são os pobres diabos vendidos para a morte certa.

Spoiler:

O leilão dos piratas funcionava basicamente como qualquer outro: o maior lance dado levava o produto. A diferença era que os capitães analisavam minuciosamente o escravo que queria comprar, testando principalmente sua força e sua coragem. Ninguém queria uma tripulação de marujos fracos e covardes. A grande maioria dos escravos eram humanos, mas havia alguns elfos do mar e seres de outras raças menos conhecidas. Nenhuma mulher e nenhuma criança estavam à venda, mesmo por que as mulheres eram presságios de má sorte e as crianças eram um peso morto no navio. Por outro lado velhos podiam ser úteis pela sua experiência nos mares.

Lyed observava o movimento, procurando por alguém conhecido. Haveria de ter alguém que ele conhecesse no meio daquela multidão. Ele se encaminhou até a praça central, onde estátuas de antigos reis piratas estavam à volta. Ele esperou, esperou e esperou. Até que por fim viu um antigo marujo do Esperança, um homem de barba rala bem feita, um corpo mediano não sendo nem forte e nem desprovido de força e um sabre à cintura. Se Lyed bem lembrava, seu nome era Thelarq. Ele não havia visto Lyed, e seus passos eram apressados.

A preocupação de Lyed era se haveriam mulheres e crianças no leilão, e Hyn ficou aliviado quando viu que eles não eram vendidos como escravos. Lyed não concordava com nenhum tipo de escravidão, mas mulheres e crianças não deveriam de forma alguma serem colocados nessa posição.

Assim que vê Thelarq, Lyed pensa em gritar por ele, mas quando percebe os passos apressados, Hyn decide seguir o pirata para ver para onde ele estava indo. Lyed sabia que isso não tinha nada a ver com o que foi fazer ali, mas a pressa do antigo companheiro o deixou curioso.

Lyed seguia Thelarq de perto, mas com a precaução necessária para não ser visto. Por duas vezes, o antigo marujo do Esperança olhou para trás por sobre os ombros, mas nada viu ou percebeu. Lyed descobriu que Thelarq estava tomando a direção da estalagem Cauda do Tritão, e foi para lá que ele se dirigiu. O ambiente estava um pouco menos lotado do que antes, mas ainda havia bastante pessoas. Thelarq rapidamente procurou uma mesa aos fundos, se sentou nela e tirou algumas coisas de seus bolsos. Era um pedaço velho de pergaminho, um frasco de tinta e uma pena de escrever. O marujo sem perder tempo começou a arranhar o pergaminho com a sua escrita apressada e ansiosa.

Lyed saiu do Tritão e foi até o mercado de escravos apenas para voltar ao Tritão. Hyn não tinha nenhuma razão para desconfiar de Thelarq, mas o seu nervosismo o deixou curioso. Lyed se enfia num canto e espera que o marujo termine sua carta para se aproximar dele antes que aquelas pernas velozes o levassem embora desse antro de ratos que chamam de taverna.

- Thelarq! - Lyed acena com um dos braços e o outro levava apoiado em seu sabre - Thelarq, sou eu, Lyed Hyn! Navegamos juntos no Esperança. Como você está, seu rato do mar? - Hyn não espera ser convidado e logo se senta na mesa, ficando de costas para a parede, mas não muito próximo de Thelarq - Não imaginava que pudesse encontrar alguém conhecido nesta ilha. Me diga, o que te trouxe até aqui?

Lyed colocará sua mochila sobre a mesa, e quando fizer isso tentará ver para quem Thelarq escrevia.

Thelarq assustou-se com a aparição repentina de Lyed, mas o marujo fez de tudo para tentar disfarçar o seu susto e mostrar uma cara alegre ao reencontrá-lo. Instintivamente, Thelarg pegara a carta e enfiara de qualquer jeito num de seus bolsos sem mesmo ter a lacrado. Não deu tempo para Lyed ver nada escrito.
- Eu lembro de você, meu bom amigo - diz o marujo, se recompondo do susto inicial. De fato, ele parecia bem mais relaxado ao constatar que aquele era Lyed Hyn. - E como poderia esquecer? Não são todos que roubam o amor da filha do capitão e ainda vivem para contar história. Bem, eu vim para cá de passagem só e... - Thelarq parou de dizer para reavaliar a situação. Por fim, decidiu que não teria problema em contar pro Lyed a verdade. - Escuta... - começou a dizer baixinho para que ninguém mais escutasse -, assim como você, o Capitão Debrett me mandou para buscar informações sobre o Sinistro. E... eu descobri algumas coisas interessantes e assustadoras ao mesmo tempo. Que tal irmos para o meu quarto conversar a respeito?

Lyed não consegue conter o sorriso e dá um tapa na mesa quanto ouve Thelarq. O malandro não acreditou no que ouviu! Que excelente notícia! Por um momento Hyn pensou que o Capitão Debrett tinha mandado Thelarq para vigiá-lo, mas é bom saber que Lyed terá ajuda na busca por Sinistro. Na pior das hipóteses, por pelo menos algum tempo.

- É bom saber que terei ajuda! - Lyed percebe que estava chamando alguma atenção para si e baixa o tom de sua voz - É bom saber também que alguém teve sorte na busca, eu só consegui perder dinheiro pra esses cães bêbados. Vamos pro seu quarto, estou ansioso pra saber o que você descobriu!

- Esses cães bêbados estão sempre farejando por algum ouro.

Thelarq se ergueu da cadeira, assim como Lyed, e ambos subiram as escadas até o primeiro andar, onde ficava o quarto do marujo. Era um quarto simples e pobre, mas o suficiente para manterem uma certa privacidade. Thelarq sentou-se na cama e deu uma espiada na janela. Uma lua cheia preenchia o céu naquela noite.

- Bom meu amigo, para começar tenho que falar que estava escrevendo para o próprio capitão. Estou reportando a ele todas as coisas que descobri. - Thelarq retirara a carta de seu bolso, e olhou no canto do quarto, onde só agora Lyed reparara no papagaio do capitão Debrett empoleirado num pino de segurar roupa. Thelarq se levantou e amarrou a carta à perna do papagaio, que obedientemente a havia estendido. Depois ele abriu a janela e mostrou o lado de fora para o papagaio, que alçou voo e se perdeu na escuridão da noite. - Esse papagaio do capitão não é normal. Ele consegue voar grandes distâncias sem cansar e nunca se perde no caminho.

Thelarq voltou a fechar à janela e apontou a cama para que Lyed se sentasse nela. Depois o marujo retirou de sua mochila algumas velas e começou a acendê-las com o seu isqueiro, deixando o quarto melhor iluminado. Enquanto fazia esse trabalho, Thelarq iniciou o que tinha para contar.

- A primeira coisa que descobri do capitão Sinistro ao chegar aqui foi que ele praticou um verdadeiro espetáculo sangrento na praça de mercadores. O capitão Sinistro comprou dúzias de escravos, apenas para matá-los a sangue frio logo em seguida, e na frente de todos. Você lembra que a tripulação dele era de mortos-vivos, não? Parece que ele está fazendo uma reciclagem de marujos. O capitão Sinistro nunca esteve tão... sinistro.

Thelarq terminara de acender três velas, onde as depositara sobre o criado-mudo. Depois ele se sentou no chão do quarto, ao lado da cama. Sua cara aparentava um certo cansaço, agora que Lyed reparava bem.

- Soube também que ele havia partido rapidamente da ilha. Não ficara nem por um dia inteiro aqui. Mas para onde ele teria ido? Bom, comecei a recolher informações. Seu navio, o Desmorto, rumara para sudeste, conforme me foi falado no porto. Depois, de acordo com as informações que apurei, descobri que o Capitão Sinistro está atrás de um item há muito perdido. O Cajado de Arvandor. Segundo as lendas, o cajado tem poder para controlar o mar e as criaturas que vivem dentro dele, um item muito poderoso que certamente deixaria qualquer pirata interessado nele, não?

Lyed tentaria ter uma chance para ler a carta que Thelarq escreveu, mas ele foi rápido em enviá-la ao Capitão Debrett. Hyn ouve com atenção tudo o que Thelarq lhe contava e ficou assustado com a crueldade de Sinistro, apesar de que matar os escravos fazia sentido. Lyed também ficou um tanto frustrado consigo mesmo. Se não tivesse encontrado Thelarq, teria continuado a procurar Sinistro pela ilha, perdendo um tempo precioso.

- Quando Sinistro esteve na ilha? Você teve alguma notícia sobre Aideen?

Hyn ficava andando de um lado para o outro do quarto. A ansiedade o impedia de ficar sentado.