Vento Divino

Quando Jhun conta a respeito da sua bebedeira, o velho ancião dá risadas roucas, logo sufocadas por tosses guturais. Mas o acesso de tosse não parece diminuir o bom humor do ancião, que sorri mesmo enquanto tosse. Provavelmente, a noite de sexo e bebedeira de Jhun durante uma viagem para a capital imperial tenha despertado no antigo senhor lembranças de sua própria juventude. O senhor limpou a boca com um lenço, e tragou o cachimbo, com os olhos abertos fixos em um ponto distante, como se vasculhasse sua memória pelas informações pedidas por Jhun.

-"Era uma moça bastante bonita, se o senhor me permite o atrevimento. Pelas roupas, estava de viagem. Não me surpreende, já que todos aqui basicamente estão de viagem. Nossa pequena vila tem seus encantos típicos da montanha, mas ainda somos apenas um ponto de parada para viajantes cansados rumo à capital imperial. Chamou-me muito a atenção a cor dos olhos da moça. Eu não sabia que olhos poderiam ser tão verdes. Ela não parecia ser daqui."- o ancião falava com o cachimbo na mão, e aponto o objeto para Jhun quando lembrou-se dos olhos verdes da moça.

Quando Jhun o interpela a respeito da tinturaria, o velho homem dá de ombros e pede desculpas. Ele lembra ao Shinobi que o vilarejo é muito pequeno. Basicamente é apenas uma parada no caminho para a cidade, e que não vai encontrar ali serviços de tinturaria. Mas informa que pode encontrar tranquilamente tais serviços na cidade, e que como está de carruagem, pode chegar em poucas horas.

Jhun ainda conversava com o velho quando o som do apito do cocheiro chamou sua atenção. A carruagem estava de partida.

Aquilo não podia ser uma mera coincidência... Olhos verdes não eram nada comuns no Japão... na verdade eram uma coisa extremamente rara que não fosse em um estrangeiro. Isso somado ao descritivo de beleza impar, só poderia significar uma coisa: Nanami. A tigresa o havia seguido até ali e o que mais intrigada Jhun era: por quê?

Ele agradeceu ao homem e pagou-lhe o que devia. Ouviu o apito da carruagem anunciando que iriam partir logo. Jhun sabia que a missao estava em risco, mas algo em seu coração martelada com forca... O que a Tigresa poderia querer?

Por mais que fosse um Shinobi, o simples pronunciamento de Nanami mexia com ele. Possivelmente foi ela quem colocou o bilhete em sua porta, passando pelo sistema de segurança que ele fez... afinal, foi treinada pelo mesmo mestre, então conhecia os mesmos truques.

Jhun colocou um casaco largo e um chapéu de palha... coisas fáceis de serem retiradas. Então, ele caminhou até a carruagem r entrou nela. Porém, assim que entrou, fechou as cortinas, tirou o casaco e o chapéu e saiu furtivamente pela outra porta da carruagem. Estava sem chapéu e sem casaco, com uma aparência diferente, pois soltou o cabelo... quem quer que tivesse o visto entrando na carruagem, talvez não suspeitasse que ele era o homem que saia pela outra porta. Ele caminharia ate o outro lado da rua, abaixaria, acenderia um cachimbo e observaria qualquer pessoa suspeita entrar ou seguir a carruagem. Talvez agora o perseguidor se manifestasse.

Haviam cinco pessoas na carruagem além de Jhun, quatro homens e uma mulher. Todos vestiam-se com quimonos refinados, dando a impressão de que pertenciam à classes elevadas. Dois dos homens aparentavam ter mais idade. Um era careca, parecia estar na casa dos sessenta anos. Um cavanhaque branco ornava-lhe a face. O outro era um homem de aparência ocidental. Tinha os cabelos grisalhos todos penteados para trás, olhos castanhos grandes e o rosto bem barbeado. Suas roupas eram tipicamente ocidentais. Terno, gravata e paletó. Trazia um chapéu coco nas mãos. Estava acompanhado de um samurai corpulento. Tinha a constituição sólida e era bem alto, trajava um quimono marrom pomposo, provavelmente estaria sob serviço de um importante senhor. O ocidental falava um japonês impecável, porque a mulher conversava bastante com ele durante todo o trajeto. Ela era bonita, trajava um quimono rosa e azul, e tinha o cabelo negro enfeitado por flores preso em um coque. Deveria ter pouco mais de trinta anos, e tinha um sotaque proeminente de Aizu. Jhun pensou que a maquiagem da moça era um pouco mais pesada do que convinha a uma dama da sociedade, mas não tão pesada que ela pudesse ser confundida com uma Geisha.

Todos ficaram em pé de lado da carruagem, enquanto o cocheiro soprava o apito e olhava em volta, procurando o ausente. Mais ninguém se aproximou da carruagem durante o período de espera.

"Droga", pensou Jhun. Ou o perseguidor era muito esperto, ou ele não estava na área. De toda maneira, agora não haveria como saber. Porém, se a carruagem partisse, ou o perseguidor seria despistado, ou ele teria de se revelar... Então, Jhun manteve-se encostado numa parede, longe de uma porta ou janela, garantindo que não pudesse ser pego de costas por alguém.... e deixaria que a carruagem partisse.

Manteve a kunai escondida na mão, para caso fosse necessário e observaria todos, inclusive qualquer manifestação estranha dentro da carruagem.

O cocheiro soprou o apito mais algumas vezes e coçou atrás da cabeça. Olhava em volta, mas não encontrava o cliente desaparecido. Ele tinha certeza de tê-lo visto entrando na carruagem, mas quando ele saíra novamente o cocheiro imaginara que tivesse esquecido algo e ido buscar. Mas logo os outros passageiros começaram a reclamar com o cocheiro da demora em partir. A mulher foi particularmente enfática nas suas reclamações, e o cocheiro fazia pedidos constrangidos de desculpas. O cavalheiro ocidental e o samurai brutamontes pareciam alheios à confusão. O grande samurai se limitou a perguntar ao cocheiro se ainda demorariam a partir e deu de ombros diante da negativa deste. O cavalheiro ocidental apenas olhou em volta sem falar nada. O careca irritou-se e se uniu à mulher nas críticas enfáticas à demora do cocheiro, e então este não teve escolha além de anunciar a partida.
A mulher e o careca entraram primeiro, apressadamente. O samurai brutamontes disse algo ao cavalheiro, e então entrou. O cavalheiro percorreu os arredores com os olhos uma ultima vez, e em seguida entrou na carruagem. O cocheiro estalou o chicote e os cavalos retomaram seu trote lento descendo a rua pavimentada da Nakasendo, rumo à Kyoto.

Jun observou a carruagem se afastando, mas antes que ela pudesse ficar distante demais, notou que alguém (não pôde ter certeza de quem) abrira uma das janelas e soltara um pombo. Provavelmente, era seu perseguidor enviando um pombo correio relatando aos seus empregadores que havia sido despistado.

Então seu perseguidor estava realmente dentro da carruagem... afinal, quem mais solitária um pombo de uma janela?
Porém.. .. quem o teria avisado? Nanami era a opção mais óbvia, entretanto ele não chegou onde chegou fazendo especulações. O líder do clã confiava em Jhun e seus instintos e ele também deveria confiar.

Daquelas pessoas todas na carruagem, os mais óbvios eram o cavalheiro e o samurai.... possivelmente os dois, tendo em vista que samurais quando não tinham mestres vendiam o seu serviço como guarda costas. Talvez o homem tenha dito que Jhun sumiu e mandado ele enviar o pombo correio.

Jhun voltou e entrou em outra hospedaria diferente da que ficou. Pediu chá e iria aguardar que outra carruagem partisse para o seu destino. Estava numa mesa de canto e tentou ficar encoberto pelas sombras e longe da iluminação natural ou não.

Enquanto desfrutava seu chá, aguardou pra ver se alguém entraria na hospedaria e quem...

Haveria uma próxima carruagem ao meio dia, conforme lhe informou o proprietário da hospedagem. Jun teria algum tempo para observar os arredores e verificar se algo estaria errado. Porém, conforme as horas se passaram e o sol avançou até o seu apogeu, o jovem shinobi não notou nenhum tipo de movimentação fora do comum. Aldeões iam e vinham, cuidando de suas plantações e seus negócios. Viajantes passavam aos montes, tanto descendo a estrada rumo à Kyoto e Osaka, quanto subindo em direção a Edo. A vasta maioria se deslocava à pé, embora fossem comum carroças aqui e ali. Com nenhuma movimentação anormal, Jun teve a confirmação de que despistara seu perseguidor, quem quer que fosse ele. Assim, decidiu retomar a sua viagem o mais rápido possível, rumo à Kyoto. Assim, embarcou na carruagem com destino à capital imperial. Teve de gastar suas ultimas reservas financeiras para garantir a passagem. Ao chegar na cidade, precisaria encontrar urgentemente uma forma de ganhar dinheiro. Porém, deu prioridade à velocidade de deslocamento, e por isso embarcou na carruagem.

Pouco mais de cinco horas depois, Jhun chegara ao seu destino na capital. Agora, precisaria se hospedar na Ikeda-ya, como eram suas ordens. Porém, para isso, precisaria encontrar uma forma de obter dinheiro.

Com a certeza de que despistou seu perseguidor, Jhun podia respirar aliviado. Entao, esperou sua nova carroça e entao seguiu viagem para a capital.

Quando chegou la, sabia que iria precisar de dinheiro para se hospedar. Maldita hora em que saiu com o dinheiro contado. Bem... hospedar-se poderia significar duas coisas... a primeira era que quem o estivesse seguindo teria melhores chances de encontrá-lo.. . E a segunda era que ganhar dinheiro iria tomar um bom tempo e também torná-lo visível por este tempo e, por consequência, um alvo. Era melhor improvisar.. .

Jhun iria ficar nas proximidades da estalagem disfarçado e encoberto pelo seu capuz e pelas sombras... iria ficar de olho se via qualquer um dos membros que estavam na carruagem anterior e, se o visse... iria observar suas atitudes e talvez até segui-lo averiguado antes se era seguro...

Por fim, Jhun iria improvisar um quarto. Quando a noite caísse, ele iria escalar a estalagem e ouvir e observar pelas frestas da janela quais quartos estavam ocupados e quais não. Então, arrombaria a janela de um quarto desocupado usando suas ferramentas, calçaria a porta do quarto c uma cadeira, colocando algum objeto sobre a maçaneta q caísse se alguém tentasse girar ela o acordando... tendo tempo de fugir até que conseguissem abrir a porta com a cadeira...

Este era seu plano pra passar a noite.

Jhun não encontrou dificuldades em executar seu plano. Por mais que as opulentas Ryokan fossem um luxo pelo qual ele não pudesse pagar, a vilazinha ainda era apenas um ponto de parada na principal rota comercial do país. Então, haviam muitas pessoas que viajavam nela que não possuíam os recursos necessários para se hospedar. Era comum a presença de viajantes passando a noite em dormitórios coletivos baratos, ou mesmo acampando à beira da estrada. Jhun pôde perceber que havia alguns homens do Shinsengumi patrulhando as ruas, e impedindo que as pessoas mais simples se aproximassem demais dos pontos de interesse mais frequentados por gente abastada. Os lobos patrulhavam as ruas em duplas, e Jhun pôde notar que carregavam apitos em cordões. Provavelmente, havia uma guarnição próxima.

Passou dois dias disfarçado entre os andantes mais humildes. Descobriu que a solidariedade entre os comuns era grande, e as pessoas partilhavam de bom grado sua água e comida. Felizmente, o tempo estava seco e não havia chuva a vista. Durante a noite, Jhun podia optar dormir ao lado de uma fogueira, sob o céu estrelado. Caso a noite ficasse fria demais, sempre haveria a opção de se esgueirar para dentro do quarto de uma das hospedarias do local. Poderia pagar por estadia em um dos dormitórios coletivos, mas talvez fosse inteligente economizar para emergências ou para concentrar seus recursos em comida.

Uma noite, Jhun caminhava oculto por entre a multidão próximo ao Ryokan mais luxuoso do local, quando viu ninguém menos que Nanami caminhando na rua. Os olhos treinados de Jhun imediatamente percorreram os arredores e encontraram ao menos seis outros shinobi de seu clã, fazendo a proteção da Jounin. Um de seus irmãos, Haruo, caminhava a pouco mais de dois metros de distância da moça, trajando roupas ocidentais que Jhun sabia se chamar "fraque". A bengala que ele portava com toda a certeza era um Shikomizue¹. Estavam preparados para problemas.

Nanami ergueu o queixo, fitando a multidão, e os olhos verdes da morena encontraram os de Jhun, que a observava ao longe. A moça sorriu levemente e Jhun percebeu que fora reconhecido. Nanami prosseguiu seu caminho e entrou em um restaurante que ficava do outro lado da rua.

Notas:

Jhun se solidarizava também com os comuns. Ele aceitava a comida que lhe ofereciam e também partilhava o que tivesse, com exceção do dinheiro escasso, que escondia muito bem.

Ao passar as noites ao relento, ele tirava boas horas para contemplar as estrelas e pensar nos cabelos negros de Nanami e em seu rosto angelical e mortal. Depois disso, caía no sono, levantando com os poucos raios de Sol que batiam em seu rosto através das frestas das copas das árvores.

Jhun então estava caminhando, quando observou que Nanami estava ali... e ela também o viu. O que ela estava fazendo ali era um mistério... Jhun poderia apenas supor que ela ou o clã não confiavam nele para concluir a missão... o que seria uma desonra para ele. Ele percebeu que a bela entrava em um restaurante e ali ficara. Mantendo-se ainda anônimo, ele entrou no restaurante como uma pessoa comum.... identificou em qual mesa a moça estava e aproximou-se.

Falou baixo...

- Não esperava te reencontrar tão cedo... Quem é seu amigo?

Nanami esteve sentada junto ao estranho durante pouco tempo. Jhun pôde sentir o ciúme arranhar um pouco suas entranhas ao vê-la expor sua beleza daquele jeito, mas sabia que ela era uma kunoichi. E, como tal, usar sua beleza para confundir e distrair era parte do trabalho. O ninja não poderia interromper a conversa, então aguardou até que a moça fosse embora, o que não demorou muito. Nanami logo saiu do restaurante, como todos os olhos acompanhando o movimento sinuoso de seus quadris. Teria de esperar mais um pouco.

Logo a moça alcançou a rua principal, com o shinobi em seu encalço. O homem que estava na escolta da moça reconheceu Jhun e o cumprimentou com um aceno de cabeça, permitindo que ele se aproximasse.

scorpion escreveu:- Não esperava te reencontrar tão cedo... Quem é seu amigo?

A morena sorriu com os seus lábios pintados de vermelho, mas não se virou para encarar o rapaz. Seguiu andando em meio às pessoas da rua, com Jhun a pouco mais de dois passos atrás de si, podiam conversar brevemente e se manter incógnitos. Se esconder à vista de todos, especialidade de Nanami.

-"Amigo? Não. Um associado com objetivos em comum. Porém, houve um problema. Um clã shinobi está protegendo o alvo. Você deve se reunir com o nosso associado e trabalhar junto dele para eliminar o alvo. Nós daremos apoio. Vá para a hospedaria na saída do povoado, lá você irá encontrar tudo o que precisa. E não esqueça de levar nosso amigo com você."

Jhun saiu e foi acompanhando o caminhar da bela morena pela rua. Ser reconhecido pelo membro de seu clã fez com que ele acabasse com a cabeça para mostrar que também o reconheceu.

Quando Nanami falou Aquilo, Jhun não gostou muito...

- Esse não era o plano. Eu preferia trabalhar sozinho...

Mas o alvo estar protegido por um outro clã também não estava nos planos... então ele teria que se adaptar ao ambiente e não remar contra a má.

- Vai ser difícil confiar minha vida e a missão a um homem que eu não sei nada. Algo que você queira me dizer sobre ele?

Ele aguardaria a resposta e depois se despediria dela apenas acenando com a cabeça.. . Então, partiria para o local de encontro o mais incógnito possível.. .

-"É um Hitokiri a serviço dos monarquistas. É muito difícil obter informação real a respeito desses homens, porque geralmente todo registro sobre eles é destruído, se é que já existiram algum dia. Ele não é um Shinobi como nós, mas é um braço forte. Deixe o extermínio do alvo por conta dele, a sua função é só abrir caminho. Você não deve ter dificuldades em trabalhar junto dele, se conseguir engolir um pouco esse ego enorme."- Jhun não conseguia ver o rosto de Nanami, mas era capaz de imaginar com riqueza de detalhes o sorriso zombeteiro que provavelmente a morena carregava nos lábios agora.

Jhun tinha uma escolha a fazer pela frente. O Velho não costumava implicar com os métodos utilizados, desde que o resultado final da missão fosse atingido. O shinobi poderia cooperar diretamente junto do Hitokiri para ajudá-lo a eliminar seu alvo, também poderia auxiliá-lo indiretamente, sem fazer contato expresso. Ou poderia ignorar completamente a ordem de auxiliar o samurai e ele mesmo pôr fim a vida do alvo sem ajuda de ninguém.

Apesar da provocação de Nanami e de tudo, não era uma questao de ego, mas sim de que nao podia confiar em alguem que nao fosse do cla para completar uma missao do cla.

- Eu não estou gostando disso, Nanami... e também não confio nessa figura. Sinceramente não acho que preciso da ajuda de um de fora do cla.

Ele sabia que Nanami não concordaria com isso, mas Jhun não chegou onde chegou confiando cegamente em qualquer um. Os interesses do homem estavam escusos.

- Se você acha que eu preciso desse forasteiro pra completar a missão, então você está muito enganada. Eu eliminarei o alvo sozinho.

Então, ele aguardou o que ela diria e se distanciou...