Hunter Hayes

Hunter foi recebido por duas secretárias muito bonitas, uma loira e uma morena. Eram duas belezas bem diferentes, mas havia uma coisa em comum entre elas: o olhar. Ambas tinham olhares penetrantes, que expressavam algo como avidez e também desejo de poder.

"Será que elas…?". A suspeita fez com que ele mantivesse uma expressão facial neutra enquanto as observava atentamente.

Quando ele se apresentou, viu que elas pareceram ter se surpreendido. Ficou sentado a esperar enquanto elas telefonavam. Hunter já havia conhecido muitas secretárias com estilo altivo, as quais procuram mostrar que estão à altura do poder da instituição onde trabalham. Mas os olhares e expressões daquelas duas ia além de um estilo profissional.

"Definitivamente, são monstros…". Aquele pensamento lhe causou desconforto, mas ele se esforçou para não demonstrar isso. "Da última vez que estive com essas criaturas, beberam do meu sangue. Provavelmente, vai acontecer de novo hoje". Aquele pensamento despertou sua raiva, mas ele disse a si mesmo que era preciso suportar tudo com estoicismo.

Hunter é um competidor nato e, até por conta de seu trabalho, gosta de dirigir o curso dos acontecimentos. Daí a dificuldade que ele tinha de se conformar com aquela situação subordinada em que havia se colocado, motivo pelo qual ficava repetindo para si mesmo que tratava-se de um sacrifício necessário.

Mas, quando ficou a sós com Jace no elevador, e surgiu aquele silêncio desconfortável, tão comum nessas situações, uma lembrança passou pela cabeça do homem de negócios, e ele não conseguiu impedir-se de perguntar:

- Quem foi que bebeu do meu sangue da última vez? E de quem foi que eu bebi?

Fez aquelas perguntas de supetão, mas num tom frio, enquanto olhava para o teto como quem não quer nada. Ainda assim, havia raiva em seu peito no momento em que perguntou.

Ante a resposta de Jace, calma e polida, Hunter nada fez além de, involuntariamente, arquear a sobrancelha esquerda. Umas poucas pessoas que o conheciam bem de perto, no trabalho ou em relacionamentos pessoais, sabiam que isso significava que Hunter estava se contendo para não começar uma altercação…

O que não foi fácil para um competidor e diretor como ele, sobretudo porque, ao ouvir aquele "sinto muito", Hunter se lembrou da reação de Jace e Alec no momento em que ele sorveu o líquido maldito: riram, rangeram as presas expostas e disseram "agora você é nosso"! Daí que Hunter não pôde evitar expor incredulidade na forma de ironia:

- Oh, sim, é claro que você sente muito…

Depois, quando ele adentrou o salão enorme e iluminado por tochas, numa quase penumbra, sorriu consigo mesmo e pensou: "bem, até que os vampiros reais não são assim tão diferentes dos filmes de terror B".

Colocando-se diante de Alec, manteve as mãos nos bolsos, assim como quando encontrou Jace: nada de apertos de mão. E ao ouvir sobre sua pontualidade, respondeu objetivamente:

- Sim, eu não gosto de desperdiçar meu tempo, nem o dos outros. O que fazemos agora, então?

Os dois vampiros na sala falavam de modo objetivo, até "profissional", e Hunter estava mais do que habituado a reuniões desse tipo. Foi ouvindo de forma impassível.

Quando Alec começou seu discurso, Hunter pensou: "até tenho curiosidade de saber mais sobre a raça dos sanguessugas e os estragos que ela deve ter feito na história da humanidade, mas não vale a pena fazer parte de um submundo violento e clandestino como esse só para satisfazer uma curiosidade meio mórbida". Pouco depois, uma frase o deixou surpreso e também um pouco alarmado: "entender o que a sua nova espécie significa"! Pensou: "Esse cara tá dizendo que eu não sou mais humano"!?

Cogitou questionar Alec sobre isso, mas acabou desistindo por achar que eles não dariam uma resposta confiável. A verdade, porém, é que Hunter teve medo de ouvir que já não era exatamente humano e, sem perceber, sua mente entrou em estado de negação, bloqueando o desejo de perguntar.

Foi só depois de Jace falar que o empresário respondeu:

- Você nega que os vampiros sejam parecidos com um grupo mafioso, mas, ao mesmo tempo, vem falar que “uma vez dentro, não há como sair e traição não é algo questionável”... Ora, mais mafioso do que isso, impossível!

Essas palavras vieram acompanhadas de um sorriso sarcástico, mas Hunter assumiu uma expressão mais séria ao prosseguir:

- Sou leal e honesto nos acordos que faço, então é certo que serei leal em tudo o que tiver relação ao trabalho que tenho de fazer para pegar o assassino de Maria. E, por óbvio, isso implica guardar o segredo da existência dos sanguessugas, do mesmo modo que a Clairy faz. Mas não quero tutelar ninguém. Sou um empresário. Meu trabalho é organizar certas atividades de prestação de serviços de forma eficiente para melhorar a vida de todos, ao mesmo tempo em que melhoro a minha própria vida. Então, não tenho interesse nesse tal poder que vocês me oferecem como um fim em si mesmo. É só um meio para executar bem esse trabalho. Depois, não vou querer participar de qualquer outra intriga envolvendo sua… sua…, digamos assim, "gente".

A resposta dada aos seus comentários deixou Hunter irritado, pois os vampiros continuavam insistindo em que ele iria continuar trabalhando para eles por muito tempo. Mas ele achou melhor não retrucar nada para que pudessem terminar logo o que vieram fazer. "Não vejo a hora de me mandar daqui", pensou.

- Bem, acho que podemos ir ao que interessa sem mais delongas. O que faço agora?

A pergunta foi feita no tom mais frio e profissional possível.

Hunter não estava feliz. Sentia-se traído, pois lhe fora prometido que seu treinamento e habilidades serviriam para punir o assassino de Maria, e, embora tenham lhe dito - depois que ele já havia provado o sangue maldito uma vez! - que sua servidão seria permanente, Hunter avisou diversas vezes que se recusaria a prolongar aquela situação humilhante. Mesmo assim, o tal treinamento foi tão longo e envolveu tantas atividades físicas e mentais diferentes, que acabou ficando muito claro que Hunter estava sendo preparado para servir aos vampiros em diversas questões e por muito e muito tempo…

Pior ainda: foi depois de umas poucas semanas de treinamento, quando já havia provado do sangue maldito três vezes, que Hunter se convenceu plenamente de que fora tapeado, mas, devido ao laço de sangue, não era capaz de sentir ódio por Jace e Alec. A percepção racional de que havia sido escravizado emocionalmente o deixava aturdido, confuso, mas, como não conseguia nem sequer se enraivecer, sentia-se frustrado, horrivelmente frustrado. Não bastasse isso, era exasperante para um homem determinado e impaciente como Hunter ficar meses aguardando por uma missão que ele achou que iria começar em, no máximo, três ou quatro dias após fechar o acordo com os vampiros!

Pelo menos o relacionamento com Clairy estava sendo feliz. Essa era a única coisa boa em sua vida. Continuava eficiente no trabalho, mas seu entusiasmo arrefeceu. Ele já não acreditava que seu sucesso nos negócios provinha de uma fonte legítima, pois achava que o sangue vampírico lhe dava vantagens injustas. "Sou um competidor, mas vencer trapaceando, sem mérito, nunca foi meu objetivo", ele pensava. Deixou de praticar esportes pelo mesmo motivo, sendo o kendo a única exceção, mas somente pela utilidade que essa arte marcial poderia ter em sua luta contra o assassino de Maria. Também se tornou mais distante dos amigos, pois sentia-se estranho, como se não fosse mais uma pessoa normal - e, de fato, não era mesmo. Ele não se interessava por nenhum divertimento ou distração se Clairy não participasse.

Às vezes, ele se pegava pensando se Clairy sabia de alguma coisa, mas o medo que sentia da reação dela o fazia afugentar logo aquele pensamento da cabeça. Foi assim durante o café da manhã naquele dia. O sol estava bonito, então Clairy disse que gostaria de comer no terraço da cobertura, como eles costumavam fazer em dias assim. Mas agora o sol deixava Hunter um tanto incomodado, e ele aceitou a sugestão de Clairy só para não levantar suspeitas. Irritava-se ao conter a vontade de ir buscar seus óculos escuros e ainda ter de sorrir normalmente enquanto os raios solares incomodavam seus olhos!

Foi com alívio que ele terminou seu desjejum e dirigiu-se para a garagem do edifício. Antes de sair com o carro, pôs finalmente seus óculos de sol…

"Finalmente!", foi o que Hunter pensou logo depois de ler a mensagem. "Meses de humilhação à espera de uma oportunidade de fazer justiça e, agora, chegou o momento". Saiu do edifício dirigindo ainda mais rápido do que de costume (uma reação inconsciente), mas sem desrespeitar os limites de velocidade.

O dia no trabalho passou como se fossem apenas alguns minutos, pois, embora tenha se concentrado em suas tarefas como sempre, estava ansioso pelo que viria. Quando voltou para casa, Clairy não estava, então ele apenas trocou de roupa e mandou mensagem para ela dizendo que teria de participar de um jantar de negócios. Em seguida, quando faltava meia hora para as 7:00, respondeu à mensagem de Alec: "Pronto. Para onde devo ir?".

Ao ouvir a buzina, logo depois de ler a mensagem, Hunter não pôde deixar de pensar que, apesar de monstros, vampiros sabem ser muito eficientes "para o bem e para o mal".

Ele desceu e fez um aceno de cabeça em resposta ao cumprimento polido do motorista. No caminho, tamborilava com os dedos no assento traseiro do carro, uma manifestação inconsciente de impaciência. Retomou seu pensamento anterior: "ainda assim, é justo reconhecer que o 'bem' que alguns deles fazem é só punir outros que mataram de forma indiscreta demais"…

Depois, começou a imaginar como seria o assassino. Já o tinha visto em sonhos algumas vezes, mas, como não conhecia sua aparência, o rosto mudava a cada vez. E, na maioria desses sonhos, Hunter o matava dramaticamente com a Katana ou com um lança-chamas…

Chegou ao local da festa, apresentou-se na entrada e olhou ao redor logo que pôs os pés do lado de dentro. Chique, como seria de esperar. Mas aquela profusão de preto e vermelho fez Hunter supor que a própria organização da festa era coisa de sanguessugas: "será que vou estar cercado deles ou vai ter outros humanos aqui também"?

Apesar da pergunta inquietante que trazia na mente, Hunter fez o que todo mundo faz quando entra num ambiente festivo e não vê ninguém conhecido: começou a procurar por uma mesa com comida e bebida…

Quando provou o primeiro doce que estava sobre a mesa enfeitada de rosas vermelhas, Hunter pensou: "Eu sou um néscio nessas coisas de monstros, mesmo! Se tem comida aqui, é óbvio que tem outros mortais, ghouls ou não. E, pra saber quem é mortal, basta reparar em quem é que come os doces. A chance de acertar não vai ser de 100%, mas vai ser bem alta, já que são raros os vampiros que conseguem ingerir comida"!

Ficou um pouco ao lado da mesa degustando o quitute (bem saboroso, por sinal) quando percebeu a chegada de Alec e Jace. Isso o deixou surpreso, pois imaginou que seu trabalho de espião seria necessário ali porque eles não estariam na festa. Começou a pensar se devia ir falar com os dois ou se era melhor para o seu disfarce não revelar aos presentes que ele conhecia o príncipe e seu principal capanga.

Nem bem começou a refletir sobre isso, viu um homem recém-chegado à festa (Magnus) ir se apresentar ao príncipe. Será que eles iriam conversar por muito tempo ou não? Decidiu aguardar alguns minutos. Se a conversa durasse menos do que isso, iria depois falar apenas com Alec e Jace; caso a conversa se alongasse, Hunter iria se apresentar aos três para ver o que aconteceria.

Hunter não tinha certeza se o homem que se aproximou para conversar com Alec e Jace era o alvo que ele devia observar. Os três se cumprimentaram de forma bem mais calorosa do que Hunter supôs que fariam, o que o levou a pensar que aquele homem não devia ser o alvo. Ainda assim, resolveu cumprimentar Alec e Jace para ver se lhe davam algum sinal do que deveria fazer.

Eles o cumprimentaram com a mesma formalidade usada com todos os demais e nada disseram, então Hunter soube que devia continuar caminhando por ali sem levantar suspeitas, até que o alvo aparecesse. Voltou para perto da mesa de bebidas.