Arredores de Halamshiral

O mercador permanece calado quando Wahman dá-lhe a deixa para se apresentar, contentando-se em erguer uma sobrancelha. Sua expressão parece eternamente congelada em um estado de risinho iminente.

- Bem, bem, minha cara donzela - diz; descruzando os braços, aproxima-se da guerreira e pega sua mão delicadamente, beijando sua palma - Meu coração espera que suas palavras sejam verdadeiras. Peço perdões por não poder te recepcionar como a boa tradição da minha querida Antiva costuma fazer. Tempos difíceis, tempos difíceis...

Suspirando, pega de volta sua prancheta e volta ao que estava fazendo.

- Dê-lhe comida e vinho, Francesca. Depois traga-me de volta, para ver se esse bonito rostinho é capaz como suas doces palavras dizem ser. Ah, a propósito - lembra-se subitamente de algo, virando a cabeça e olhando-a por cima do ombro - A senhorita pode chamar-me de Giovanni, da Casa Marchetti. Até mais tarde, e bom apetite.

A guarda, então, acena com a cabeça, guiando-lhe até outro ponto do acampamento. Uma mesa de madeira desmontável, coberta por uma toalha branca, está posta com pães e bolos, uma garrafa de vinho e outra com café fumegante. O vinho de Antiva é renomado e reconhecido por todo o continente de Thedas.

Apesar da mesa, não há cadeiras. Os comerciantes só passam por ali, muito ocupados em seus afazeres, pegam um pedaço de bolo ou uma taça de vinho e continuam andando, sem parar.

O deslumbramento de Wahman com aquela fartura é atrapalhado com uma cena em frente a uma barraca, não muito longe da mesa. Um mercador grita com um elfo, que aparentemente derrubou vinho sobre as vestes de seu senhor. Enquanto a guerreira olha, o mercador, enfurecido, dá um soco em seu servo, que cai ao chão, o nariz sangrando. Bufando, o agressor sai andando. Os demais transeuntes não parecem dar atenção à cena, nem ao elfo caído, e seguem com sua rotina.

Depois de se satisfazer um pouco com o banquete, Wahman aproxima-se do elfo caído a fim de ampará-lo. Oferece-o um pedaço de bolo, mas o elfo arregala os olhos e balança a cabeça veementemente em negação. Antes que possa dizer qualquer coisa, a guarda aproxima-se subitamente da guerreira.

- Ei! O que pensa que está fazendo? - brada, afastando Wahman do elfo com seu escudo - Os elfos não podem consumir a comida dos comerciantes. É assim que você agradece a benevolência do senhor?

O elfo, assustado, levanta-se rapidamente e desaparece entre os transeuntes, cabisbaixo.

- São como pombos - resmunga a guarda - Dê essa comida para um hoje, e amanhã teremos uma infestação de elfos sobre a mesa. Já acabou de se servir? - indaga, rispidamente.

A guarda bufa diante da justificativa de Wahman, sem parecer muito crédula; mas não diz mais nada. Também não parece reagir aos seus gracejos. Quanto ao elfo, por sua vez, a guerreira não consegue perceber se ele ouviu o que disse ou se viu sua piscadela, tal era sua pressa em se afastar rapidamente.

Quando Wahman afirma estar satisfeita, a vigia acena com a cabeça para retornarem pelo caminho de onde vieram. O sol agora começa a subir no céu, aproximando-se do meio-dia e fazendo o ar ficar mais quente. A movimentação na caravana também parece maior.

Logo estão novamente diante do mercador chefe de caravana, que agora conta moedas. Com movimentos fluidos, o antivano pega uma a uma, mordisca-as para testar sua veracidade, e organiza-as em compartimentos de uma caixa de madeira. Ergue o olhar ao notar a aproximação das mulheres, sem parar o que fazia.

- Já de volta, bambina? - cumprimenta, com um leve sorriso - Espero que agora bem alimentada. Que tragédia seria escapar de sequestradores para morrer de inanição, não?

O mercador ergue-se, interrompendo a contagem, e tira de um dos muitos bolsos de sua roupa de couro um pedaço de pergaminho. Aproximando-se, coloca-o nas mãos de Wahman.

- Este é um mapa rascunhado das redondezas, desenhado por um de nossos batedores. Aí está marcado um riacho. Para lá enviei um mercador para trazer-nos água. Isso faz 2 dias, e ele ainda não voltou - o antivano suspira; a jovialidade antes presente agora dá lugar a uma perceptível exaustão - São tempos difíceis, minha cara. Não posso perder mais colegas para isso, e nenhum deles tem a capacidade que você tem - ou diz ter - complementa, com uma piscadela. Endireitando a postura, o brilho jovial retorna aos seus olhos castanhos - Considere um pagamento por nossa calorosa recepção, que tal? Volte viva e com informações, e poderei te recompensar ainda mais.

Sem esperar pela resposta da guerreira, o antivano senta-se novamente e retorna à sua tarefa.

O sol já passa de seu zênite e começa a descer a oeste quando Wahman enfim alcança o riacho indicado pelo mapa. Em todo o seu trajeto a guerreira buscou por quaisquer indícios do paradeiro do mercador desaparecido, mas sem sucesso. Talvez ali consiga encontrar algo.

Entretanto, antes que possa começar sua procura, ouve subitamente o barulho de cascos. Olha ao redor até localizar a origem: um pequeno batalhão de cavaleiros aproxima-se, levantando poeira na região de estepe.

De longe Wahman consegue ver o brilho das armaduras dos soldados, o que indica uma boa posição social. De fato, um deles carrega um bastão com dois estandartes com símbolos de casas nobres.

Logo eles alcançam a guerreira, e os cavalos formam um círculo ao seu redor, cercando-a.

- O que a senhorita faz andando por aí sem permissão, mocinha? - questiona o mais alto deles em orlesiano. Sua armadura da mais alta qualidade e sua máscara elaborada mostram que é um chevalier - O Duque Gaspard, legítimo Imperador de Orlais, proibiu a circulação de pessoas fora das estradas sem sua expressa autorização. A senhorita será levada ao Palácio de Inverno para dar suas explicações.

O número de cavaleiros torna impossível qualquer tentativa de reação ou fuga, e eles não parecem dispostos a ouvir qualquer desculpa. Um deles desce de seu cavalo e prende os pulsos de Wahman com algemas. A guerreira é então colocada sobre um cavalo de carga, junto com equipamentos e provisões, e o batalhão parte em galope para o Palácio de Inverno.