por Soviet Ter Jul 07, 2015 11:31 pm
O Desertor riu quando Nasri disse que Wilmær mereceu o seu ataque. O tom do druida permanecia o mesmo, o que tornava a conversa mais estranha do que já era.
- Você pode supor que sua amnésia tem a ver com seus poderes, mas eu não disse isso. Eu apenas expliquei o que acredito que você seja, e repito que não tenho certeza sobre isso, é apenas um palpite - O Desertor levanta, fazendo uma breve reverência à Nasri - Agora preciso me retirar. Você disse que não tem fome, mas coma e beba se desejar. Você não será mais mal-tratada e não terá motivo para atacar meus homens. Eles lhe mostrarão aonde você dormirá essa noite.
O Desertor se vira e some entre as árvores, logo desaparecendo na escuridão da noite. Nasri não sabia muito bem o que fazer. A mulher tenta comer algo, mas fica apenas revirando a comida com o garfo, e não sentia a menor vontade de beber nada. Nasri se levanta e imediatamente um dos asseclas se aproxima dela, segurando levemente em suas costas e guiando a humana pela floresta. Não caminharam nem quinze minutos e chegaram à uma espécie de vila com casas construídas de forma que nenhuma árvore precisasse ser derrubada, portanto cada casa tinha seu próprio formato e tamanho, e nenhuma era especialmente grande. Nasri foi conduzida até a mais central delas. O interior era extremamente simples, não tendo nada além de uma cama com um colchão de penas, uma mesa e sobre ela uma garrafa com água e um cesto trançado com frutas de outono. Havia uma janela, mas ela estava trancada e Nasri não via a chave em lugar algum, é claro. Os asseclas do Desertor saíram sem dizer nada e trancaram a porta, deixando Nasri sozinha.
Aghna entendeu o silêncio de Anahera e depois que lhe trouxe comida e bebida, chamou o garoto e deixou o quarto, fechando a porta atrás dela. A feiticeira deita novamente depois de comer e se enfia debaixo das peles, deixando-se levar rapidamente pelo sono. Inevitavelmente, sonhou com o turbilhão de memórias que acabara de devastar sua mente. Uma mulher muito idosa caminhava por uma floresta silenciosa, e depois de passar por um carvalho ancião, a menina estava em uma casa no meio do deserto. Quando abriu a porta para fugir, a jovem deu de cara com uma construção baixa de pedra cercada por dezenas de árvores. O vento cobria a grama com areia, mas os pés descalços da jovem não se incomodavam mais. As pedras pulsavam e não havia mais chão, apenas escuridão. A menina caminhou para dentro da construção.
Aquele campo era incrivelmente belo, florido, plano, colorido. O sol brilhava forte no céu, mas a jovem não sentia seu calor. Havia apenas uma árvore enorme em todo o campo e dezenas de pequenos arbustos, e uma multidão com rostos familiares carregavam o corpo de uma idosa trajada com vestes verdes e brancas e uma coroa de flores decoravam sua cabeça e seu cabelo estava sobre o peito em uma longa trança branca. As pessoas cantavam, mas a jovem não ouvia nada. Quando a comitiva chegou até uma pira, colocou o corpo da idosa sobre ele e com algumas tochas, ateou fogo na madeira e na carne. A menina ficou desesperada, mas não conseguia fazer nada. Quando ela começou a chorar, olhou para baixo e a idosa viu que carregava um bebê recém-nascido. Era uma menina, e um homem estava ao lado da jovem. Ele era alto, tinha um belo rosto e expressões sérias, quase tristes. O chão de pedra frio era áspero e uma gota ecoava, ritmada e constante. A menina passava o dedo lambuzado de tinta vermelha por todo o corpo da criança e entoava alguma palavra enquanto fazia isso.
Anahera acordou quando ainda estava escuro, mas o frio era mais intenso do que quando a feiticeira adormeceu. A casa estava em silêncio e o prato de comida ainda estava aonde Anahera o deixou, indicando que nem Aghna ou o garoto entraram aqui depois de terem deixado a feiticeira a sós. Anahera puxou as peles para mais perto do corpo, e olhou para o teto. Não conseguia enxergar muito, apenas os sulcos aonde uma tábua de madeira se encontrava com a outra. Uma coruja surgiu do lado de fora e seu piar distante quebrou o silêncio. A garota tentou dormir de novo, mas tudo o que conseguiu foi revirar de um lado para outro. Por instinto, pensou em onde poderia estar e como tinha chegado ali, e todas as lembranças estavam claras como um cristal. Provavelmente já devia ser madrugada e Anahera não conseguiria mais dormir.