Nascido de uma família rica, ninguém esperaria que Cyrus Leghorian se tornasse o homem sem escrúpulos que é hoje. Mas o destino não sorriu para ele mais do que sorriria para alguém de nascimento pobre.
Seus pais foram brutalmente assassinados numa noite tempestuosa do inverno, e o jovem Cyrus, na época com 12 anos, se viu escondido embaixo de um móvel assistindo ao horror da cena sem nada poder fazer. Os assassinos mascarados sabiam que o casal que eles acabaram de matar possuía um filho e gritaram que iriam voltar para pegá-lo.
Os pais do garoto eram mercadores e viviam mudando de uma cidade para outra. Sendo assim, o jovem Leghorian não possuía nenhum outro parente na cidade em que se encontrava naquele momento e nem conhecia alguém de confiança para que pudesse pedir abrigo. Na manhã seguinte Cyrus tratou de, com o pouco dinheiro que conseguira levar consigo de sua antiga casa, pagar passagens numa caravana que seguia rumo a próxima cidade.
Chegando ao seu destino, Cyrus maravilhou-se à primeira vista ao ver a quantidade de garotos de rua que andava para lá e para cá. A cidade era grande, com ruas largas e altos palácios. O Mercado Central era movimentado, e era lá que havia o maior número de crianças. Mas ele não foi bem recepcionado pelas outras crianças como esperara, pois elas reviravam os olhos só de ver as roupas finas que o jovem Leghorian carregava em seu corpo desde o dia do assassinato.
Ele tentou insistentemente aproximar-se das outras crianças e foi ganhando a confiança delas aos poucos. E aos poucos também foi aprendendo os seus modos e o seu estilo de vida. A guarda da cidade era defasada, e com o mercado sempre cheio, era lá o alvo preferido das crianças para roubar uma fruta ou uma comida qualquer para a sua auto-sobrevivência.
Cyrus se adaptou mais rápido do que esperara nas ruas da cidade e começou a pegar gosto naquilo. Ele tinha um dom, afinal de contas. Com o seu corpo leve e agilidade natural, nunca ninguém chegava sequer perto de pegá-lo. E dentre as crianças que fizera amizade, ele era o mais capacitado, o que com o tempo o fez se tornar uma espécie de líder não-proclamado.
A sua vida de roubos no Mercado Central durou até ele fazer 16 anos, quando já não era mais criança e tinha uma compreensão muito melhor do mundo. Foi nesta idade que ele começou a especular sobre os motivos de alguém ter enviado os assassinos naquela fatídica noite para executar os seus pais. Ele pensou em várias possibilidades, mas nenhuma que houvesse algo concreto. Mas com a maturidade acima dos padrões e a autoconfiança elevada às nuvens, Cyrus Leghorian iria tratar de descobrir a resposta para a sua pergunta. Mas não agora. Não, ele precisava de mais experiência.
Abandonando os garotos, que agora não eram mais garotos, Cyrus decidiu aventurar-se sozinho pela grande cidade. Ele não mais roubava apenas para se sobreviver, mas agora roubava como um simples hobby. Não perdia a oportunidade de surrupiar uma algibeira ou uma jóia.
Aos 20 anos, Cyrus conheceu a Guilda dos Olhos Soturnos. Uma guilda de ladrões especializados e que tinham muitos ensinamentos a oferecer à sua carreira. Foi lá que Cyrus aprendeu as técnicas sutis e refinadas dos ninjas, e passou os próximos anos fazendo serviços para a guilda.
Numa de suas missões, ele adentrou a casa de um mercador rico para roubar alguns de seus pertences. Num dos báus, Cyrus percebeu que havia algo a mais no fundo, logo abaixo do amontoado de jóias. Ele vasculhou e retirou uma espécie de capa. Era verde e tinha adornado um enorme olho de cobra. Cyrus achou-a bonita e não perderia a oportunidade de ficar com ela. Mas sem tempo para verificar melhor a capa, ele escondeu-a e voltou para a guilda com o saco de objetos prometidos.
Após ter falado com os seus superiores sobre a missão bem-sucedida, Cyrus foi para o seu quarto admirar a sua nova aquisição. Ao vestir a capa, ele de imediato percebeu uma sensação estranha percorrer-lhe o corpo. Talvez a capa fosse mágica. Ele passou a próxima semana inteira tentando desvendar os segredos dela, e sempre que fazia uma espécie de briga particular parecia ocorrer. Cyrus tinha que domar a fera por trás do segredo da capa, e com o tempo foi tendo êxito, até que finalmente ele conseguiu usar o seu poder. Com uma concentração além do padrão, Cyrus ativou o poder da capa e percebeu com horror o seu corpo mudando de forma. Ele havia se transformado numa cobra, uma cobra gigantesca e venenosa. Suas faculdades mentais permaneciam, o que era um alívio, e não deu nem um minuto quando retornou à sua forma original.
Leghorian não sabia bem o porquê, mas manteve a capa oculta para si mesmo. Talvez não quisesse que alguém da própria guilda lhe tomasse este precioso item. E ele passou a levar a capa consigo para suas missões. Com o crescimento de Cyrus na guilda, foi-lhe atribuídas missões mais perigosas e arriscadas, como levar um alvo para um beco sombrio e assassiná-lo. A princípio ele reprovou a idéia de matar, mas depois pensou que se quisesse enfrentar os assassinos de seus pais, teria que aprender estes duros métodos.
Mas o seu lado mais obscuro ainda estava para nascer, quando resolveu a utilizar sua capa na brincadeira. Ele arrastava sua vítima para o beco e transforma-se numa enorme víbora, estrangulando ao mesmo tempo em que deixava o veneno de sua mordida percorrer o corpo de seu alvo. Ele passou-se a se chamar de A Víbora desde então, embora nunca tivesse relevado o poder de sua capa para os membros da guilda.
Num determinado dia, quando um mendigo da rua veio lhe pedir uma peça de cobre, Cyrus retirou sua faca sabe-se-lá-de-onde e cortou-lhe a garganta. Ele passou realmente a apreciar a matança, e seu estágio de aprendizado havia acabado. Daquele garoto que fugira amedrontado de uma cidade à outra, nada restou. Agora era um homem que matava por prazer e sem remorsos, mas com ainda uma última missão pela frente: Descobrir os assassinos de seus pais e dar a eles uma morte lenta e dolorosa. Estava na hora de Cyrus Leghorian, a Víbora, voltar à cidade onde tudo começara.