Aqueles que observam através do véu

Parece clichê, mas sim, eu posso ver gente morta. Eles falam comigo, e posso responder a eles, mas isso me traz um esgotamento mental intenso. Dependendo da carga emocional, às vezes desmaio e passo dias sem energia para nada. Tocar objetos é como receber uma descarga elétrica; às vezes, é apenas uma vibração, mas quando estive em cemitérios na infância, acabei tendo ataques de pânico. A energia ali é forte, e tudo está impregnado de imagens. Por essa razão, evito frequentar lugares antigos; eles se assemelham a fitas cassetes e, ao entrar nesses espaços, a energia que permeia o mundo material pode trazer consigo cargas pesadas. Essas cargas parecem rebobinar de maneira implacável emoções, visões e coisas que me mantêm acordada por dias. Isso tornou impossível manter relações amorosas; afinal, nenhum homem quer acordar com uma ruiva surtada, ou ameaçando pular da sacada do hotel para escapar de um homem vestido com trajes do período da regência, que insiste que você é a sua "Charlote" amada, ou ter sonhos nada divertidos com um brutamontes tentando estrangular você porque descobriu que foi traído. Além disso, não é nada agradável ser acordado no meio da noite porque a casa parece estar pegando fogo, quando na verdade só eu estou vendo isso.

Sou bem-humorada, debochada e costumo ser arisca quando alguém tenta me provocar. Minha família mora na Califórnia, e tenho irmãos que, assim como meu pai, seguiram a carreira policial. Minha mãe é professora, e eles criam cavalos em um rancho onde montaram um santuário pra animais abandonados.
Não tenho medo de baratas, mas morro de medo de caras grudentos. Talvez devido ao meu dom, tenho o terrível hábito de afugentar os caras que renderiam uma relação na qual eu teria que mostrar quem realmente sou, uma médium que convive com o vai e vem de espíritos perdidos pedindo ajuda.

Sou uma excelente nadadora, gosto de praticar Yoga e me alimento muito bem. Costumo correr duas vezes por semana e estou frequentando uma aula de pintura amadora. Meus quadros são uma mistura de cores que revelam as emoções e sentimentos de todos os espíritos que já ajudei. Faço doações mensais para ONGs e adoro crianças e animais. Escuto quase todo tipo de música, mas geralmente minha playlist flui de acordo com meu humor.

Sobre relacionamentos, meu último rolo sério foi há cinco anos, mas infelizmente o cara acabou sendo assombrado por minha causa, então optei por me afastar dele e ele parece estar bem agora. Acompanho a vida dele de longe e com toda certeza ele está melhor sem mim. Atualmente, tenho noitadas casuais, mas nunca trago nenhum cara para casa. Geralmente, dou um nome falso para eles e vou embora antes que acordem.

"Tica-Tac Miranda…" A voz dela sussurrava geladamente em meu ouvido, enquanto um copo estilhaçava na pia, um alerta que havia tornando-me novamente a ponte entre o mundo dos vivos e dos mortos. "Você precisa ajudar, ou então não partirei…" Relutante, argumentei, "Me deixe em paz... Tenho trabalho amanhã."

"Se me ajudar, não vou mais incomodar você. Caso contrário, sua vida será caótica..."

As luzes piscavam por toda a casa. Suspirando, aceitei o chamado de Anabel, já acostumada com a presença dos espíritos desde a infância. Essa habilidade me permitia tocar objetos que pertenciam a eles e ter flashes de suas vidas, uma conexão única que se somava à capacidade de vê-los e conversar com eles, tornando-me um canal aberto de comunicação.

No dia seguinte, diante de um asilo, segurava um diário com páginas amareladas e uma foto de um charmoso casal dos anos 50, o amado casal Anabel e Noan. Ao tocar os objetos, senti as emoções fluírem por mim, e minha companheira espectral, Anabel, estava ao meu lado. Ela tinha aparecido como todos os outros espíritos ao longo da minha vida. A primeira vez foi quando eu tinha apenas cinco anos, no enterro da tia Emma, uma mulher adorável que fazia as tortas de maçã mais incríveis do mundo. Ela morrera subitamente, deixando para trás um tesouro escondido que ela queria que sua filha herdasse, um conjunto de joias. Adivinhem quem foi encarregada de revelar a localização? Bingo, MIRANDA! Minha família inteira ficou chocada, pois ninguém, exceto a tia Emma, sabia sobre as joias. No entanto, eu fui precisa ao revelar que elas estavam enterradas no jardim, sob um canteiro de rosas-vermelhas.

Outra experiência marcante foi quando eu tinha cerca de 12 anos e um senhorzinho chamado Nick sentou-se ao meu lado na igreja e pediu para entregar um recado a sua esposa, Anna. Ele tinha falecido sem dizer a ela que havia realizado o sonho deles de juventude: comprar uma casa na praia para passarem o final de sua velhice juntos. Nick havia sido atropelado e o documento que comprovaria a compra da casa estava no bolso de seu casaco favorito. Quando encontrei Anna, suas lágrimas de alegria, esperança e amor encheram seus olhos ao ouvir as palavras que Nick me pedira para transmitir.

Essas experiências passaram a ser frequentes em minha vida. Decidi então usar esse dom para escrever livros, e felizmente, tive sucesso. Ganhei dinheiro suficiente para levar uma vida confortável. Claro, havia momentos em que desejava estar sozinha, livre de companhias tanto do mundo dos vivos quanto do além. No entanto, os espíritos sempre encontravam o caminho até mim, e eu não conseguia bloquear essa conexão. E assim, novamente me vi em frente ao asilo, onde deveria entregar um diário a um velhinho chamado Jonh, que passara toda a sua vida esperando por sua amada.

Quando a porta se abriu, a enfermeira acreditou em minha história facilmente, pois os espíritos têm o poder de influenciar o mundo dos vivos. No entanto, isso poderia lhes custar a permanência aqui ou até mesmo gerar problemas. Mas Anabel estava determinada a entregar o diário a Jonh, e quando ele me viu, parecia que já esperava minha chegada. Com cuidado, transmiti a ele todas as mensagens que Anabel me dizia. Seus olhos azuis brilharam com amor, e seu charmoso sorriso encheu o ambiente. Entreguei-lhe a foto enquanto ele folheava o diário, e pensei em como ele foi um homem bonito quando jovem. Jonh e Anabel pareciam um casal perfeito, mas as barreiras sociais os separaram, ela sendo rica e ele pobre. Eles seguiram suas vidas, e embora Jonh tenha se casado e tido filhos e netos, ele nunca esqueceu seu amor por Anabel. Ao pegar a foto, Jonh me olhou novamente e disse com gratidão: "Muito obrigado…"

Um mês depois, ao chegar em casa, vi-a parada na porta da frente, ao lado de seu amado Noan, jovem, forte e bonito como na foto. Ele tinha finalmente cruzado para o outro lado, onde eles ficariam juntos para sempre. Eles desapareceram diante dos meus olhos, e aquela sensação de paz me invadiu. Meu dom ajudava aqueles que não podiam partir, e ainda era meu ganha-pão, permitindo-me publicar meus livros e viver uma vida confortável. Aprendi a lidar com minha habilidade frequentando clubes do oculto, mantendo minha vida discreta aos vinte e cinco anos. No entanto, se me perguntassem se eu queria ter esse dom, trocaria-o por uma vida normal, sem dúvidas.

Vou à editora raramente, mando tudo por e-mail, assino meus livros com pseudônimo e meu agente acha isso um máximo, pois ninguém sabe se“ M.Bishop” É homem ou mulher, velho ou jovem. O charme é o mistério, mas para mim é garantia de não ter gente bizarra na minha porta, lidar com espíritos insistentes é uma coisa, lidar com gente chata é outra.