Integridade (Chinatsu)

No coração da cidade movimentada, em meio a ruas estreitas e vielas sombrias, erguia-se a notória okiya de Madama Yan. Um lugar envolto em mistério e segredos obscuros, onde as paredes pareciam sussurrar histórias proibidas. Era lá que Chinatsu, uma jovem dobradora de água, encontrava-se aprisionada pelo cruel destino de sua vida e de tudo o que conhecera até então.


Com sua beleza delicada e olhos expressivos, Chinatsu havia sido comprada como uma mercadoria preciosa. Na okiya sombria, ela era um objeto de desejo, uma joia rara cobiçada pelos ambiciosos.

Madama Yan, conhecida como a Flor Cruel, era a figura dominante que governava aquele local. Com sua sabedoria, ela moldava jovens promissoras como Chinatsu em instrumentos de poder, destinados a servir às casas mais influentes. Sob a tutela da Madama Yan, Chinatsu enfrentou uma rigorosa formação, aprimorando suas habilidades. No entanto, o destino de Chinatsu estava prestes a ser selado. Os sussurros nas sombras falavam de uma iminente venda, uma transação que levaria a jovem dobradora para longe da okiya e para as mãos de um novo mestre.

Enquanto o tempo avançava implacavelmente, Chinatsu permanecia aguardando seu destino, presa entre a liberdade roubada e a incerteza do futuro. Os olhares famintos dos visitantes recaíam sobre ela, suas palavras sussurradas em segredo traçando os contornos de seu destino. Cada oferta sussurrada carregava o peso de uma vida inteira de servidão. A correnteza de sua dobra de água poderia ser uma metáfora de sua força interior, fluindo e se adaptando aos desafios que a vida lançava em seu caminho, dependeria de si própria a partir de agora.

A madrugada descia sobre a okiya de Madama Yan, a história de Chinatsu estava prestes a tomar novos rumos. Nas profundezas da noite, quando as sombras se tornavam mais densas, ela aguardava a luz da aurora, o momento em que seu destino seria finalmente desvendado. Madame Yan passou os olhos sobre sua protegida e fez um leve aceno com a mão, a chamando para perto.

Com um leque fechado, apontou uma almofada próxima para que Chinatsu pudesse ajoelhar-se. Madame Yan olhava profundamente pela sala e parecia escolher os clientes - não estava declarado, mas certamente seria alguém dentro do império. Uma família com prestígio que pudesse lhe pagar muito bem e ao mesmo tempo cuidasse para que Chinatsu não caísse em mãos cruéis - fora bem treinada e seria uma ótima adição para qualquer residência que a adquirisse. Precisava apenas escolher bem para não criar rusgas - quem desse seu valor, deveria ter prestígio no império para que outros não questionassem sua decisão ou causassem problemas em seu estabelecimento. Ela tinha sempre guardas a postos, mas não poderia fazer muito caso a situação saísse do controle com aqueles homens.

Uma mulher alta, muito bem vestida passou pelas duas. Estava acompanhada de outras duas que levavam seus pertences. Ela parou de frente para Madama Yan.

- Que linda criatura, Yan. Está disponível?

Yan abriu um sorriso como se tivesse encontrado uma solução.

- Oh, senhora Inaki. Sim, está. Eu a treinei pessoalmente, Chinatsu é seu nome. Mas poderá nomeá-la como achar melhor.

Inaki respondeu, imediatamente.

- Chinatsu está bem. Mas ela me parece diferente... Não é daqui. Não é uma dobrada, huh?

Madame Yan não titubeou - ela era mais persuasiva do que qualquer uma das garotas que já treinou.

- Não, não. Aqui nós não treinamos dobradores, não é bom para os negócios.

- Ótimo - disse Inaki - vou mandar que busquem ela em algumas horas. Pago o seu preço.

- Sim, oh, sim.

Yan sorriu e passou as mãos pelos ombros de Chinatsu - embora todo o negócio e como as coisas eram tratadas ali fossem cruéis, ao mesmo tempo - Yan tinha apreço por quem treinava, não queria que fossem para lares onde seria maltratadas. Isso acontecia, mas ela faria algum esforço para evitar. Seu sorriso naquele momento denunciava que, um, conseguiria uma grande quantia por Chinatasu e, dois, sabia que Inaki cuidaria bem da garota. Era uma mulher exigente, mas ao mesmo tempo não faria nada para machucá-la fisicamente. Além disso, o nome de Inaki não era de todo desconhecido por Chinatsu, não sabia exatamente quais eram seus negócios, mas sabia que tinha uma posição de destaque dentro da Nação do Fogo, o que lhe rendia segurança.

- Ela irá cuidar bem de você, musume-san.

Tinha por costume chamar todas as garotas dessa forma, suas filhas.

- Você pode juntar seus pertences, eles devem vir buscá-la pela manhã. O resto da noite é livre para você.

Era estranho pensar em liberdado, uma vez que estava sendo vendida e na manhã seguinte teria uma nova dona, para qualquer que fosse o efeito. E, mesmo assim, seu destino era incerto - Yan lhe dera uma parca garantia de que seria bem cuidada, mas Chinatsu ouvia histórias de outras garotas e poucas tinham uma vida tranquila depois de saírem das casas de treinamento.

A medida que a luz entrava por sua janela e transformava a escuridão, via uma movimentação diferente - tanto no casarão de Madame Yan como nas ruas nos arredores. Ali do alto conseguia ver muito do que acontecia. Os últimos que aproveitaram a farra da noite anterior se recolhiam e um novo dia começava, os vendedores abriam suas lojas, limpava suas fachadas - outros deixavam suas casas e saíam para trabalhar, os soldados de Kamai patrulhavam as ruas e a vida acontecia. Chinatsu não tinha uma vida fácil, nunca teve - mas era de certa forma acolchoada, os problemas do mundo não a atingiam de forma direta, pois isso não era uma influência necessária durante os anos de treinamento com Madame Yan e em boa parte dos acontecimentos, era de certa forma alheia ao que acontecia, mas sabia sobre Kamai e entendia a situação atual do mundo, pois era um assunto bastante recorrente pelos frequentadores da casa.

Junto de toda a movimentação, viu uma carruagem puxada por Cabras-Puma douradas, o animal em si já era bastante raro, ainda mais nesse cor específica. A carruagem trazia as coras carmesim e preto, com finos traços dourados em partes específicas, por mais alheia que estivesse aos detalhes do que acontecia, sabia que eram cores que, em conjunto, representavam a alta corte da Nação do Fogo - famílias poderosas e próximas de Kamai tinha aquele prestígio e de certa forma, Inaki encaixava-se perfeitamente naquela descrição.

Alguns soldados desceram da carruagem, mas não se via a própria Inaki ali.

Foram em direção à casa, conversaram com os guardas locais e entraram.

A porta do quarto onde Chinatsu estava se abriu - não havia batidas na porta para indicar que seria aberta, a casa não era um local de portas fechadas. Do outro lado, estava Madam Yan.

- Inaki mandou seu transporte, musume.

Palavras rápidas, tão logo se encaminhou para a entrada da casa, onde esperavam por Chinatsu.

Dois dos soldados que tinham o rosto completamente coberto passaram por Chinatsu e um de cada lado, ergueram o baú sem dizer nada, logo em seguida - carregaram o mesmo para fora, em direção a carruagem parada na frente da carruagem.

- Musume, sei que estará em boas mãos.

Disse Madame Yan, enquanto se aproximou e segurou o rosto de Chinatsu com as duas mãos, como se o emoldurasse. Deu um breve sorriso para a garota e segurou seu rosto por alguns segundos e a soltou, suavemente. De alguma forma, por mais que fosse uma transação - Madame Yan sentia uma melancolia por deixar uma de suas flores partir, talvez a idade estivesse chegando para a mulher e seus sentimentos fossem mais fortes com as garotas e o tempo em que passou com elas, mas era a forma que tinha escolhido para viver. Talvez uma mudança de carreira não fosse o melhor caminho para a Flor Cruel. O sorriso então apagou-se de seu rosto e virou-se para o terceiro soldado da comitiva.

- Avise a senhora Inaki que estou à disposição da mesma caso tenha mais necessidades.

Fez então uma leve reverência, respondida pelo então soldado de maneira breve.

- Claro, ela agradece seus serviços, Madame Yan.

Baixou os olhos e encarou Chinatsu.

- O transporte lhe aguarda.

Madame Yan assentiu com a cabeça, para que pudesse seguir. Dali, podia ver a porta da carruagem aberta, um dos soldados segurava a porta e o outro já estava preparando os animais para que pudessem seguir caminho o quanto antes.

O soldado que conversou com Madam Yan a ajudou a subir na carruagem, embora não fosse muito desafio para Chinatsu, fazia parte do costume e as aparências importavem bastante naquele contexto. Fechou a porta da luxuosa carruagem logo em seguida e nada disse a Chinatsu - ouviu uma conversa breve do lado de fora e sentiu o transporte se mover um pouco enquanto seguiam com os preparativos. Sentiu todos subirem, um a um, sentiu uma leve puxada na movimentação dos animais que guiavam aquele transporte e por fim, sentiu os pedregulhos na rua a medida que o transporte começou a se movimentação na direção do palácio de Inaki. Tinha alguma visão da rua ali onde estava - não era muita coisa, mas dava pra ver qual era o caminho que estavam fazendo e via que era rápido. Sentia os olhares curiosos das pessoas no caminho, pessoas simples e que tinha uma vida completamente diferente da que Chinatsu teve ou iria ter.

O caminho foi rápido, mas a noção de tempo de Chinatsu podia ser afetada às vezes. Acostumada a esperar, não saberia dizer com certeza se realmente foi rápido ou se por conta de seu treinamento foi essa a impressão. O palácio que servia de casa para Inaki era, a primeira vista, grande - muito maior do que o casarão de Madame Yan, mesmo com todas as pessoas que abrigava. Havia uma pequena estrada para chegar até a casa, de fato, após passar pelo primeiro portão.

Mas enfim a carruagem parou, sentiu que o transporte parou de trepidar e ali, tinha uma visão melhor de qual seria sua nova morada. Inaki estava posta para receber Chinatsu, a viu assim que a porta da carruagem se abriu. Estava exatamente como a tinha visto antes, impecável.

Estendeu a mão para Chinatsu.

- Vamos dar uma volta pela propriedade, para conhecer melhor o local.

A novidade de liberdade, mesmo que limitada, era inebriante de uma forma que Chinatsu não sabia explicar. Era uma injustiça - o tempo passava mais rápido agora que ele estava sob seu controle e o restante das emoções parecia fazer mais sentido, tanto que a sensação de estar envolta em total liberdade parecia a remover daquela realidade de alguma forma - o observar de uma pequena flor pareceu um hiperfoco, onde tudo mais não importava e com o olhar preso naquele pequeno pedaço de flora, só notou no momento em que as pétalas balançaram e desapareceram de sua visão.

- Ha! Eu sabia que tinha visto uma movimentação diferente nessa casa, finalmente.

Ao Chinatsu subir os olhos, havia um homem ali - próximo demais talvez. Ele estava segurando na ponta dos dedos, como uma pinça, a flor recém arrancada que era observada pela jovem. Estendeu a mão, entregando a flor. Os anos de observações na casa de Madame Yan lhe deram repertório o suficiente para entender algumas coisas em sua observação inicial: era um nobre, as roupas estavam amassadas e desabotoadas em certos pontos, mas aquele tipo de tecido não era para um empregado da casa ou pessoa comum. E olhando mais atentamente, os olhos também lhe diziam algumas coisas - aquele homem, muito mais jovem que Inaki, tinha alguma relação com ela - não se sabia qual, mas os olhos eram idênticos.

- O que você faz aqui? Pela sua cara, não é da equipe de jardinagem... Deve ter vindo com a carruagem da velha, huh?

(OFF: Sem problemas, se alguma coisa passar muito, a gente corrige nas mensagens.)

"Ah! Claro, mais alguém pra servir. É, ela realmente tem pouca gente ajudando, heh!"

O homem disse rapidamente, em tom de deboche, mas sem tirar o sorriso confiante do rosto. Ele olhou ao redor, antes de responder à Chinatsu - como se estivesse procurando por algo. Os olhos foram longe e tentar encontrar alguma coisa, um ponto, uma pessoa, mas não teve sucesso. Voltou a encarar Chinatsu e só então, respondeu:

"Seog. Meu nome é Seog. Mas, tem algo de estranho aqui."

Seog caminhou ao redor de Chinatsu, vagarosamente, a observando. Mantinha as mãos apoiadas em fivelas na cintura, presas apenas pela ponta dos dedos polegares. O olhar era avaliador, como se procurasse por um defeito, era um comportamento de quem não tinha preocupação com tempo e nem ligava tanto para como os outros os perceberiam, já que para qualquer um poderia ser bastante rude. Talvez, Seog naquela posição, se irritasse de estar sendo avaliado.

"Se você é cortesã da velha e está aqui à toa, deve ser alguém especial. Geralmente ela não deixa suas florzinhas soltas por aí. O que você tem de especial?"