Ponto de Encontro

DIA 21, 8 horas da manhã

Vocês marcaram de se encontrar às 9h da manhã na saída da UERJ, Maracanã, justamente por estarem no verão. O calor no Rio de Janeiro chegava a temperaturas altíssimas nessa estação e era necessário ficar em um lugar com sombra para aliviar um pouco a sensação térmica, considerando isso, não havia lugar melhor para aguardar do que na pracinha universitária, lá era bem arborizado e sossegado, atualmente conta com fóssil de um dinossauro que ficava no andar da turma de Geografia, realocaram sem explicações para o lado de fora.

André Bruno foi o primeiro a chegar, estava com seus fones de ouvido curtindo Heavy Metal dos anos oitenta nas alturas como se fosse a melhor coisa do mundo, sentado em um banco, simulava com os dedos indicadores a bateria e tentava reproduzir a batida enquanto aguardava seus amigos.

Estava curtindo tanto a música que estava bem distraído, mal sabia ele que alguém o observava a distância, além do André Bruno havia mais ninguém aos arredores, estava sozinho, então essa pessoa se aproxima a passos lentos e frios, André continuava a curtir a música e esquecendo do mundo, o perigo aproximava-se... então o sujeito estranho estava já atrás dele...


– BUUUUU!!!!!!! – André leva um puta de um susto, caindo do banco, ao virar-se, era Alex Nascimento, seu amigão da faculdade, ele não parava de rir da brincadeira de mal gosto, enquanto André estava pé da vida, mas depois passou a gargalhar da palhaçada também.


– Muito engraçado... E aí, viu o filme que te recomendei? – Perguntou André enquanto passava a mão na roupa num gesto de tirar a poeira do chão, – O filme "Da Escuridão"? – questionou Alex, – "Da Escuridão"? Eu não recomendei esse filme... Ah, você está falando do filme "Quando as Luzes se Apagam", muito foda, não é? – Dizia André animado para saber o que ele achou do filme de terror que indicara, – Filmaço, cara! Havia esquecido do nome porque você me falou um monte de filmes para assistir de uma vez! – Alex riu, o André também.


A música dos fones estava alta, Alex brinca – Vai ficar surdo assim! –, seu amigo responde – Música boa tem que ser ouvida no máximo!


Os dois continuavam a conversar sentados no banco enquanto esperavam a galera se juntar, quem iria levá-los até a casa na praia seria o próprio Ricardo M. Silva, "Rick", ele disse que arranjaria uma van para levar todo mundo.

Meio zonzo ainda por ter dormido tarde no dia anterior e ter que acordar cedo, eu trago um copo plástico de café de expresso.

"Vá passear, arejar a cabeça" pensei...

Talvez de fato um passeio pudesse me fazer bem depois de tudo o que houve. O aroma do café e o sabor talvez seja a última coisa nesse dia que vá me animar.
Na mochila além de algumas roupas o livro da peça de teatro "O Rei Amarelo", uma faca e um caderno com caneta.

-Esta falando já de mulher logo cedo? hehe...

DIA 21, 8 horas e 15 minutos da manhã

DIA 21, 8 horas e 25 minutos da manhã

André Bruno e Alex começaram a cochichar entre eles após André maconheiro xavecar a ruiva, ela fala – What's up bitches! Creio que também são convidados do Rick. Sou Lana, prazer em conhecê-los! –, os rapazes se apresentam e depois voltam a cochichar indiscretamente com gargalhadas entre as pausas.


– E ai, do que estão falando? – Pergunta Lana, os rapazes param de cochichar e André Bruno improvisa um assunto – Eh, bem, estávamos falando dos filmes de terror que indiquei para Alex assistir, ele apenas viu Quando as Luzes se Apagam, já viu esse filme?


[...]


Então chega a Mariana, mais uma mulher para o grupo – Oi gente! Aqui é a galera que vai pra praia, né? –, todos acenam que sim e ela volta a falar simpaticamente – Eu sou a Mariana! –, André Bruno e Alex se apresentam, o segundo diz mais ainda – Eu conheço você, já fizemos algumas disciplinas juntos, provavelmente eletivas, não lembro bem, está pronta para a diversão?

Dou outro gole no café segurando a risada quando André Bruno me chama de "Tiozão", há quase uns 20 anos tinhamos apelidado um outro estudante de Tiozão quando eu tinha pouco menos da idade dele, parece que existe Karma.

E com isso perco o tempo de emendar qualquer outra piada porque duas meninas chegam deixando o motivo da zoeira para segundo plano.

-Oi, Mariana, Laura... Prazer em conhece-las. Sou Gláucio... Mas nada de me chamar de "Tio Beto", já basta os outros sobrinhos...

Eu ia continuar falando, mas termino para ouvir palavras sobre Deusas e o povo dos jogos do Changelling e me calo com outro gole de café imaginando aquelas palavras meio bregas. Ainda mais mescladas com comentários estranhos das teorias de Piaget mesclados nelas. Mas parece que André iria fazer uma marcação serrada na garota. Me sentindo meio constrangido com a falta de sutileza da cantada eu tento mudar de assunto para parte técnica.

-Bom saber que o Rick já esta pronto... Sobre a primeira infância eu prefiro mais Vygotsky que Piaget, mas é só eu citar algum nome que viveu na União Soviética que eu sou obrigado a ouvir horas de discursos anti-comunistas por parte do André Bruno...

Giro o café no copo e olho para ele esperando que a turma toda também o faça.

Comento sobre essa questão do desenvolvimento meio que respondendo indiretamente aos comentários da minha já conhecida Morgana, não lhe dirigindo diretamente a palavra mas falando de um tema que eu sabia não existe na área do Direito, para em seguida dizer.

-E gostei de quando as luzes se apagam.

Bebo o que sobrou do café.

-"Cê" tá me pedindo para não dar aulas, mas as vezes você parece mais velho que eu... É verdade, "Corra!" é melhor eu não sei se dá para comentar sem Spoiler para quem não viu...

Procuro um lixo e jogo o copo fora, meio passando quase colado pela Morgana.

DIA 21, 8 horas e 40 minutos da manhã

Já chegara quase todo mundo, faltava o Rick, André Bruno já diria que ele seria pontual e estaria presente às 9h muito provavelmente.


Morgana e Davyd, seu namorado, chegam, ela diz – E aí, pessoal, tranquilo, sou Morgana, amiga de Rick, e esse é meu namorado, Davy. –, todos se apresentam a ela e em menos de uma hora a turma já estava bastante tumultuada com vários papos paralelos acontecendo.


– E aí, do que falavam? – Morgana pergunta para puxar assunto enquanto Davyd nada falava, "estaria tímido?", poderiam pensar.


– Fala Mari e aê beleza, casal, sou o André, mas podem me chamar de Deco para não confundir com o André ali. Bem, estamos falando de filmes de terror, só para constar eu achei o filme Quando as Luzes se Apagam bacana, mas preferi o Corra! Vocês viram? Tem uma levada que seria cômica se não fosse trágica. – O André maconheiro passaria a ser chamado de Deco, a turma começaria a conversar sobre filmes de terror, todos pareciam ter bastante coisa em comum.



[...]



– [...] Sobre a primeira infância eu prefiro mais Vygotsky que Piaget, mas é só eu citar algum nome que viveu na União Soviética que eu sou obrigado a ouvir horas de discursos anticomunistas por parte do André Bruno... – Gláucio provocava André Bruno, ele não poderia deixar de responder – Pois fique sabendo que a teoria de Piaget, e dos outros franceses como Foucault e Deleuze, é tudo furada também e mesmo a URSS teve Maiakovski, que apesar de maior propagandista, escreveu belos versos, então, Tiozão, está enganado... – começa a dar língua e depois acrescenta – Mas, realmente, não dá para falar bem da URSS, mataram Trotsky por discordar... –, Alex interrompe sabendo que falar de política sempre dá treta e volta a falar de filmes de terror – Corra? Puta de um filmaço também, o diretor Jordan Peele acabou de lançar outro filme na mesma linha, "Nós", ainda não vi, mas falam que é o melhor filme do ano...



O tempo passava e nada ainda do Rick chegar, o calor já começava a incomodar mesmo num ambiente arborizado como aquele.


André Bruno estava de camiseta preta da banda Faith No More, calça jeans, carregava uma mochila que tinha o laptop, algumas roupas e um livro de Dostoievski; e Alex Nascimento estava com uma camiseta de manga curta cinza sem estampa e uma bermuda cargo preta, sua mochila tinha apenas roupas e um recarregador portátil.


As pessoas presentes ainda esperavam Davyd falar.

-Até aí, Bruno, Trotsky traiu e matou vários anarquistas na Ucrânia depois de firmar um acordo com eles e lutar ao lado deles contra os monarquistas. Só estou comentando que Vigotsky tem muito a acrescentar sobre o desenvolvimento cerebral... Ele poderia ter trabalhado pra Mussolini, eu só quis dizer que a pesquisa dele poderia inclusive ter sido usada como referência ao que acontece no enredo do filme "Corra!"

Ajeito minha mochila e finjo olhar para o silencioso Davyd enquanto espio a reação de Morgana.

DIA 21, 9 horas da manhã

Finalmente, Davyd falou, sua voz empostada marcara a presença, todos já esperavam que ele dissesse alguma coisa, mas seus olhos de predador poderiam ser explícitos e desconfortáveis demais para algumas pessoas, mas... há pessoas que gostam disso. Ele depois diz mais – Algum de vocês gosta de tiro ao alvo ou de futebol? Quero descansar a cabeça de coisas acadêmicas e praticar meus hobbys, quem sabe até não rola um rpgezinho? –, os rapazes ouvem, André Bruno curtia tiro, mas jogar futebol não jogava desde moleque, não tinha brasilidade no seu sangue mesmo, enquanto Alex Nascimento já logo ficou animado para jogar RPG.


– Que tal eu mestrar "Apocalypse World: a New Begining"? – Disse Alex, o Gláucio sentira que já ouvira falar disso antes, como se já visse essa exata proposta de RPG, "déjà vu?", poderia pensar, essa expressão poderia lembrá-lo de Matrix, quando Neo percebe uma falha no sistema da realidade que se inseria, as vezes Gláucio parecia ser o maconheiro da turma de tão viajado que era, ele volta a si e diz – Não sou bom com tiros, faz tempo que não pratico, mas meu pai foi jogador profissional e me forçava a jogar muito... Eu preferia artes marciais e fugia para aulas de judô depois dos treinos lá em São Bernardo... –, sem dúvida, se tivesse alguém no grupo da ideia hippie "paz e amor" já estaria horrizada com tantas pessoas interessadas em armas de fogo, afinal, armas matam, mas veremos no futuro se armas não serão boas para salvar algumas vidas...


[...]


Vocês conversam um pouco até que o relógio dá 9 horas e ponto, André Bruno comenta – Rick acabou de mandar o Whatsapp, ele chegou, vamos para o lado de fora! –, vocês poderiam pensar o quão pontual era o amigo de vocês.

– Olá, pessoal, vamos entrando? Não temos tempo a perder! – Era Rick no volante esperando vocês entrarem na van Mercedes-Benz, no assento ao lado estava uma loira muito bonita, ela sorri e se apresenta – Oi, eu sou a irmã de Ricardo, chamo-me Bárbara! – sua voz era doce e suave, tinha um belo sorriso e carisma.