Capítulo 2: Uma Visita Inesperada

O esqueleto se contraiu de irritação com as palavras da bruxa. Com a arma em punho, ele deu dois passos para atacá-la, mas interrompeu seu movimento ao perceber que Sinistro fazia um gesto para ele com uma das mãos.

- Vamos ver do que a bruxa é capaz. Abra a porta.

Contrariado, o esqueleto deu meia-volta e abriu a porta da cabana, revelando o ocaso sobre o pântano. O caminho para fora estava livre para Andariel.

O Sinistro e o esqueleto acompanham a bruxa até a proximidade do pântano. O Sinistro mantém-se por perto, a uns cinco metros de distância, e o esqueleto fica mais atrás perto da porta da cabana. O capitão morto-vivo colocou sua mão sobre o punho de sua espada quando Andariel adentrou as águas sujas e lamacentas. A bruxa sussurrou palavras ao cajado, que não as respondeu; porém, após um breve momento, o chamado dela havia sido atendido, e dois pares de olhos amarelos surgiram na escuridão se rastejando pela superfície das águas do pântano. Sinistro percebeu a aproximação dos monstros, e sacou a espada.

- O cajado atendeu às suas ordens, bruxa, o que isto significa? - Sinistro parecia ter saído de sua zona de conforto, e ele alternava o seu olhar entre a bruxa de posse do cajado e as duas feras que se aproximavam.

Os dois monstros rastejam para fora do pântano; eles possuíam patas pequenas e fortes, um corpo longo recoberto por escamas que terminava numa cauda e uma cabeça com dois olhos amarelos em forma de fenda e uma fileira de dentes salientes em sua boca assassina. Toda a atenção do Sinistro estava agora depositada naquelas duas feras que avançavam contra ele e o seu comparsa esqueleto.

A bruxa, novamente oculta por sua magia, toma um caminho em direção a um antigo bote que há muito tempo fora abandonado na ilha e que ela frequentemente usava para comprar ingredientes para seus experimentos em vilarejos próximos. Ela avança por entre as árvores e folhagens da floresta, ignorando completamente o que poderia estar acontecendo às suas costas, no embate dos mortos-vivos com os monstros invocados. Chegando perto da praia, ela percebe a presença de dois zumbis trajados de piratas. Eles estavam bem próximos do bote encalhado na areia e pareciam vistoriar aquela área.

A imagem de uma velha saindo das árvores chamou logo a atenção dos dois zumbis. Eles sacaram suas armas, e assim que a velha começou a fugir, eles foram atrás dela; entrementes, a verdadeira Andariel agradecia aos céus por aqueles mortos-vivos serem tão tapados por terem acreditado cegamente em sua ilusão. O caminho até o bote estava livre!

A velha tem dificuldades de empurrar o bote até à margem, mas depois de algum esforço, ela põe o barco a remo em movimento através do mar. A madrugada caía a dentro, e não demoraria muito para os primeiros raios solares do dia tingirem o mar numa cor áurea e dourada. Andariel tinha se livrado de Sinistro e de sua tripulação e navegava tranquila ao lado de seu corvo.

"Obrigado por me salvar das garras de um proscrito", era a voz do cajado. Andariel até havia esquecido que ele falava.

"Você não precisa me ordenar com palavras; um simples gestual aliado à força do seu pensamento me apontará o que devo fazer", alerta o cajado.

As águas sob o barco a remo aumentam de intensidade, criando ondas ao seu redor e transportando-o a uma velocidade maior, como se estivesse numa correnteza. Andariel precisa agarrar-se nas bordas do bote para não cair enquanto o vento veloz bate em seu rosto, trazendo o cheiro salgado do mar. A ilha fora deixada para trás e o nascer do sol se dava no horizonte, banhando a água com a cor dourada da manhã.

A viagem foi rápida e silenciosa até alcançarem o seu destino: uma ilhota ocupada por pescadores e desalentados ex-piratas que viviam numa comunidade pobre às margens do mar. Era as primeiras horas do dia e já havia muitos homens, velhos e novos, nos diques à beira-mar com uma vara de pescar. Eles não deram absoluta importância à chegada do bote; muitos dele nem sequer viraram seus rostos para ver quem havia chego. Quando Andariel aportou na ilhota, ela reconheceu rostos familiares de homens que venderam suprimentos em troca de suas poções ou sábios conselhos, mas nenhum deles caminhou em sua direção ou veio saudar a sua chegada.

O clima estava pesado e pouco amigável na comunidade, até que um homem para lá de seus 40 anos e uma barba branca rala em seu rosto enrugado veio falar com Andariel. Aquele era o representante da aldeia, embora a bruxa sempre esquecesse seu nome.

- Fomos atacados ontem à noite - o homem diz sem nenhuma cerimônia. - Um capitão na forma de um demônio aportou aqui, com uma tripulação fedendo à morte e podridão. Ele perguntou de você, bruxa, e embora nós não quiséssemos falar o seu paradeiro, ele e sua tripulação começaram a nos ameaçar. Então, não tivemos escolhas a não ser apontar a direção para a sua cabana, mas o capitão é um sujeito vil e destemperado, e ele resolveu levar alguns de nós com ele por termos demorado a respondê-lo. E ele escolheu às nossas crianças! - A emoção brotou em seus olhos marejados e em sua voz embargada. - Tentamos lutar, resistir, fazer qualquer coisa, mas varas de pescar e espadas enferrujadas são inúteis contra quem já está morto. Tivemos que ver os nossos filhos serem levados diante de nossos olhos! Isso é culpa sua, bruxa, ele estava atrás de você.

- Ora essa, isso é uma mentira! - bradou o homem, exasperado. - Você faz a sua própria fama com seus truques macabros. - Alguns moradores da comunidade perceberam que a conversa não ia bem, e dois homens aproximaram-se. A julgar pelas marcas de cicatrizes em seus rostos, deviam ser dois antigos piratas, um deles inclusive não tinha o antebraço esquerdo, embora o direito fosse forte e saudável. - Escute bruxa, não quero que haja um derramamento de sangue aqui. Apenas lhe peço para que você nos ajude a recuperar nossas crianças. Estou certo de que você é poderosa o bastante para isso.

- Poucos de nós sabem ou se lembram como manusear uma arma - começa a dizer o representante local. - Será impossível entrarmos em guerra contra aqueles zumbis! Eles já estão mortos, como poderemos matá-los de novo? Já a senhora... bem, pensei que você possuísse poderes mágicos que pudessem dar um trato nisso, mas percebo que a superestimei demais.

- Eu conheço um meio.

Um homem aproximava a passos lentos, parecendo mancar da perna direita. Este homem tinha uma estatura um pouco maior do que a mediana, com músculos bem definidos debaixo de seu corselete de couro como qualquer bom marinheiro, mas nada extrapolado. Sua voz grave e sua presença chamativa, atraindo os olhares dos dois ex-piratas e do próprio representante. O homem por sua vez tinha o olhar fixado em Andariel.

- O meio que eu conheço não será fácil, pois envolve achar uma embarcação que há alguns dias não tenho notícia dela. - Ele suspira, preparando-se para contar a sua história. - Até um mês atrás eu fazia parte de uma tripulação de piratas - piratas audaciosos de que nada temiam; saqueávamos qualquer embarcação mercante ao nosso alcance e topávamos qualquer empreitada, perigosa ou não. Infelizmente uma tempestade violenta se acometeu sobre o nosso navio e eu fui arremessado para fora dele, pela murada. Cai na água num forte baque, onde fraturei alguns ossos de minha perna, e temo que tenha desmaiado por alguns dias; fortuitamente, fui achado vivo por pescadores e trazido para cá. Ainda não me recuperei por completo como pode ver, mas estou pronto para ir atrás dos meus antigos companheiros, se eles ainda estiverem vivos. Tenho certeza que eles ajudariam-na a combater este morto-vivo e recuperar as crianças.

- Deixa-me me apresentar: eu me chamo Hymma.

O representante não retruca a bruxa, e Hymma trata de respondê-la.

- É Marlin Negro e o seu esporão tem a forma do peixe que dá nome à embarcação. Você o reconhecerá quando o ver. Nós... bem, eles são os melhores piratas que navegam por estes mares, eu apostaria toda a minha algibeira com Dyke, se eu tivesse algibeira e se o Dyke estivesse aqui. E... bem, eu esperava que você tivesse os meios para encontrar este navio, mas sei de um lugar em que eles podem estar. A Ilha Dragão.

- Ahn... sim, temos um local que você pode usar - o representante havia voltado a falar, e agora que a bruxa aceitou ajudar ele parecia bem mais aliviado e amigável. O homem indicou o caminho até uma pequena casa de madeira construída às bordas de um dique. Era uma casa humilde de um aposento só. Exausta após uma madrugada agitada, a bruxa não demorou a cair no sono. Ela foi acordada por volta das duas da tarde, e convidada a um singelo amoço na casa do líder local. Depois disso era chegada a hora de partir para uma nova empreitada.

Quando Andariel retornou ao seu bote, viu que Hymma já estava lá, certamente estivera aguardando-a. Ele deixou que a bruxa subisse primeiro no barco, e depois ele próprio pulou para dentro do bote e segurou nos remos.

- E então... iremos para Ilha Dragão ou você tem alguma ideia melhor? - perguntou à bruxa.

- Uou, isso é magia? - surpreende-se Hymma ao ver que o barco a remo estava ganhando velocidade sem ninguém remar. Ele ouve a pergunta da bruxa e responde: Eu era vigia. Estava lá no cesto da gávea quando a tempestade nos assolou, e quando a onda ricocheteou-se contra a murada do navio, o barco balançou e eu despenquei de uns 10 metros de altura. Foi aí que desacordei.

Eles seguem viagem a uma velocidade impressionante, e não demora para o Cajado de Arvandor atrair a curiosidade do marujo.

- Cajado estiloso, onde o arranjou? - quis saber Hymma.