O castelo da Rainha Negra

- O que eu quero é uma vantagem. - a minha resposta saiu sem rodeio algum - Chloe, nós somos todos loucos, uns mais outros menos, a diferença de nós pra eles é que o juramento da lua nos impede de caçar humanos pela carne e nos recruta pra proteger os dois mundos de se chocarem. - Até aí eu não dizia novidade nenhuma, mas não era esse o ponto. - Em troca ela mesmo nos protege da influência de coisas piores, ainda mais incompreensíveis e alienígena que ela própria, graças a ela e os primordiais que decidiram ficar ao lado dela e não menos importante graças aos Ithaeur sangrando e caçando do outro lado do dromo, apontando as fraquezas das nossas presas. - ainda assim meu argumento não estava finalizado, como sempre minha paciência pra aquelas coisas era sempre de um professor ou quase isso, mas sempre o melhor que eu podia ser. - Nem todos eles no entanto são canibais, loucos varridos, tomados por ideologias alienígenas ou pactos pavorosos, muitos deles ainda são pessoas, mais pessoa do que uratha, talvez eu pudesse raptar alguém, alguém importante o bastante pra eles pensarem duas vezes em atacar, ou alguém importante o bastante pra fazer você ter uma desculpa boa pra me entregar e passar o caminho que Nestor quer pra eles, que eles vão acreditar ser o certo, uma prima, sua mãe, irmãos… Você sabe que eu nunca mataria alguém sem um bom motivo pra considerar ela presa, sem que fosse um risco, mas eles não sabem… Lembra, alguma coisa fora da vida uratha… - Eu repetia as palavras de Nestor…

Meu olhar vai escorregando em direção a Chloe - Talvez eu nem precise fazer isso, talvez a gente já tenha o trunfo que precisa, o quão de verdade eles querem seu primo de volta e o quão bem tu consegue mentir? Uma foto do seu primo amarrado, bem maquiado parecendo todo surrado pode ser o trunfo que a gente precisa, a foto precisa ser ruim, crível, mas não ruim o bastante pra eles não reconhecerem ele. Tu pode dizer que ele tá sendo torturado por informação, e que tu tá com medo que ele enlouqueça ou morra em breve, diz que você quer que a guerra acabe logo, só quer sair viva, quer que seu primo viva e eles também, parecer desesperada é uma ótima isca, isso não quer dizer que eles vão deixar a retaguarda deles desprotegida, mas deixa que o resto da gente cuida disso na hora que a merda explodir, o que acha? - o plano parecia bom, sólido o bastante, principalmente se Chloe passasse credibilidade.

- Devon? Hummm… - Minha mão coça o rosto de leve. - Ele briga como uma moça e tem o gosto musical de um véi de oitenta anos, mas é bom de mira pra caralho, melhor não ficar em espaços abertos contra ele. - o conselho servia pra mim também.

Minha risadinha me escapa da garganta e dos lábios - É, nunca muda, não importa onde… - As palavras dela soavam meio pessoal até, eu talvez soubesse mais, mas as mensagens também eram sempre pela metade - É perigoso sim Chloe, ninguém quer ter que quebrar o pescoço da própria filha porque ela fala demais pros coleguinhas da escola, ou tomar um balaço de prata pelas costas sem aviso prévio. - eu vestia meu melhor tom apaziguador, sentindo a angústia vir do peito ela, como se fosse a minha própria, eu já havia estado naquela posição, mais de uma vez, era difícil compreender até ter uma garotinha pra cuidar, uma garotinha só minha.

- A minha ideia é só uma ideia, a porra toda pode dar muito errado, mas é o seu butico que tá na reta, cê sabe melhor onde apostar eu vou estar perto pra ajudar, mas não muito perto… - Mas eu já havia dado aquele recado, não queria soar repetitivo, só queria que dese certo. - Me diz então o que tem valor importância pra eles que se eu for capaz de te ajudar a conseguir eu vou ajudar. - Franco e direto, era só ela dar uma resposta e a gente começava dali mesmo.

- Hunf… - O barulho me escapa sem querer, junto com um sorriso de canto quase imperceptível, eu olhava pra Chloe e pro chão, uma, duas três vezes… Demorou pra perceber o que Nestor queria com ela, mas agora era claro como o dia sobre a minha cabeça, ela era a derrota moral e definitiva dos Anshega.

- Vai pra casa cuidar dos seus ovinhos… - As palavras obviamente não eram pra Chloe, eu balançava o ombro e deixava Astra tomar os céus de novo, em algumas horas ia ser problemático pra ela voltar pra casa sozinha e eu não queria a polícia me parando no meio do caminho em posse de um animal selvagem e protegido.

- Viu? Tu sacou a ideia do Nestor, pegar um pedaço de vidro e vender como diamante… Ninguém disse que vai ser fácil Chloe. - Minhas mãos sobem pelo braço dela acariciando a pele macia, uma indo em direção a uma face do rosto bonito , deviam arranhar feito lixa, eu de fato não tinha mãos macias, como poderia? - Eu sou um caçador, um assassino, mas não um soldado, cada um carregando sua cruz como pode… E eu sei que a sua é a mais pesada de todas. Eu sei que você tá cheia de dúvidas, cheia de medo e de receio. - meu dedão corre pela maçã do rosto de um lado pro outro, eu me afasto devagar, me descolando dela, enquanto minhas mãos escorregam timidamente pro bolso da minha calça.

- Todo Uratha e alcateia tem sua própria agenda, os únicos que não vão pedir nada em troca e que se importam de verdade com você são sua alcateia, então quando você não souber ou duvidar do que tem que fazer, se agarra ao juramento e a alcateia, mesmo que a relação com o parça seja uma bosta… - Eu suspiro por um longo momento, meus olhos reviram - Eu botaria o Axel duas semanas na clínica fácil pra ele ver o que é bom pra tosse, mas faria isso com qualquer coisa antes se atentassem algo contra ele, talvez até pior. - Não tem temor, dúvida ou remorso nenhum nas minhas palavras, muito menos no meu coração.

Eu não sei se era exatamente o que ela precisava ouvir, talvez fosse eu que precisasse falar…

Eu só meneio em positivo quando ela agradece, devolvo a gratidão com um olhar cúmplice e um aperto firme e confiante no ombro. No momento seguinte minha cabeça faz um movimento apontando a volta de Nestor vindo ao longe.

- Bora caçar, mas hoje é tu que vai matar alguma coisa e eu vou te mostrar como é que um guerreiro caça… - A risadinha me escapou pelos lábios - Cê vai entender porque é fácil pranchar a maioria dos filha da puta que aparecem… Cê vai entender o que é ser feito pra matar. O Coração é seu, é a melhor parte morna e fresca, vai ser rápido, com sorte a gente pega um javali ou um cervo, sangra ele ao pé de um carvalho, prega a cabeça na árvore, o Caminhante vai ficar feliz, a corte dos predadores também. - minha boca enche d'água, meu nariz fungando um pouco, dentes rangendo, uma corrente elétrica correndo pelo corpo. Um sim dela era tudo que eu queria ouvir pra um fim de tarde de diversão e comida boa, porque depois disso ia ter o desafio e um monte de trampo e corre pra fazer. - Tem que satisfazer o lobo, Chloe, pra ele ficar quietinho e nunca ganhar controle sobre você…

Eu acompanho os dois até a saída, não tinha mais nada a dizer de relevante assim como Nestor eu caminho e comento coisas triviais. Eu dou um até logo breve e deixo um último recado. - Qualquer comunicação a partir de agora vinda de mim é direta, nada de telefones, nem do McDonalds. - Isso era tudo, agora era colocar aquela merda toda em prática.