Capítulo 4: O Mapa do Tesouro

- Entrem, por favor.

O homem cede espaço para Frac e Dyke adentrarem a casa, e em seguida ele espia o alto das casas vizinhas por onde as criaturas haviam fugidos. E então ele fecha a porta.

O saguão de entrada estava escuro, exceto por uma luz bruxuleante no final do corredor. Frac e Dyke reparou em quadros bem antigos pendurados na parede do corredor, quadros não convencionais em áreas como aquelas. Os quadros retratavam famílias felizes de nobres, com os seus casarões irretocáveis e jardins esplêndidos. Eles chegam ao cômodo iluminado parcialmente por uma lamparina que estava presa ao teto por uma corda e que por algum motivo não parava de balançar de um lado a outro, fazendo as sombras dos visitantes dançarem ao redor da sala.

O homem se dirigiu até a mesa posta no centro da sala, logo abaixo da lamparina, e retirou do bolso de seu traje uma chave, e com ela abriu um compartimento oculto acoplado na superfície inferior da mesa. Ele voltou com um pedaço de pergaminho em mãos.

- Vocês estão aqui pelo mapa, então. - Não era uma pergunta. - Eu estava disposto a vendê-lo em troca de ouro, mas sinto em dizer-lhes que não estou mais. Não por ouro. E há mais uma coisa a ser dita.

O homem estende o pedaço de pergaminho sobre a mesa, revelando os detalhes do mapa. Havia anotações de lugares que Frac e Dyke nunca ouviram falar. E eles logo perceberam o que o homem quis dizer há pouco. O pergaminho estava rasgado em sua parte inferior.

- O mapa está incompleto, mas para a sorte de vocês, eu sei onde encontrar o pedaço que falta. É uma viagem longa e vocês precisarão quem os guie. A minha proposta é simples: eu lhes dou este pergaminho e os ajudo a recuperar o pedaço que falta em troca de um lugar à bordo de seu navio.

- Temos um acordo, mas antes preciso pedir uma última coisa.

O homem diz de última hora, evitando assim ter que apertar a mão cheia de catarro do Frac. Ele se volta por um momento para considerar os questionamentos de Dyke, formulando suas respostas na mente antes de pronunciá-las.

- Eu sou Dampier, a Luz do Crepúsculo, e sei fazer de tudo um pouco dentro de um navio. O meu interesse, e aí entra a parte da minha última pedida, está em achar um item soterrado numa ilha. Por acaso, descobri que esse item está no mesmo local em que o tesouro do mapa aponta, mas não se preocupem. É algo de valor minimo a vocês, e inestimável para nós. - Frac e Dyke não faziam ideia a quem ele se referia por "nós". Sabendo que os piratas iriam exigir uma resposta mais clara, Dampier complementa: - O que eu busco é uma cura para a maldição que eu carrego, e isso é tudo que vocês precisam saber.

Enquanto os ouvidos do contramestre estavam concentrados na conversa, os seus olhos devoravam o pedaço do mapa à mostra sobre a mesa. Ele tentou identificar pontos que ele já havia visitado, mas não encontrou nenhuma referência conhecida, além de uma cidade costeira bastante conhecida entre os piratas chamada Portão Ocidental.

- Vocês não fazem ideia de que tesouro é esse, não é mesmo? - observou Dampier à julgar pela concentração do Frac no mapa. - Não estamos falando de um tesouro qualquer, e sim de objetos valiosos, pedras preciosas e ouro acumulado de uma carreira de saques de um dos setenta e sete reis piratas que governaram o Mar Interior há mil anos atrás. Os boatos dizem que armas mágicas foram soterradas junto ao túmulo de seu antigo dono, e que lá permanecem até hoje.

Ele dá uma olhada para o mapa, e então aponta para um lugar em especial: Portão Ocidental. Este é o porto mais antigo, rico e corrupto de todo o Mar das Estrelas Cadentes e além. Foi esta cidade, lá no ano 257 no cômputo dos vales, que os piratas invadiram e reinaram como verdadeiros reis por quase dois séculos.

- A nossa primeira parada é aqui, pois é aqui que encontraremos a parte que falta de nosso mapa.

- Peço mais uma vez desculpas pelo ocorrido, e eu só conseguirei tratar superficialmente dos machucados. - Dampier olha para o Dkye, avaliando se o marujo gostaria de ser tratado por um desconhecido. - Posso fazer umas bandagens e torniquetes ao redor dos ferimentos.

Ele olha uma vez mais para Dyke, esperando alguma reação dele. O estado do timoneiro era deplorável, e ele só se mantinha em pé sozinho a custa de um grande esforço.

- Eu não estou doente, se é o que quer saber - afirma Dampier enquanto conduzia Dyke e Frac até uma sala secundária. Doenças eram os maiores temores de quem viajava pelo mar, pois bastava uma pessoa ficar doente que todo o resto da tripulação estaria condenada. - É uma longa história de como eu adquirir essa maldição, talvez eu conte para vocês durante o nosso trajeto ao Portão Ocidental.

Eles chegam a uma sala pequena, apertada e cheirando a mofo. Dampier caminha até uma espécie de gaveteira no canto da sala, e tira de uma das gavetas um kit de primeiros socorros. Ele passa a bandagem sobre o braço de Dyke, fazendo um torniquete em seguida para estancar os seus ferimentos nos pontos mais críticos.

- Isso deve bastar - diz Dampier. - Agora se puderem me levar até o capitão de vocês, ficarei feliz em entregar a parte do mapa que está comigo. Eu só espero que vocês também cumpram a sua parte do acordo quando chegarmos ao tesouro.

- Me dê uma espada e eu lhe mostrarei como fatiar um inimigo. Ah, não precisa dar a espada, eu vou buscar a minha.

Dampier voltou dez minutos depois trazendo uma mochila e uma espada curvada presa à cintura. Ele estava preparado para a viagem, e os três saíram da casa e foram em direção a Cauda do Tritão, onde não foi surpresa encontrar o capitão Raggeti e a maioria de seus homens ainda acordados. Frac e Dyke contaram sobre Dampier e os seus planos. Raggeti coçou a barba encarando o homem estranho à sua frente.

- Deixa ver se eu entendi bem. Você me dá a parte do mapa que está com você, entra para a minha tripulação e me ajuda a recuperar a parte do mapa que falta, e em troca você só quer um objeto irrelevante que está enterrado junto com o tesouro do rei pirata?

- Sim, apenas isso.

- Bem-vindo ao Marlin Negro, marujo - disse Raggeti mostrando os dentes num sorriso torto. - Partiremos amanhã.

E assim foi. Conforme os homens iam acordando, eles se dirigiam ao navio e faziam os preparativos para a partida. Dampier ficaria na posição de vigia, assumindo o lugar de Lyed, que não era visto em lugar algum desde o começo da tarde do dia anterior. Era um longo caminho até Portão Ocidental, e a viagem seria longa mas não sem imprevistos.

* * *

A madeira no quarto de Frac rangia a cada movimento de vai-e-vem que o Marlin Negro fazia. Já era tarde da noite e o contramestre não conseguia dormir devido a este irritante barulho. As tábuas ali sempre rangeram, mas a situação havia piorado depois da forte tempestade que afogou Hymma. O único carpinteiro do navio era Raggeti, e os marujos sabiam como o capitão não gostava de ser requerido para coisas tão banais quanto consertar uma tábua. "Pegue um martelo e um prego e arrume você mesmo", havia dito Raggeti a um marujo quando foi alertado que o deque inferior estava com goteiras. O fato é que a madeira era insistente em seu chiado e Frac tinha dificuldades de cair no sono.

Quando finalmente o contramestre havia conseguido se esquecer do barulho e começava a fechar suas pálpebras, ele ouviu um urro vindo do lado de fora de sua cabine que o fez despertar novamente. O urro foi ouvido por todos os marujos da embarcação, inclusive por Dyke Lampreia, que instantes atrás dormia em sua rede no deque inferior ao lado dos outros marujos, que acordaram assustados com o barulho repentino e gutural.

A saída da cabine do contramestre dava direto para o deque principal. Frac'Eido abriu a porta com cuidado, tentando não fazer muito barulho, e saiu sorrateiramente através dela. Ele viu um movimento parecido nas portas das outras cabine; pela porta do capitão, Raggeti saiu ao ar livre já com as armas em punho, e na porta ao lado, o sacerdote Abbadon foi quem surgiu, ficando à espreita e escondido pelas sombras. E no centro do deque, a criatura estava lá.

Metade lobo, metade humano, o monstro conhecido como o lobisomen quebrava o silêncio da noite com uivos que certamente podiam ser ouvidos a uma grande distância. Pedaços de roupa rasgada ainda estavam no dorso e nas pernas da criatura, e a suposição de Frac era a mesma dos outros dois. A criatura estava de costas para eles, e Raggeti se virou ao seu contramestre e sibilou sem praticamente mexer os lábios.

- É o marujo novato que vocês trouxeram - sussurrou. - Precisamos dar um jeito nele, mas não podemos matá-lo. Precisamos do desgraçado para achar a outra parte do mapa do tesouro.

Enquanto isso, nos deques inferiores o restante da tripulação despertava. Dyke foi o primeiro a despertar com os urros. Royce e Salaman também acordaram, mas os dois não pareciam muito dispostos em subir as escadas para ver o que estava acontecendo lá em cima. Salaman inclusive fazia um sinal com as mãos pedindo a ajuda de algum deus do mar.

Frac, como um bom marinheiro, conhecia a lenda do Lobisomen. Na maior parte do tempo humano, o lobisomen assumia a sua forma meio-humana e meio-lobo em noites de lua cheia, como esta presenciada a bordo do Marlin Negro. Quando ele se transforma, a besta interior vem à tona fazendo o lobisomen esquecer-se de sua própria identidade, colocando todos à sua volta em perigo. Além disso, Frac conhecia o poder que a prata tinha sobre a criatura.

- Droga Frac, você não escutou o que eu falei? Temos que dar um jeito de derrotá-lo sem matá-lo. Abbadon, você tem alguma ideia?

Antes que o sacerdote pudesse expressar a sua opinião, a criatura pareceu perceber a presença de mais gente a bordo. Talvez seus ouvidos aguçados tenha detectado a conversa ou simplesmente o cheiro deles atraiu o faro do lobisomen, que se virou para encarar os três homens perto das cabines.

- Essa é a nossa última chance de pensar em alguma estratégia! - bradou Raggeti. Ele já tinha uma espada à mão e agora sacara à outra.

A criatura deixou à mostra os caninos afiados e se preparou para avançar.

- Você ficou maluco, contramestre? A única coisa que vai matá-lo é o gume de nossas espadas - disse Raggeti, preparando-se para a investida do monstro.

E o lobisomen avançou de vez. Ele correu como um lobo, apoiado em suas quatro patas, mas ao chegar próximo de Raggeti, ergueu-se para aproveitar de seu tamanho elevado, e golpeou o seu inimigo, deixando a marca de sua garra no no rosto do capitão Raggeti. O contramestre chicoteou a criatura, mas os seus flagelos pararam na pele espessa do lobisomen, sem causar dano efetivamente. Raggeti também atacou, e também acertou a criatura, e o dano de sua espada foi mais potente do que a chicotada de Frac.

Abbadon iniciou alguma reza ao seu deus maligno enquanto a peleja tomava forma.