A Mão Esquerda de Deus - Capítulo I

Nada era tão ruim que não pudesse piorar.

Em alguns dias, Bárbara viu sua vida dar mais uma guinada. Primeiro, uma correspondência da Pontifícia Universidade Católica a comunicava que sua bolsa tinha sido cortada diante de declarações controvérsias que manchavam a imagem da Igreja e da universidade. Depois um movimento de padres e leigos adeptos da Teologia da Libertação que exigiam sua sumária excomunhão por causa do discurso. Por fim, chegou ao público a notícia do afastamento temporário do padre Otávio na paróquia do Méier, onde ela vivia.

Então era assim que ela era recompensada por falar a verdade. Com ameaças, corte de bolsa e excomunhão. De fato, muita gente influente dentro da Igreja começava a mover as peças para que qualquer coisa que ela dissesse fosse sufocada. Quem compactuassem com seu ponto de vista seria severamente punido. Onde é que eles iam parar?

Bárbara pensou em se concentrar no trabalho na loja, mas a mãe não permitiu. Se ela ficasse muito tempo exposta, poderia atrair atenção indesejada e as coisas estavam começando a ficar complicadas. Intimamente, ela temia que sua mãe fosse alvo de algum tipo de represália dos opositores.

A pior parte era ficar trancada em casa. O irmão e a cunhada ligaram, desejaram força e deixaram claro que estavam disponíveis para ajudar com o que ela precisasse. Bárbara sabia que dinheiro não seria problema: seu irmão as ajudaria se faltasse alguma coisa. Mesmo assim, era enervante pensar que seu direito de ir e vir era tirado à força por causa de alguns ativistas e hereges.

Seus pensamentos foram interrompidos quando, no meio da tarde, uma mensagem chegou em seu celular.

Filha, aqui é o padre. Preciso que me encontre hoje às sete da noite no barracão abandonado duas ruas atrás da sua casa. Temos muita coisa para conversar. Seja discreta.

Sua vida mudara de forma surreal depois daquela desgraça na faculdade. Aquilo era só o começo da perturbação, de fato, depois de ser cancelada na internet teve sua bolsa suspensa e foi excomungada da igreja. Uma pessoa mais fraca de mente e espírito desistiria de tudo ou pior, tentaria se retratar com esses cães imundos que estavam manchando o santo nome da igreja. Mas Bárbara se manteve convicta de que o que tinha feito era a coisa certa e não voltaria atrás com sua palavra. Se tudo isso estava acontecendo em sua vida é porque Deus planejava algo em sua vida e seguiu firme nesse pensamento.

O Senhor não nos dá um fardo maior do que possamos carregar.

Era terrível ter que ficar em casa sempre, já que sempre fora muito ativa, na verdade essa era a pior parte. Queria poder fazer algo para limpar toda essa sujeira que se formara dentro da igreja debaixo do seu nariz e nunca havia percebido.

Se for da vontade do Senhor, sua filha está pronta para fazer o que for preciso para fazer justiça. Seja lá como for.

Estava perdida nesses pensamentos quando recebeu uma mensagem. Era o padre.

Mensagem escreveu:Filha, aqui é o padre. Preciso que me encontre hoje às sete da noite no barracão abandonado duas ruas atrás da sua casa. Temos muita coisa para conversar. Seja discreta.

Encarou o celular séria, o brilho da tela refletindo nos olhos azuis por um tempo. O que o padre Otávio tinha para conversar com ela que não pudesse ser dito dentro de sua casa? Deveria ser realmente muito sério. Bárbara não conteve a ansiedade até às sete horas, ficou andando para lá e para cá dentro de casa, olhando o celular centenas de vezes, olhando a rua pela janela, inquieta, ansiosa para saber o que estava acontecendo. Poucos minutos antes das sete calçou um tênis e disse para a mãe que só iria dar uma volta no quarteirão pois estava a ponto de ter um troço se ficasse mais um segundo presa ali dentro.

Caminhou num ritmo controlado até o lugar combinado. Precisava ser discreta, não poderia sair correndo até o lugar como uma louca apesar de essa ser a sua vontade. Quando chegou no barracão entrou procurando por seu mentor.

O barracão um dia tinha sido um ferro velho. Havia muitas carcaças de carros espalhadas pelos cantos, empilhadas de forma estranha e sinistra. O barracão ficava no meio disso, uma construção velha e depredada que provavelmente servia de abrigo para viciados e mendigos. Mal iluminado, isolado e abandonado. O lugar perfeito para um crime.

As portas do barracão estavam fechadas, assim como as janelas. De onde estava, Bárbara não conseguia ver nada do lado de dentro. Apenas se aproximou da porta e moveu a maçaneta. Estava aberta.

Do lado de dentro, havia uma surpresa. Embora a aparência exterior fosse de completo abandono, o lado de dentro era surpreendentemente limpo. O chão, feito apenas de concreto pintado de grafite, tinha sido varrido em algum momento e as luminárias substituídas por novas. Uma galeria formava um mezanino em torno do primeiro andar, cheia de prateleiras onde um escritório poderia funcionar sem problema algum. No meio do barracão, duas figuras a esperavam. Uma delas era o padre Otávio vestindo seu conhecido uniforme de esgrimista. O outro era o desconhecido que aparecera na paróquia.

- Boa noite, Bárbara. - disse ele. - Estávamos à sua espera.

O desconhecido se aproximou e lhe estendeu a mão.

- Boa noite. Meu nome é Walther.

Bárbara escreveu:- Boa noite. Prazer, Bárbara. Eu o vi na paróquia. - ela olhou em volta um pouco surpresa e confusa - Bem... Qual o motivo desse encontro? Desculpe ser tão direta, mas é que eu odeio andar às cegas e essa situação está bastante nebulosa para mim ainda.

Walther esboçou um sorriso e apontou para o lugar.

- Isso aqui em breve vai voltar a ser um ferro velho em pleno funcionamento. - contou. - E estamos aqui para te oferecer um emprego. Nós vamos precisar de alguém com certo conhecimento, e acho que a sua experiência na loja de seus pais vai ser valiosa para nós.

- Isso durante o dia, claro. - disse o padre. - À noite, nós vamos treinar esgrima. Nossa cidade está um caos e as autoridades não podem fazer muita coisa. Toneladas de burocracia engessam o trabalho dos agentes da lei todos os dias. As leis são ditadas e manipuladas por nossos inimigos, o que significa que jogar pelas regras deles vai ser igual enxugar gelo. Walther está aqui para te fazer um convite. Como seu confessor, apenas peço que ouça o que ele tem a dizer.

Walther tomou a frente novamente. Olhou-a nos olhos de forma séria.

- Bárbara, você já demonstrou coragem o suficiente para lutar pelo que é certo. - disse. - E já deixou claro que está disposta a dar a cara a tapa por isso. O que acha de fazer isso com mais eficácia? Eu posso te ajudar.

Walther escreveu:- Isso aqui em breve vai voltar a ser um ferro velho em pleno funcionamento. - contou. - E estamos aqui para te oferecer um emprego. Nós vamos precisar de alguém com certo conhecimento, e acho que a sua experiência na loja de seus pais vai ser valiosa para nós.

A proposta era interessante. O lugar estava muito bem arrumado do lado de dentro mas por fora ainda iria precisar de bastante trabalho para deixar decente. A ideia de não ficar mais trancada dentro de casa o dia todo também a faria trabalhar até nos esgotos da cidade.

Padre Otávio escreveu:- Isso durante o dia, claro. - disse o padre. - À noite, nós vamos treinar esgrima. Nossa cidade está um caos e as autoridades não podem fazer muita coisa. Toneladas de burocracia engessam o trabalho dos agentes da lei todos os dias. As leis são ditadas e manipuladas por nossos inimigos, o que significa que jogar pelas regras deles vai ser igual enxugar gelo. Walther está aqui para te fazer um convite. Como seu confessor, apenas peço que ouça o que ele tem a dizer.

Treinar esgrima? Barbara continuou ouvindo atentamente em silêncio.

Walther escreveu:- Bárbara, você já demonstrou coragem o suficiente para lutar pelo que é certo. - disse. - E já deixou claro que está disposta a dar a cara a tapa por isso. O que acha de fazer isso com mais eficácia? Eu posso te ajudar.

- Tudo isso é muito louco para mim. - ela riu sem graça, sentindo uma excitação estranha e agradável com a proposta. Fazer a coisa certa de forma eficaz... aprender esgrima... tudo isso parecia se encaixar de um jeito quase divino. - Mas em minhas orações pedi para que Deus me mostrasse o caminho certo, não importa quão difícil fosse. Acho que ele atendeu meus pedidos. Me diga o que e como fazer, eu prometi a mim mesma que não ficaria relutante diante da oportunidade de fazer justiça.

Ela olhou mais curiosa para Walther. Tinha algumas dúvidas a respeito dele, mas teria tempo para perguntar. Não parecia ser um homem comum. Homens comuns não faziam esse tipo de convite para ela.