Mahendra - O Mistério de La Brea

       Mahendra encontrava-se em frente ao departamento psiquiátrico da UCLA, no UCLA Medical Plaza. Lentamente ela se lembrava dos eventos que a levaram até lá.

       Há algumas noites, ela, juntamente com outros anjos da cidade, recuperaram uma relíquia de extrema importância para o Arcanjo Orphiel. Porém, no meio do caminho, ouviram boatos sobre dois policiais que estavam investigando sobre um carro (roubado pelo demônio Marcus) largado no pântano de La Brea. Pistas indicavam que um dos policiais desapareceu durante as investigações, enquanto o outro foi encontrado no dia seguinte, com o corpo coberto por uma estranha resina negra, com diversas queimaduras e extremamente confuso.
       O estranho caso foi abafado pela polícia, mas através de seus contatos, Mahendra descobre o nome do policial encontrado e o local onde estava agora. Jack Traven Reeves, um homem aparentemente comum, divorciado, pagador de pensão alimentícia, que parece simplesmente ter enlouquecido após a missão de investigar um carro (roubado) abandonado no fundo de um pântano.

       Investigar o pântano seria um trabalho árduo, principalmente por sua extensão, e Mahendra não tinha tanto tempo disponível, por isso, precisava ter uma conversa com o único sobrevivente registrado do ocorrido. Com seu distintivo e contatos, conseguia adentrar o local sem muitos problemas, mas lhe era dito que até agora, ninguém havia conseguido tirar nenhuma resposta congruente do indivíduo.
       Mahendra era levada até o quarto 66, onde precisaria deixar qualquer objeto cortante ou virtualmente perigoso (como sua arma) antes de adentrar o quarto. Também lhe era dito para não pressionar excessivamente o paciente, e que estariam do lado de fora, olhando para as câmeras, caso algo fora do normal ocorresse.

       Ao entrar no quarto, o clima frio e silencioso a lembrava um necrotério. O indivíduo deitado e enfaixado à sua frente parecia mal notar sua presença.

Mahendra caminhava pela até o acamado, chamando-o pelo nome e tocando em sua mão. Pela primeira vez, parece que o homem percebia que havia mais alguém ali, então começava a balbuciar palavras desconexas, onde era possível entender coisas como: "La Brea", "A escuridão" e "O levou".
       A investigadora o olhava nos olhos e se concentrava para sintonizar-se com a Sinfonia Universal. Talvez por sua fome de justiça, sua conexão com a Sinfonia era tal que sua Ressonância atingiu o ápice de seu potencial. Mahendra não apenas podia decifrar verdades de mentiras, ela podia ver todas as coisas como elas realmente o são.

       Como que em um transe, Mahendra sentia o cenário à sua volta mudar. Agora ela estava em um ambiente totalmente diferente, em uma área pantanosa, acompanhando dois policiais em uma investigação. Eles não podiam vê-la ou tocá-la e nem ela poderia interferir com o que já havia acontecido, mas ela tinha uma visão completa do que havia ocorrido, como se estivesse não apenas assistindo, mas interagindo com um filme.



       A dupla se aproximava de um enorme lago, composto não de água, mas de uma estranha resina negra, semelhante a piche. O lago borbulhava enquanto a fumaça que expelia se juntava à névoa à sua volta.

       

       Porém, algo parecia se mover no lago. Ambos os policiais olham, discutem entre si, enquanto algo semelhante a uma enorme bolha se formava na beira do lago, próximo a eles. Um dos policiais se afastava, mas o outro ria e o chamava de covarde, então se abaixava, pegava um galho do chão e tentava cutucar a estranha bolha que parecia viva.

       A partir daí, as coisas ficam realmente estranhas, pois assim que a bolha "estoura", uma espécie de tentáculo viscoso e negro, de aparência líquida, sai do lago e agarra o policial com o galho na mão, puxando-o para dentro.

Trilha sonora:

       O policial desaparecia dentro do poço negro, enquanto seu parceiro gritava em desespero e se aproximava do poço, até perceber que a tal "criatura" que parecia feita do próprio piche, rastejava para fora em busca dele também.



       Uma criatura amorfa de pura escuridão estendia seus tentáculos, laçando o policial antes que ele pudesse correr. Ela o puxava para dentro de si, queimando sua pele e absorvendo sua Essência, e repentinamente, eles eram conectados. Ele podia "ler" os pensamentos da "coisa", embora eles fossem tão alienígenas a ele que isso abalasse sua psique.

       Mahendra, porém, conseguia entender melhor que o pobre mortal. A "coisa", apesar de disforme, já teve milhares de rostos, todos inexpressivos. É a morte encarnada, é um barão do inferno. Mais velho que a humanidade. Glug (nome adotado pela entidade demoníaca devido ao som gorgolejante que suas vítimas proferem logo antes de morrerem), é um barão da morte. Ele reside aqui desde a Era do gelo, capturando mamutes, Smilodons e homens igualmente.




       De alguma forma, Glug há muito descobriu como transformar o próprio breu do pântano em sua Veste física. Ele já foi adorado por antigos povos indígenas locais até a chegada dos colonizadores espanhóis, que perceberam haver algo de maligno no local, chamando-o de "La Brea" (algo como "o breu" ou "a escuridão") e decidiram evitá-lo, até os tempos modernos, onde o homem decidiu fingir que o sobrenatural não existe e, absorto em um materialismo fútil beirando o doentio, apenas pensa na expansão de suas próprias cidades.

       Mas a criatura ainda espera. Sem olhos para ver ou ouvidos para ouvir, o mal ainda pode sentir o movimento do mundo ao seu redor. Desviando sua consciência para a superfície de seu lar, ele estende a mão em antecipação, pronto para receber seu novo tributo. Muitos anos se passaram desde sua última grande refeição. Ele ousa esperar que hoje seja diferente, ousa esperar que sua presa dê um passo longe demais, enquanto a humanidade volta a se aproximar de seu terreno.


...


       E assim, Mahendra saia do transe enquanto o paciente ficava mais agitado, então os seguranças entravam, pedindo que ela saísse e enfermeiros tentavam acalmá-lo.

"Conheceis a verdade, e a verdade vos libertará"
- João 8:32


       Mahendra mal tinha tempo de se explicar aos enfermeiros. Sua mente estava focada em uma coisa: pedir ajuda a seu Superior. Felizmente, a Raguelita sabia muito bem como chamar a atenção do Arcanjo da Verdade.
       Munida de itens há muito conseguidos (e alguns dos quais ela própria ajudou na criação), como um rascunho escrito por ela mesma contendo as 5 Vias de Tomás de Aquino, um papel com uma complexa fórmula matemática do Teorema de Bayes utilizado para provar a veracidade de muitas teorias sobre o Clube Bilderberg, juntamente com o próprio livro, ruma para o bosque mais próximo, deita-se no chão macio e recita seu Credo, cercada pelos objetos:



"Tu és um farol em tempos sombrios.
Tu és a verdade entre as mentiras.
Tua visão é tua espada.
Teu julgamento é teu escudo.
Tu desarraigarás o injusto.
Punirá os ímpios, e libertará os inocentes."


       Após alguns segundos recitando os versos, ela já podia sentir que a evocação havia sido um sucesso. Quase que instantaneamente, ela sente uma grande vibração na Sinfonia, e um flash de luz revelava Raguel sobrevoando o bosque em sua frente.

Trilha Sonora:

       Os olhos de Raguel estavam invisíveis sob a auréola de luz, mas novamente, Mahendra tinha a sensação de que ele sempre podia ver em seu interior. O Arcanjo automaticamente sabia o que a estava afligindo, sem que ela precisasse dizer uma só palavra:

- Não temas, Mahendra. Glug tem se escondido há muito tempo na escuridão do Mundo Corpóreo, mas a verdade a tudo revela. E como portador da verdade, eu conheço a arma capaz de derrotá-lo. A Adaga de Bithynia. Coincidentemente, esta arma está há muito perdida, mas recentemente tive notícias de seu paradeiro. Infelizmente, servos de meu arqui rival,  Paimon, Senhor dos Segredos, também estão em busca de tal artefato. Por isso, peço que se apresse. A adaga encontra-se a caminho do Aeroporto Internacional de San Diego, não muito longe daqui, a bordo do voo 8081, que desembarcará no aeroporto as 19 horas amanhã.


OFF: Devido ao alto sucesso na evocação, Raguel está bastante disposto a conversar e permanecerá presente por alguns minutos, então, se assim desejar, pode fazer outras perguntas a ele.

Trilha Sonora:

O chamado do Arcanjo havia sido muito bem executado, ou Raguel estaria com tempo de sobra pois parecia muito disposto a responder qualquer pergunta de sua serva:

- Mestre Raguel, poderia me mostrar uma imagem atualizada da adaga?


       O Arcanjo fazia um gesto no ar, e Mahendra podia ver a imagem da adaga, flutuando no ar.



- Já identificou quem são os servos alocados pelo duque dos segredos nessa missão e se são demônios ou humanos?

- Essa é uma pergunta um tanto complexa. Eu sou o Senhor da Verdade, sim, mas meu rival, Paimon, é o Mestre dos Segredos. Há eras combatemos como em um jogo de xadrez, movendo peças e tentando antecipar as táticas um do outro. Pude perceber que os principais servos de Paimon, Bebal e Abalam, estão envolvidos na busca, mas não tenho certeza se eles estarão presentes pessoalmente, ou se através de servos menores.


- Em virtude destas duas perguntas iniciais que dimensionam a magnitude deste desafio, venho com a terceira súplica e mais que pergunta, um pedido, vossa Sapiência providenciará aliados para esta tua fiel escudeira, nesta empreita divina ou se estarei sozinha. E se vais providenciar alguma ruptura dentro da realidade, onde eu possa me inserir de forma segura, bem próximo do objetivo, para conseguir resgatar a adaga?


- Sim, em virtude dos dois mais terríveis servos de Paimon estarem envolvidos, lhe ofereço a ajuda de dois de meus servos, Kadris e Victória. E novamente, sim, posso lhes propiciar uma ruptura temporária no espaço onde poderão ser transportados instantaneamente até o local, sem que isso cause reverberações na Sinfonia.


       Enquanto falava, duas figuras angelicais surgiam:




-  E por fim, satisfaça uma curiosidade operacional desta serva diligente da pureza e da verdade, quais os poderes desta adaga e como derrotar glug com ela?


- A Adaga de Bitínia é uma relíquia forjada perto das margens do sul do Mar Negro por volta da época de Cristo, já tendo sido utilizada tanto por anjos, quanto demônios e mortais, em uma disputa eterna entre o céu e o inferno. A lâmina se acreditava perdida a 700 anos,  até ser reencontrada há 9 dias em Portugal. Qualquer ser com Energias Celestiais que porte a lâmina poderá enxergar por trás da mortalha de qualquer inimigo, fazendo com que o usuário consiga detectar por exemplo, o ponto fraco de Glug, ou mesmo ver através das ilusões de Paimon. Além disso, a lâmina é capaz de criar "rasgos" na Sinfonia, criando pequenos bolsões de segredo ou revelação. Isto é conseguido movendo deliberadamente a lâmina pelo ar, criando uma ferida flamejante no espaço que somente o portador pode ver. Esta linha torna-se uma espécie de "loop" fechado, onde tudo dentro desse loop se torna secreto, ou revelado, dependendo do desejo do usuário.


       Raguel pergunta se isso era tudo, e assim que Mahendra diz estar preparada, as duas figuras angelicais assumem forma humana e Raguel os transporta para a pista do aeroporto.

Antes que a missão propriamente dita começasse, Mahendra cumprimentava as outras duas servas de Raguel e as três comentavam rapidamente sobre as habilidades que cada uma havia desenvolvido desde o último encontro. Victória era mais voltada ao combate e possuía um forte senso de justiça, o que levava muitos a pensarem por que havia sido escolhida por Raguel e não por Miguel ou Gabriel. Possui Atração Corpórea 1/Celestial 1, Encanto Corpóreo 3/Celestial 3, Harmonia celestial 1, Luz Corpórea 1/Celestial 3, Proteção Corpórea 3/Etérea 3. Kadris, por sua vez, não era tão séria quanto Victoria, mas ama seu dever. Costuma passar boa parte do tempo assistindo TV em busca de pistas. Possui Atração celestial 2, Cura Celestial 6, Proteção Celestial 1, Línguas Corpórea 3/Celestial 4 e Numinous Corpus (Asas) 6.


        As três caminhavam a procura da pista de pouso do voo 8081. Ao encontrarem-na, elas esperavam pela hora do pouso, e discutiam o que fazer quando o avião surgisse.

...


        O tempo passava e o voo parecia atrasado há mais de 30 minutos. Algo não estava certo. Kadris então, decidia acessar seu iphone em busca de qualquer notícia sobre o voo. Algo chamava sua atenção, quando ela mostrava um vídeo de algum noticiário em tempo real:

". . . em ambulâncias de quatro hospitais locais. Os departamentos de resgate e bombeiros do município foram alertados, mas o tráfego bloqueado está dificultando as tentativas de levar ajuda para os feridos. Felizmente para todos os envolvidos, os incêndios não estão se espalhando, mas até que mais ajuda médica possa chegar, não começaremos a ter uma contagem precisa de sobreviventes.

        A transmissão volta para o estúdio, mas na pequena tela, era exibida uma cena de terrível destruição em meio à cidade.




        Ao redor das três, vozes começam a tagarelar nervosamente, muitas delas no que soa como espanhol (mas na verdade, é português). Uma mulher começa a chorar, quando a notícia mencionava o Voo 8081 de Lisboa.



        Em meio à multidão, Mahendra pode perceber uma figura um tanto contrastante contra a multidão apreensiva: um rapaz com uma jaqueta de couro começava a rir, e então, gargalhar histericamente. Um homem barbudo de pé atrás dele lhe lança um olhar desagradável e lhe dá um tapa na parte de trás da cabeça.




       A voz no noticiário é a de um âncora sem graça:
"O próprio avião, de acordo com relatórios preliminares, transportava mais de 400 passageiros e tripulantes. Muitos aparentemente sobreviveram, mas muitos mais vieram a falecer. Também houveram diversas mortes de pedestres e motoristas que cruzavam a rodovia lotada no exato instante da queda.

O comportamento do rapaz e do velho chama a atenção das três, mas chegar o mais rápido possível ao local de colisão era algo de extrema urgência. Victoria se oferece para estudar os dois enquanto kadris e Mahendra se afastam da multidão para assumirem suas formas angelicais. O trio também combina de se encontrarem no local de destruição mais tarde para compartilharem suas descobertas.


        A dupla finalmente assume suas respectivas formas verdadeiras e seguem voando em alta velocidade até o local indicado por Kadris. A estratégia foi realmente um acerto, pois as estradas já estavam lotadas e isoladas pela polícia, com diversos curiosos e repórteres oportunistas tentando furar o bloqueio. Ambulâncias e veículos de resgate vinham atrás.

        Os sinais de um pouso forçado eram evidentes, com a rua e construções adjacentes destruídas por cerca de 50 jardas, e diversos automóveis esmagados no caminho. Incêndios secundários ainda eram vistos em meio aos veículos atropelados.

        As imagens e sons do sofrimento humano são tensos no local do acidente propriamente dito. As escotilhas de emergência foram abertas e equipes de resgate estão trabalhando através do corpo destruído do avião, tentando remover sobreviventes primeiro e catalogar os mortos por último. Alguns dos sobreviventes estão escapando por conta própria, rastejando ao redor sem rumo, amontoados uns nos outros em cobertores de companhias aéreas, bebendo garrafas térmicas policiais, e chorando.
        A maioria dos policiais e socorristas estão cansados e impacientes; eles só querem impedir que a cena irrompa em ainda mais caos, e chegar em casa para suas camas quentes. Alguns deles também estão chorando.

OFF:

A dupla de anjos da Verdade se divide. Kadris observa os arredores do avião, enquanto Mahendra adentra o mesmo. Ainda havia alguns corpos dentro do avião, mas os sobreviventes já haviam sido retirados. O ambiente dentro do avião era ainda mais caótico do que o lado de fora, mas Mahendra em seu corpo celestial não podia ser ferida por nada vindo do mundo corpóreo. Um detalhe interessante era o fato das cabeças dos dois pilotos terem sido praticamente pulverizadas, como se tivessem explodido de dentro para fora.

       Quando o tempo da transformação de Mahendra já estava quase acabando, ela ouvia o som de disparos do lado de fora, acompanhado pelo som de gritos. Ao observar o lado de fora, ela vê Kadris, já em sua forma humana, segurando uma sacola preta, e ao seu redor, alguns policiais e paramédicos mortos. Ela olhava para a direção de onde vinham os disparos, e de lá, quatro estranhas figuras surgiam:

Trilha Sonora:

       
       O quarteto apontava suas armas para Kadris, enquanto o careca sociopata lhe dirigia a palavra:

- Nos dê a sacola. Nem f0d3nd0 que deixaremos um arconte da Igreja Exterior levar a adaga.

       A mulher vestida de palhaço (muito semelhante aos palhaços que recentemente têm causado diversos vandalismos na cidade) passa a língua nos lábios enquanto inala o vapor saído da ponta do cano da arma, como que sexualmente excitada por ter tirado a vida de policiais.

- Eu sugiro matar ela logo, amor!

- A morte corporal é pouco para uma serva do universo insalubre! - dizia a loira, com uma voz bastante masculina.


       O quarteto parecia totalmente fora da realidade, falando coisas sem sentido, algo bem comum em humanos servos da Legião, tão alienados que muitas vezes acreditam servirem a uma bizarra forma de bem, com um senso de justiça completamente distorcido. Ainda assim, todos eles estavam armados e pareciam bastante perigosos.

OFF: