Na Enfermaria

O Presidente do Conselho Estudantil havia aceitado com uma tranquilidade estranha a revelação de que a enfermeira da escola havia adquirido características inumanas e agora atacava os alunos com venenos incomuns. Poderia ser uma ilusão, mas Lana sentiu uma estática no toque do rapaz, como cócegas levíssimas que subissem das mãos dos dois - unidas que estavam - e percorressem seus braços, provocando um arrepio.

Ele falava com calma e propriedade, enquanto Gin - meio mancando - dava uma de Gin: Lana já tinha testemunhado aquele comportamento explosivo do garoto antes. Achava que era parte essencial do motivo pelo qual era um bom jogador, mas também justificava a fama de esquentadinho do rapaz. Desviou os olhos pro chão, balançando negativamente a cabeça, com um sorrisinho nos lábios. Pensando que Hirosaki e Gin eram o mais próximo de amigos que tinha feito naquele colégio até o momento, a garota começava a pensar que realmente tinha um imã pra sujeitos complicados.

Se era verdade que meninas buscavam estar na companhia de garotos que lembrassem o pai delas, ela estava mesmo em maus lençóis.

Quando Gin tocou seu tornozelo, tentando ajudar, a loirinha puxou a perna, instintivamente. Era a dor. Sentia que o tornozelo começava a inchar. Mas respirou fundo e aceitou a ajuda de Gin para se colocar de pé.

- Vai ser mais rápido se eu me apoiar no seu braço ao invés de usar a vassoura como muleta, Gin-san. - ela não era muito pesada, mas o colega parecia sofrer, andando meio aos tropeços ao lado dela. Lana estava perto o suficiente para investigar a expressão de Gin, e algo dentro da menina dizia que ele estava no limite.

"Estou imaginando coisa, ou... posso sentir o estado de Gin-san?" - o pensamento da garota voava e seus batimentos cardíacos aceleraram quando o rapaz começou a contar as desventuras pelas quais passou.

Gin Ahara escreveu:- Acabei de ter uma briga com o Sr. Hon onde o mesmo parecia possuído de uma força sobre humana, assim como, provavelmente, a enfermeira também parece estar. - Foi falando, enquanto caminhava. - Akane estava comigo, mas ela sumiu com algum tipo de inimigo invisível que não consegui ver. Eu só consegui vencer pois .. - Hesitou por uma fração de segundo. - .. eu também usei de meus poderes. - Disse com um tom de finalidade. Lentamente iam chegando ao seu destino. - Enfim, o importante é o que ele disse durante a nossa briga. - Tentou se lembrar das palavras exatas fazendo uma careta. - Primeiro ele me chamou de aberração por ter esses poderes e, em seguida, disse que não podemos deter o avanço do Selvagens, o que quer que seja isso. Antes de me atacar ele também disse que um tal Ás de espadas renascerá.

"Eu e Hirosaki não somos os únicos."

- Gin-san... - Lana interrompeu a caminhada com o amigo, ainda usando o braço do garoto como apoio. Pulando em um pé só, ela se colocou bem de frente para ele, impedindo que continuasse a andar e tivesse que finalizar sua fala olhando-a nos olhos.

Gin Ahara escreveu:- No fim, depois de derrotado, uma carta em sua testa, que parecia de um 5 de paus, brilhou com uma luz violeta e sumiu. Alguns segundos depois o Sr. Hon acordou e estava normal, sem se lembrar de nada. - Agora já próximos da enfermaria conseguia ouvir mais da comoção. - Por isso digo, vamos pedir a ajuda de quem? Algo muito anormal está acontecendo aqui e estamos bem no meio.

- Você tem razão, Gin-san... Mas você não pode lutar assim. Nessa condição, apenas atrapalharíamos Hirosaki-kun e Mikami-senpai. Porém... - Lana baixou os olhos para o chão e cerrou os punhos com força. Precisava fazer alguma coisa. Os outros alunos dependiam dela. A salvação da Srta. Kaoru dependia dela! Não podia falhar! - ... eu posso reenergizar você!

Lana ergueu os olhos para Gin e um brilho estelar dançava nos olhos verdes da garota, como a aurora boreal nos céus do Norte. Travando a mandíbula para suportar a dor de tocar o chão com o pé machucado, a menina levou ambas as mãos ao peito, unidas como em uma prece.

"Pravda vítězí" - Lana ergueu as mãos, ainda unidas, e olhou nos olhos de Gin - "A verdade prevalece!"




Ao redor da garota, dançava no ar uma luz fantástica. "Deo Virtus! Eu ofereço meu coração!"

- Sanctuary! - Lana baixou as mãos de uma só vez, parando com os braços perpendicularmente alinhados ao chão, as palmas voltadas para baixo. E seu coração queimava enquanto a aurora boreal agitava-se em suas grandes íris verdes.

"Eu sou inútil. Apenas um peso. Para mamãe, que trabalha em três turnos, enquanto eu apenas estudo. Para Yeva, que jamais vai se adaptar a esse país, tendo a mim como exemplo. Para os meus colegas, que correm perigo por causa da minha tentativa vã de abençoar as injeções na enfermaria."

Lana se sentiu desfalecer, e foi de joelhos ao chão, diante de Gin. Seus braços estavam pesados, tão pesados!, que não mais conseguia mantê-los paralelos ao chão. Antes que se desse conta, estava sentada sobre os calcanhares, de cabeça baixa, a franja criando uma sombra em seu rosto. O esgotamento era tão intenso que levou alguns segundos para que Lana percebesse que estava tremendo de frio. O estômago apertava em uma dor intrigante, presa de uma fome voraz, apesar de a garota ter acabado de comer alguns biscoitos, enquanto conversava com Hirosaki.

"Saki-kun..."

Tudo parecia ter ficado mais lento ao redor de Lana. A ponta de seus dedos formigava. Sabia que a porta da enfermaria estava logo atrás dela e que, de frente para ela como estava, Gin poderia ver o que se passava. Porém, apesar de desejar de todo coração virar-se e olhar, sentia um peso imenso impedindo-a de qualquer grande movimento. Era quase como se carregasse outra pessoa nas costas. Apoiou as mãos nas coxas, com as palmas viradas para cima, e mexeu levemente seus dedos. O cansaço causava tamanho entorpecimento que tudo parecia acontecer com outra pessoa.

"Eu sou inútil. Não mais eficaz que uma Vitamina C Gigante. Curei uma gripe de Yeva e de repente achei que poderia fazer a diferença no mundo. Mas não posso salvar ninguém" - Lana movia as pontinhas dos dedos, quase sem poder senti-los, ainda de cabeça baixa. Ouviu alguns gritos. Teriam vindo da enfermaria? Será que mais alguém viria em socorro dos alunos que corriam perigo? - "Saki-kun consegue causar tremores de terra. E Gin-san também tem poderes. Enquanto isso eu..." - a loirinha ergueu os olhos muito verdes para Gin e tentou sorrir:

- Gomen asai, Gin-san... Por favor, ajude os outros. Eu... conto com você... - havia lágrimas nos olhos da garota, que sentia dor, fome e frio, além de uma imensa confusão e um profundo vazio.

"E se eu nunca tive poderes? E se tudo não passou de uma ilusão?"

O grito de Kiritsugo chegou a Lana como um som abafado. Havia passos, vento, estalos de estática, gritos e vozes no ar. Havia um odor tóxico e uma imensa pressão em suas costas. Mas a líder-de-torcida estava por um fio. Baixou os olhos novamente para as mãos, apoiadas as coxas, e só quando as lágrimas pingaram de seu queixo foi que percebeu que estava chorando.

"Por que eu achei que tinha poderes? Eu era só mais uma garota tola que queria ser alguém especial?" - a menina agarrou a barra da saia do uniforme com ambas as mãos, frustrada e exaurida - "Não." - o sorriso da mãe, brincar com Yeva - "Não, eu nunca quis nada pra mim..." - o treinamento de ginástica, a organização do grande Baile do Dia das Bruxas - "... eu só queria..." - a pichação na parede da sua casa, o café com Gin no trajeto até a escola - "... só queria..." - Hirosaki e o irmãozinho, cansados, famintos - "... que todos tivessem a chance de sentir seus corações acolhidos."

Lana tremia como se tivesse brincado na neve por horas. Mas isso não a assustava. O que desconcertava a garota era o vazio em sua alma, que criava um grande borrão em sua mente, como se estivesse mergulhada na névoa.

Bem baixinho, em um sussurro, a garota falou em tom quase inaudível:

- Havia um bosque de carvalhos atrás da nossa casa... na minha terra natal. A madeira queimando na lareira tinha cheiro de conforto e calor... Eu só percebi que era um perfume bastante masculino... quando o senti no Presidente do Conselho Estudantil... agora há pouco. Eu... nunca quis nada pra mim... nada pra mim... Não posso salvar ninguém...

Escondendo o rosto nas mãos, Lana chorou, tremendo de frio e sentindo que o Deo Virtus havia sido apenas um sonho febril.

Escondendo o rosto nas mãos, Lana chorou, tremendo de frio e sentindo que o Deo Virtus havia sido apenas um sonho febril.

E foi quando sentiu.

Havia uma presença de luz ao seu lado e uma vibração angelical às suas costas. "Não pode ser..." - a menina ouviu vozes. Gin. Ele discutia com outros três garotos, todos do time de futebol. Antes que pudesse sequer pensar, o amigo se ajoelhou diante dela.

Gin Ahara escreveu:- Lana-san - Falou baixo, se abaixando e puxando o rosto de sua amiga para encará-la nos olhos. - Você não vai morrer, não enquanto eu estiver aqui. - Segurou seu rosto com suas mãos, limpando as lágrimas delicadamente com seus dedos. - Estamos em apuros, mas eu vou dar um jeito aqui e a gente já continua, ok? Tente sair daqui enquanto eu chamo a atenção. - Sorriu, dando um leve beijo na testa de sua amiga antes de se levantar. Virou-se, encarando seus três adversários.

A garota corou violentamente, encarando as costas de Gin, que corria contra os outros garotos. Marcados com uma carta de baralho na testa? Lana sentia as presenças femininas a envolvê-la e ainda tinha a sensação dos lábios de Gin em sua testa. Logo ela, Lana, a moça popular que não tinha amigos. Logo ela, pela segunda vez naquele dia. Primeiro, Hirosaki, que a havia levado até a enfermaria quando se sentiu fraca, que havia feito com que risse, que havia conversado com ela e feito com que percebesse que tudo que era preciso era se abrir um pouco. E agora Gin. Cansado, meio manco, correndo para enfrentar garotos que ameaçavam "levá-la para o vestiário para que fosse líder de torcida particular".

Voz Angelical escreveu:"Levante-se, sua comoção não passou despercebida, eu vim ajudar você, concentre-se sua energia e sinta em seu coração, você poderá salva-los de agora em diante, se puder deixar a musica fluir por dentro de ti para que eu possa trazer da névoa alguem que se perdeu"

Onde ela estava com a cabeça quando se deixou perder a esperança?

- Eis-me aqui, para que seja instrumento de Sua vontade.

Sentiu o coração se encher de fogo ao se colocar de pé, envolta na vibração angelical que a circundava, cantando hinos de glória. O Deo Virtus a preenchia em arrebatamento e foi sem dúvida que turvasse seus pensamentos que Lana viu a cura atingir Gin e os três garotos adversários, derrubando os opositores como o martelo da Fé. Quase ao mesmo tempo, caíram ao chão as cartas de baralho. E surgiu no corredor uma garota cega, estendendo o braço em busca de apoio.

Lana tocou a mão da aluna desconhecida, imaginando prontamente que era a pessoa a quem a voz angelical se referia como sendo alguém que estava perdido na névoa. A névoa era a cegueira em si? Ou algo além? A menina não estava ali instantes antes. Como teria aparecido tão repentinamente?

- Espere aqui só um segundo, sim? - a voz de Lana estava centrada, mas era macia e agradável. Virando-se para Gin, percebeu que o colega --- não, amigo --- percebeu que o amigo estava completamente recuperado e parecia no auge da forma e força física. Sorriu para o rapaz e então tomou as cartas de baralho caídas no chão.

Em sua mente, ergueu uma prece pela purificação dos objetos, "Benedictio Sanctissimi Sacramenti!", enquanto em seus olhos continuava brilhando a luz fantástica da aurora boreal, em ondulações ferozes e vívidas.

- Deixo os detalhes com você, Gin-san! - Lana tocou o braço do amigo e sorriu - Cuide da garota, se puder? Eu preciso encontrar Saki-kun.

Lana se virou para a enfermaria, não sem antes tocar o ombro de Akane:

- Obrigada. - a sensibilidade espiritual da menina a dizia que a aluna tinha algo a ver com as presenças que estava sentido antes - Eu voltarei!

Correndo, Lana chegou à porta da enfermaria no exato instante em que o alarme de incêndio era disparado. A enfermeira estava no chão, assim como uma aluna, que a líder de torcida reconheceu como sendo uma das meninas que sofria bullying de algumas das suas colegas de ginástica. O Presidente do Conselho estava ali, de costas para ela. Hirosaki não estava em lugar algum que pudesse ver.

Entretanto, a garota (Kika? Kero? Kate?) estava ferida. Possivelmente, o mesmo que havia desencadeado o incêndio tinha atingido a menina e o computador, que estava frito logo ali.

Kiritsugo escreveu:- Keiko-chan - A postura de Kiritsugo mudava da "água para o vinho" depois que se acalmou e conseguiu pensar. Sua voz agora saia normalmente e em um tom sério. - Precisamos dar um jeito nesse seu braço, estamos em uma enfermaria, provavelmente deve ter alguma pomada e ataduras para passar no seu machucado. Temos algum tempo antes que os bombeiros cheguem, então não precisa se preocupar com o alarme ainda. Vamos... - Estendia a mão para tentar levanta-la e tentaria procurar algo que pudesse ajuda-la com o ferimento.

- Não será preciso... - Lana sorriu para a menina que o Presidente do Conselho acabava de levantar do chão, e o coração da loirinha cantava no peito, dançando como a luz dourada que se erguia ao seu redor - ... Keiko-san. - a garota segurou o pulso ferido da outra aluna, exatamente onde estava a ferida, concentrando toda aquela energia angelical que fluia do Deo Virtus em uma cura que recompensasse a menina por todo o sofrimento e luta.

Soltando o braço de Keiko, Lana se dirigiu então à carta caída ao lado da Srta. Kaoru. Mais uma vez, entoou em sua mente uma oração de purificação. Juntou as quatro cartas e guardou no bolso da saia, virando-se para os outros dois alunos:

- Saki-kun... onde ele está?

Quando voltou-se de frente para Kiritsugu o rapaz podia ver claramente o brilho que dançava nos olhos da líder de torcida, ainda envolta nas luzes douradas que cintilavam como joias luminosas coroando-a de ouro.

Sumiu. A garota, Keiko, estava ali durante todo o tempo? Como nem ela, nem o Presidente do Conselho Estudantil, haviam visto o que se passou com Hirosaki? Lana sentiu medo. A incerteza infiltrou-se em seu coração e a luz fantástica ao redor da garota diminuiu até se apagar, deixando no lugar apenas um leve brilho nos olhos muito verdes. Como era possível que um aluno sumisse em pleno ar?

Kiritsugo escreveu:-  Hãã, me chamo Kiritsugo Mikami... Digo hã, qual o seu nome? E o que são e o que fez com essas cartas?

Lana percebeu que o Presidente do Conselho corava novamente. Será que estava ferido? Aquele rubor poderia ser febre?

Aproximando-se do garoto, a loirinha tomou o pulso esquerdo de Kiritsugo, investigando sua condição física. Como um aluno podia sumir em pleno ar sem que nenhuma pessoa presente visse? A palma da mão de Lana era quente e macia contra a pele sensível do pulso de Kiritsugo e ela estava muito mais perto do que normalmente as pessoas ficavam durante uma conversa.

- Presidente do Conselho Estudantil, sim. Eu sou a capitã das líderes-de-torcida, Svetlana Seifert. - "a garota com o nome mais gaijin do universo" - Kiritsugo... - havia uma estática na pele do garoto, Lana sentia nitidamente. Como cócegas levíssimas nas pontas de seus dedos. Quando deu por si, percebeu que estava deslizando os dedos pelo pulso do rapaz!

Corando violentamente, a loirinha recolheu as mãos, unindo-as atrás do corpo. Aquele típico gesto de vergonha que na verdade servia muito mais para destacar os seios, coisa da qual a garota não fazia a mais remota ideia. Dando um passinho de ajuste para trás, só então o barulho da sirene de incêndio pareceu atingir os sentidos da moça.

- Mikami-senpai... - ela se corrigiu, retornando ao modo mais formal e apropriado de dirigir-se ao rapaz - ... a Brigada de Incêndio logo estará aqui. Os alunos não correm perigo imediato. Se ficarmos para despertar um a um, seremos ligados aos acontecimentos.

A menina tirou do bolso da saia as cartas, olhando-as por um instante antes de comentar:

- Não sei o que querem dizer, mas havia uma carta caída ao lado de cada adversário que derrubamos. Todos pessoas comuns que, repentinamente, agiram agressivamente, fora de seus próprios elementos. - Lana guardou novamente as cartas no bolso - Eu só... fiz o melhor que pude para neutralizar o Mal nelas. Não sei se funcionará. Mas precisamos sair daqui! A Brigada chegará a qualquer instante. E não sei como as pessoas reagiriam ao saber das habilidades incomuns que manifestamos.

A líder-de-torcida deu um passo em direção à porta:

- Matar aula vai despertar suspeitas. Se não formos dispensados, temos que ir para as salas. E é melhor que não fiquemos próximos no pátio, durante o combate ao incêndio. - os olhos verdes de Lana fixaram-se em Keiko por um segundo, pensando que o mundo cairia na escola caso fossem vistas conversando. A fofoca seria mais difícil de conter do que se tomasse o microfone e anunciasse que podia curar pessoas com um toque da mão - Na hora do almoço, no telhado do colégio. Vou encontrar Hirosaki, Gin e a novata, e combinar o mesmo com eles. Despistem os amigos.

Lana passeou o olhar de Keiko de volta para Kiritsugo. Dono daqueles olhos castanhos de madeira viva.

- Não faltem.

A loirinha girou nos calcanhares, pronta para deixar a enfermaria antes da chegada dos bombeiros.