A chuva e o vento eram implacáveis. Hoje é 4 de outubro e faz pouco mais de uma semana que o outono chegou, mas era quase palpável o frio que chegara com ele. O outono também vinha como um arauto do inverno, um cavaleiro em uma montaria azul e gélida. As ruas de Kuybyshev, porém, estavam tão movimentadas como em qualquer dia de verão; trabalhadores, militares e membros do partido, todos desafiando o frio e a sensação constante de que algo poderia acontecer a qualquer momento, seguindo para seus afazeres diários nessa madrugada gelada de segunda-feira.
Eram dias conturbados. Qualquer um poderia ser preso, enviado para um campo de trabalhos forçados ou assassinado e enterrado numa vala comum. A paranoia de alguns, e talvez do próprio Stalin, era tão palpável quanto o frio, mas ninguém ousava dizer isso em voz alta.
As ordens de Stalin eram claras: prender ou matar contra-revolucionários e inimigos do povo e acabar com todas as atividades antissoviéticas, mas era claro para alguns o que aquilo realmente significava. Stalin queria estabelecer-se no poder de maneira incontestável e seus opositores deram o motivo perfeito para o Secretário Geral Soviético começar a repressão política que se seguia quando assassinaram Sergei Kirov, em dezembro de 1934.
E praticamente todas essas prisões, deportações e assassinatos estão sendo conduzidos pelo NKVD. No ano passado o órgão iniciou o expurgo de lideranças centrais do Partido Comunista, de Bolcheviques que envelheceram demais nos últimos 20 anos e tinham opiniões muito diferentes do governo, de burocratas e dos chefes regionais do partido. Quaisquer políticos soviéticos que se opunham ou criticavam Stalin eram destituídos do cargo e presos ou executados pelo NKVD, que tenta fortalecer o controle sobre os civis através do medo e frequentemente usa prisões, tortura, interrogatórios violentos e execuções para isso.
Alexandr, Katya, Leonid e Nikita partilhavam a companhia uns dos outros na antessala do escritório de Grigori Pavelovich Aganin, chefe do NKVD no Oblast de Kyubyshev e um dos três membros da troika local. Os quatro agentes mantinham-se em completo silêncio, eventualmente se entreolhando e tentando imaginar o que motivava a urgência com que foram convocados na noite anterior. Dois soldados do exército vermelho bateram nas portas de todos eles, por volta das 18h30, com ordens para que eles fossem até o escritório de Kyubyshev na manhã seguinte, pois receberiam do tovarishi capitão ordens para uma nova missão.
Os agentes chegaram com poucos minutos de diferença entre si e esperaram pouco tempo. Logo Irina, uma mulher raramente vista sem seu uniforme militar e o cabelo imaculadamente preso em um coque, veio até a antessala e pediu para que eles a seguissem. Todos cruzaram um pequena sala, quase um corredor, onde havia apenas uma mesa em que Irina trabalhava, e entraram na sala de Aganin depois de passarem por uma porta dupla branca. Irina anunciou os agentes e se retirou, fechando a porta.
Na sala havia armários de metal, uma pequena mesa redonda com três poltronas ao redor, um aparador com algumas garrafas de vodka e copos de vidro decorados com padrões geométricos. Encabeçando a sala estava a mesa de Aganin, feita de madeira maciça, e na parede atrás dela havia um quadro de Vladmir Lenin, um de Joseph Stalin e uma peça de arte soviética celebrando as glórias do estado.
Grigori Pavelovich Aganin era um homem imponente mesmo sentado e sua mesa parece pequena diante dele. Ombros e costas largas, o rosto, especialmente o maxilar, tinha traços firmes e angulares. Um vistoso bigode negro era exibido com orgulho e os olhos estreitos pareciam dois pequenos rebeldes lutando contra o resto do semblante do tovarishi capitão. O uniforme imaculado era justo ao corpo e as botas, os agentes sabiam, perfeitamente polidas. Aganin esperou que Alexandr, Katya, Leonid e Nikita ficassem diante dele, batendo os dedos na mesa enquanto isso e encarando cada um deles com um olhar estreito e reprovador.
– Dobroe utro. – A voz de Aganin era grave e profunda e o cumprimento uma mera formalidade – Cerca de dez horas à sudoeste de Kuybyshev fica Krasivyi Oktabyr, um sovkhoz com cerca de sessenta famílias assentadas em três comunas diferentes. Elas foram estabelecidos há três anos e sempre tiveram um desempenho exemplar. Este ano, porém, Krasivyi Oktabyr-3 apresentou uma queda de produção vertiginosa. De números exelentes em 1935 e 1936 para quase nada este ano e a produção local de linho é vital para o Estado. – Aganin faz uma breve pausa, pega uma pasta de papel cartão pardo da mesa e estendendo-a para os agentes. Katya, a mais próxima, prontamente pega a pasta, o escudo e o martelo cerrados por uma coroa de louros grafados em seu centro. Um relatório padrão estava dentro dele, o papel timbrado com o símbolo do governo.
– Este é o relatório enviado por Boris Gapon, supervisor de produção de Krasivyi Oktabyr-3, e a última forma de comunicação com o sovkhoz. Tem-se tentado entrar em contato com os residentes por telégrafo, mas não houve resposta – Aganin faz outra breve pausa, enquanto Katya corre os olhos pelo relatório e continua quando nota que agente chegou em um ponto crucial – O relatório também diz que uma família, os Kravchuk, fugiram do sovkhoz há quatro meses, na noite de 21 de junho. Vocês, como protetores do Estado, devem viajar para Krasivyi Oktabyr-3, determinar o que aconteceu para que a produção de linho do sovkhoz tenha caído e resolver o problema. Boris Gapon será o seu contato.
Aganin ergue um envelope, também pardo, e o entrega à Katya.
– Este envelope contém uma carta enviada para nós por uma moradora de Krasivyi Oktabyr-3. Seu nome é Galena e ela diz como uma família pode estar sabotando o sovkhoz e ser a responsável pela queda da produção. O outro documento é uma relação dos moradores de Krasivyi Oktabyr-3. Falem com Akim, no depósito, equipem-se e partam ainda hoje. Uma caminhonete GAZ-AA já foi preparada para a viagem.
Aganin encara os quatro agentes, o tom reprovador não tinha sumido de seus olhos. Sua voz ergue-se ainda mais grave e severa, reverberando nas paredes do escritório.
– Fiquem atentos para qualquer atividade antissoviética. O tovarish Primeiro Secretário Lavrentiy Beria está viajando pela Ásia Central avaliando a produtividade de todos os sovkhozi da região. – os agentes sabiam muito bem quem era Beria. Em junho, enquanto os Kravchuk fugiam como covardes, o Primeiro Secretário da Geórgia fazia um discurso onde declarou “que os nossos inimigos saibam que qualquer um que tente levantar a mão contra a vontade do nosso povo, contra a vontade do partido de Lenin e Stalin, será impiedosamente esmagado e destruído.” – Espera-se que ele esteja em Krasivyi Oktabyr em cinco dias. O assunto em questão deve ser esclarecido e resolvido para a glória do Partido e os culpados presos antes que ele chegue. Garanto a vocês que o tovarish Primeiro Secretário se lembrará daqueles que forem úteis ao Estado.
Eram dias conturbados. Qualquer um poderia ser preso, enviado para um campo de trabalhos forçados ou assassinado e enterrado numa vala comum. A paranoia de alguns, e talvez do próprio Stalin, era tão palpável quanto o frio, mas ninguém ousava dizer isso em voz alta.
As ordens de Stalin eram claras: prender ou matar contra-revolucionários e inimigos do povo e acabar com todas as atividades antissoviéticas, mas era claro para alguns o que aquilo realmente significava. Stalin queria estabelecer-se no poder de maneira incontestável e seus opositores deram o motivo perfeito para o Secretário Geral Soviético começar a repressão política que se seguia quando assassinaram Sergei Kirov, em dezembro de 1934.
E praticamente todas essas prisões, deportações e assassinatos estão sendo conduzidos pelo NKVD. No ano passado o órgão iniciou o expurgo de lideranças centrais do Partido Comunista, de Bolcheviques que envelheceram demais nos últimos 20 anos e tinham opiniões muito diferentes do governo, de burocratas e dos chefes regionais do partido. Quaisquer políticos soviéticos que se opunham ou criticavam Stalin eram destituídos do cargo e presos ou executados pelo NKVD, que tenta fortalecer o controle sobre os civis através do medo e frequentemente usa prisões, tortura, interrogatórios violentos e execuções para isso.
Alexandr, Katya, Leonid e Nikita partilhavam a companhia uns dos outros na antessala do escritório de Grigori Pavelovich Aganin, chefe do NKVD no Oblast de Kyubyshev e um dos três membros da troika local. Os quatro agentes mantinham-se em completo silêncio, eventualmente se entreolhando e tentando imaginar o que motivava a urgência com que foram convocados na noite anterior. Dois soldados do exército vermelho bateram nas portas de todos eles, por volta das 18h30, com ordens para que eles fossem até o escritório de Kyubyshev na manhã seguinte, pois receberiam do tovarishi capitão ordens para uma nova missão.
Os agentes chegaram com poucos minutos de diferença entre si e esperaram pouco tempo. Logo Irina, uma mulher raramente vista sem seu uniforme militar e o cabelo imaculadamente preso em um coque, veio até a antessala e pediu para que eles a seguissem. Todos cruzaram um pequena sala, quase um corredor, onde havia apenas uma mesa em que Irina trabalhava, e entraram na sala de Aganin depois de passarem por uma porta dupla branca. Irina anunciou os agentes e se retirou, fechando a porta.
Na sala havia armários de metal, uma pequena mesa redonda com três poltronas ao redor, um aparador com algumas garrafas de vodka e copos de vidro decorados com padrões geométricos. Encabeçando a sala estava a mesa de Aganin, feita de madeira maciça, e na parede atrás dela havia um quadro de Vladmir Lenin, um de Joseph Stalin e uma peça de arte soviética celebrando as glórias do estado.
Grigori Pavelovich Aganin era um homem imponente mesmo sentado e sua mesa parece pequena diante dele. Ombros e costas largas, o rosto, especialmente o maxilar, tinha traços firmes e angulares. Um vistoso bigode negro era exibido com orgulho e os olhos estreitos pareciam dois pequenos rebeldes lutando contra o resto do semblante do tovarishi capitão. O uniforme imaculado era justo ao corpo e as botas, os agentes sabiam, perfeitamente polidas. Aganin esperou que Alexandr, Katya, Leonid e Nikita ficassem diante dele, batendo os dedos na mesa enquanto isso e encarando cada um deles com um olhar estreito e reprovador.
– Dobroe utro. – A voz de Aganin era grave e profunda e o cumprimento uma mera formalidade – Cerca de dez horas à sudoeste de Kuybyshev fica Krasivyi Oktabyr, um sovkhoz com cerca de sessenta famílias assentadas em três comunas diferentes. Elas foram estabelecidos há três anos e sempre tiveram um desempenho exemplar. Este ano, porém, Krasivyi Oktabyr-3 apresentou uma queda de produção vertiginosa. De números exelentes em 1935 e 1936 para quase nada este ano e a produção local de linho é vital para o Estado. – Aganin faz uma breve pausa, pega uma pasta de papel cartão pardo da mesa e estendendo-a para os agentes. Katya, a mais próxima, prontamente pega a pasta, o escudo e o martelo cerrados por uma coroa de louros grafados em seu centro. Um relatório padrão estava dentro dele, o papel timbrado com o símbolo do governo.
– Este é o relatório enviado por Boris Gapon, supervisor de produção de Krasivyi Oktabyr-3, e a última forma de comunicação com o sovkhoz. Tem-se tentado entrar em contato com os residentes por telégrafo, mas não houve resposta – Aganin faz outra breve pausa, enquanto Katya corre os olhos pelo relatório e continua quando nota que agente chegou em um ponto crucial – O relatório também diz que uma família, os Kravchuk, fugiram do sovkhoz há quatro meses, na noite de 21 de junho. Vocês, como protetores do Estado, devem viajar para Krasivyi Oktabyr-3, determinar o que aconteceu para que a produção de linho do sovkhoz tenha caído e resolver o problema. Boris Gapon será o seu contato.
Aganin ergue um envelope, também pardo, e o entrega à Katya.
– Este envelope contém uma carta enviada para nós por uma moradora de Krasivyi Oktabyr-3. Seu nome é Galena e ela diz como uma família pode estar sabotando o sovkhoz e ser a responsável pela queda da produção. O outro documento é uma relação dos moradores de Krasivyi Oktabyr-3. Falem com Akim, no depósito, equipem-se e partam ainda hoje. Uma caminhonete GAZ-AA já foi preparada para a viagem.
Aganin encara os quatro agentes, o tom reprovador não tinha sumido de seus olhos. Sua voz ergue-se ainda mais grave e severa, reverberando nas paredes do escritório.
– Fiquem atentos para qualquer atividade antissoviética. O tovarish Primeiro Secretário Lavrentiy Beria está viajando pela Ásia Central avaliando a produtividade de todos os sovkhozi da região. – os agentes sabiam muito bem quem era Beria. Em junho, enquanto os Kravchuk fugiam como covardes, o Primeiro Secretário da Geórgia fazia um discurso onde declarou “que os nossos inimigos saibam que qualquer um que tente levantar a mão contra a vontade do nosso povo, contra a vontade do partido de Lenin e Stalin, será impiedosamente esmagado e destruído.” – Espera-se que ele esteja em Krasivyi Oktabyr em cinco dias. O assunto em questão deve ser esclarecido e resolvido para a glória do Partido e os culpados presos antes que ele chegue. Garanto a vocês que o tovarish Primeiro Secretário se lembrará daqueles que forem úteis ao Estado.