Descendo o elevador ela vai sendo embalada pela música agradável e alguma coisa lá fundo se retorce dentro dela. Medo. Medo do marido. Medo do pai. Medo de morrer algo horrível. A porta se abre para a portaria elegante e vai direto a garagem. Tinha alugado um carro, comprar um seria muito caro. Dispendioso enquanto ainda não tinha renda, só dinheiro. Até a garagem tinha movimento. Um serviço de limpeza e lavagem para carros e um daqueles quiosques que vendem casquinhas de sorvete. Ficava na parede externa vendendo para dentro e fora do prédio. Sorvete italiano. Caro. Mesinhas ali dentro tornavam aquele espaço uma sorveteria exclusiva para quem trabalhava ali. Os chefes dificilmente desceriam para tomar sorvete, mas nas poucas vezes que veio no prédio viu sempre pessoas bem arrumadas subindo com mais de uma casquinha ou potinho.
Chegando ao seu carro Chloe vê um homem alto e forte com aparência perfeitamente saudável. Era sempre agridoce ver um desses e lembrar do marido abusivo. Mas lá estava ele dando sorvete para duas crianças pequenas sentadas no teto de um carro antigo e baixo. Impala? Opala? Mutang? Quem liga? As crianças chamam mai atenção que ele com seus barulhos e movimentos. Mas os olhos de Chloe se fixam de novo no homem. Ela vira a chave. O carro começa a tremer com a vida do motor. Cabelo pretos curtos e ligeiramente ondulados. Não pega de primeira. Ela tenta de novo. Olhos azuis profundos em um rosto perfeitamente simétrico. O carro treme de novo. Ele não era assim, o carro. A barba bem aparada. Os braços e costas fortes e as mãos calejadas destoam da cena delicada com as crianças. O carro morre de novo. Ele olha para ela. Fala algo para dentro do carro e uma mulher mais velha sai de dentro do carro. Ela anda um pouco envergonhada até perto da sua janela.
Ela se aproxima limpando as mãos na calça jeans surrada. A camisa branda que acompanha não está muito melhor. "Quer ajuda, sou mecânica. Se quiser posso olhar. Pelo barulho não parece sério." Ela para a uns dois passos do carro. Deixando bastante espaço para Chloe. Uma das crianças dá um grito feliz e pede mais sorvete em uma voz super aguda. Em resposta o homem pega as duas crianças e começa a andar para a sorveteria.