Vejo sabedoria nas palavras do agora meu mestre em aconselhar humildade e me identifico com o conceito. Humildade, segundo Santo Agostinho é não ser arrogante ou soberbo. A soberba é a consciência do nascimento nobre, conhecimento do qual não posso escapar... A Arrogância, por sua vez, é arrogar ou assumir a sua posição de superioridade, tanto de nascimento, física, emocional, status, poder, preparo e intelecto.
Porém, o lado ruim na arrogância, citada pelo sábio Santo, é o orgulho, o desprezo aos mais humildes. A minha fé, pura e baseada no verdadeiro amor a verdade e ao Cordeiro corrige isso, faz com que dedique as minhas qualidades superiores, a melhorar a vida dos desfavorecidos e desvalidos. Isto equilibra os defeitos inerentes a condição de superioridade do nobre, como a Soberba e a arrogância e suprime o orgulho, que é o que envenena o coração e torna alguém mal.
De fato, a fé pura, centrada no redentor, nos dota da humildade verdadeira, a que não é piegas, mas a que nos leva a agir em benefício dos desfavorecidos, dos necessitados e carentes, tornando-nos as verdadeiras mãos que agem para o bem, guiadas pelo altíssimo e isso pode tornar o mundo em um lugar melhor e santo.
As palavras de Arnau, me remetem a minha fé, pois é ela que me concede humildade e portanto existe sabedoria nas palavras do mestre. Porém, a maneira como ele me instiga me deixa constrangida e não é justa, pois minha vida não foi um mar de rosas, como ele faz parecer ser... Perdi minha mãe, em tenra idade e vi o cadáver dela em decomposição, fato que ninguém merece passar por ele.
Por causa desta perda, desde cedo tive que assumir responsabilidades e lutar pelo meu povo e pela minha família, e com disciplina e uma arma na mão, arriscando a vida e abdicando de luxos que teria em uma vida palaciana... De fato, não foi nada fácil... Mas convivi com meu pai e aprendi com ele a cada minuto desta vida dura, mas valeu a pena, pois fortaleci cada fibra do meu caráter e adquiri força física e moral e sou capaz de cuidar de mim mesma, coisa rara entre os nobres.
Concluo que ele está me testando e faço uma expressão impassível, com se aquilo não me atingisse, pois preciso mostrar a minha força interior e após escutar as suas palavras, como uma boa discípula, E falo: - Obrigado pelas sábias palavras, na minha idade, precisamos ouvir verdades de impacto, para equilibrar os efeitos nocivos dos efeitos inerentes ao nascimento de origem nobre. Mas minha vida não foi fácil, perdi a minha mãe na minha tenra idade e me deparei com o seu corpo já em decomposição na torre onde ela foi encerrada por causa da peste...- neste momento minha voz faz um falsete discreto, quase um desafino, mas rapidamente me recupero e sigo - E vivi como um soldado ao lado do meu pai, que foi pai e mãe, mas com certeza muito mais pai...
Neste momento, dou uma pausa para absorver a carga de dor, ao relembrar esses momentos difíceis, principalmente da visão do corpo da minha mãe... Era uma carga emocional pesada, embora convivesse bem com ela agora, mas não é fácil verbalizar. Olho para o Duque, vejo que ele está atento e continuo agora energizada pela minha fé: - Mas a minha fé verdadeira no Cordeiro de Deus, o nosso Salvador e Redentor, canalizou estas dificuldades, para uma construção de um carácter firme, honrado e inabalável e agradeço ao meu Deus, por toda dificuldade que ele me presenteou.
Neste momento, levanto a mão livre, a que não está de braço com ele para o alto, referenciando para onde direciono a minha fé e após nova olhada para checar a atenção do meu ouvinte, baixo a mão e continuo: - Pois dedico toda a vantagem de nascimento, física, emocional, de status, poder, do preparo e de intelecto, para beneficiar os mais necessitados e vítimas das injustiças... Portanto, sei que tudo que falastes, para mim, faz muito sentido. E enquanto falo esta última fala, levo a minha mão livre ao coração.
Ele muda a sua postura, e se desvencilhando do meu braço, com delicadeza, senta-se a mesa com os seus, mesa próxima a mesa da família real de Aragão e cruza os braços e mesmo com o tom de voz austero, mas os olhos agora abertamente me analisando diz: - Forte e determinada, bom devo admitir que em conjunto com suas demais qualidades, isso a tornará uma excelente rainha, entenda Lady Chrystina, ser uma rainha, vai além dos luxos e privilégios, é deter em suas mãos o poder da vida e da morte, exemplo é a guerra que acontece, entre o seu primo e o rei da França, quantos não estão morrendo conta destes dois homens. Então confirmo que de fato era um teste, mas entendendo Arnau, sabia que não era um jogo, ele tentava dominar as ações e me mostrar quem era o maestro que regia a orquestra, e eu via que acertara no tom da minha resposta, mostrara não ser a menina mimada que ele tentava cravar, porém mostrara o devido respeito e reconhecimento da sua sabedoria.
Ele olha com mais carinho e com a cara de quem tem todas as fichas na mão, comenta que neste momento, o Padre Juan, não é uma ameaça, sem explicar porque e como alguém que cerca um palácio, não o seja. e diz de forma mais firme: - Quanto a sua coroa, neste momento, ele se levanta do assento e faz um gesto com a mão chamando alguém, continua:- Será o príncipe herdeiro de Castela e Leão e também meu filho, o Julian...
Os nobres abriram caminho para que o príncipe chegasse a mesa em minha direção. Ele era, a seu modo, imponente, vestindo uma túnica e capa vermelha e branca com bordados dourados, a aparência lembrava um pouco Arnau, mas tinha uma feição mais gentil, além de ser mais airoso, era alto e robusto, com belos cabelos e barba ruiva, olhos verdes que lembravam duas esmeraldas e ele se aproxima e faz uma reverência: - Senhor meu pai... E suas palavras são polidas e educadas.
Nisso Arnau fez um gesto e diz: - Não há necessidade dessas formalidades Julian, ele coloca a mão no ombro do filho e a outra mão estendeu em minha direção, - Deixe-me lhe apresentar a Lady Chrystina Lancaster, filha do Marques de Winchester e prima do Rei Eduardo III, conversei com ela e acordamos um noivado entre nossas famílias, aproveite e a leve para a próxima dança que esta prestes a começar, para se conhecerem melhor. Nisso o jovem príncipe se virou em minha direção, faz um reverencia e estendeu a mão, mantendo o mesmo sorriso cortês, me pareceu que a noticia do noivado de
alguma forma não pareceu surpreende-lo, será que ele estava ciente de tudo?
- Me darias a honra dessa dança milady - e para a minha surpresa ele disse em inglês fluente... Eu inclino a cabeça, concordando e o acompanho. Diferente de Arnau, ele demonstrava um certo cuidado ao me conduzir até o centro do salão, enquanto ele me leva, os demais nobres se afastaram, abrindo espaço para dançarmos, dessa vez parecia que só nós iriamos dançar, aumentando de certa forma a tensão do momento e seu constrangimento, até que o príncipe me confidencia: - Não se preocupe, irei te guiar, como meu pai o fez - disse ele com um sorriso no rosto - Mas a forma como essa dança e noivado vai começar ou terminar vai depender de uma resposta sua milady - as suas palavras agora já não eram mais gentis e sim ameaçadoras, embora ele mantivesse o sorriso no rosto - Você é parte dos planos do meu pai ou não?
Ouço a pergunta e de certa forma eu gosto do que ouço, mostra que ele pode ter uma certa independência do pai, embora aparente respeito e até subserviência, mas não me garante nada ainda e gostei dele ser direto na sua pergunta, não usando dos artifícios maliciosos da corte de usar engodos, ardis e lisonja, o que me irrita, nem tratou a minha posição com ironia, outro recurso que os nobres usam para diminuir o seu interlocutor e portanto decido ser direta, mostrando quem eu sou, pois este é o objetivo da nossa dança, segundo o meu mentor, o Duque.
Olho firme para ele e digo: - Seu pai apenas me conduziu na dança, e apenas só, todo o demais transcorrido e decidido, baseou-se em dialogo, ideias e argumentações bilaterais. Seu pai é um homem inteligente, tem completa noção da realidade da nossa Europa e dos horrores da guerra, preocupa-se assim com eu, com as mortes dos inocentes devido a guerra. Daí, nos entendermos, foi só questão de tempo e diálogo.
Neste momento, a música muda de movimento e forço um giro, antes que ele o faça, como se eu tomasse a iniciativa agora da pergunta, e a faço: - E você, qual a autonomia que possui neste contexto? Sua pergunta, me trouxe uma boa esperança quanto a isso... E permaneço dançando com os olhos firmes nos olhos do príncipe a minha frente.