4 de Mirtul, 1372
Mesmo já sendo um período tarde da noite, o canal pelo qual Roosevelt navegava continha outros tantos esquifes em movimento. Ficava claro que para o povo de uma cidade como aquela o esquife constituía o principal meio de transporte. Os postes dos lampiões às margens dos canais forneciam uma iluminação precária, de modo que era perigoso chocar-se com outro barco e ocasionar estragos na madeira. A única companhia que Roosevelt tinha a bordo do Vingança de Mammon (apelido carinhoso que o bote recebera durante a viagem) era Sean Dorean, e neste momento o garoto tinha acabado de avistar uma estalagem.
- Os dizeres na placa dizem "Jarra Afundada, a estalagem mais popular de Marsember" – Sean apontou para o lugar onde uma casa de madeira de dois andares se erguia acima de um barranco de areia. – Parece ser promissor, capitão.
Roosevelt conduziu o Vingança para o píer mais próximo e desembarcou na ilha no exato momento em que a garoa começava a se transformar em chuva. Nenhum oficial veio cobrar taxas ou exigir nomes, o que não era uma prática comum em terras civilizadas, mas sem tempo de agradecer aos deuses, os dois piratas se esgueiraram sobre o barranco até a entrada da Jarra Afundada.
A estalagem cheirava a piche, sal, algas marinhas e peixe, e a iluminação não diferia muito do que era encontrada nas ruas da cidade. Os quartos estavam abarrotados até o último colchão, e as cadeiras no saguão principal estavam todas ocupadas por bundas de marinheiros que passariam a madrugada bebendo e contando histórias. Para os dois recém-chegados sobrou um lugarzinho ao chão próximo à lareira para se passar a noite. O taverneiro ofereceu dois cobertores rasgados e cheios de pulgas como cortesia da casa, e como cortesia às suas dignidades os dois piratas recusaram-nos.
Era difícil dormir com as vozes altas dos marinheiros bêbados, com a goteira que tinha bem em cima da cabeça de Roosevelt, e com o vento frio que passava por entre frestas na madeira. A sorte era que tanto Roosevelt quanto Sean estavam exaustos após terem viajado por mais de um mês num bote a remo comendo peixes cru e tomando a água salgada do mar, e por isso eles conseguiram dormir, mas não sem serem atormentados por sonhos e pesadelos, especialmente Roosevelt, que sempre vislumbrava o Marlin Negro no apagar dos olhos...
5 de Mirtul, 1372
- Acorde, capitão! Acorde! – a voz de Sean soava próxima aos seus ouvidos. – Que falta de sorte a nossa, capitão. O Barba Roxa será enforcado dentro de duas horas. Você precisa acordar e ver isso com os seus próprios olhos. – Sean deu mais uma desnecessária sacudida no braço de Roosevelt apenas para certificar de que ele tinha despertado completamente e se afastou em direção ao mural de avisos.